(Imagem: Pedro Spadoni via ChatGPT/Olhar Digital)
Astrônomos identificaram uma ponte colossal de gás entre duas galáxias anãs: NGC 4532 e DDO 137, localizadas a 53 milhões de anos-luz da Terra. A estrutura mede aproximadamente 185 mil anos-luz e se conecta a uma cauda de gás ainda maior, com 1,6 milhão de anos-luz de extensão – a mais longa já observada no Universo.
O fenômeno, revelado pelo radiotelescópio ASKAP, é resultado da combinação de forças de maré entre as galáxias e da pressão de arrasto enquanto ambas caem no aglomerado de Virgem a quase 900 quilômetros por segundo (você vai entender melhor esses palavrões ao longo desta matéria).
A descoberta, publicada recentemente no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, ajuda a entender como galáxias perdem e redistribuem gás, processo que influencia diretamente a formação de estrelas.
“O nosso modelo mostrou que as forças de maré entre as galáxias, somadas à influência do aglomerado de Virgem, foram cruciais para a dinâmica do gás que observamos”, disse Lister Staveley-Smith, professor da Universidade da Austrália Ocidental e autor principal do estudo.
Embora a descoberta impressione pelos números, entender como essa ponte de gás se formou exige olhar para dois mecanismos cósmicos que atuam ao mesmo tempo.
De um lado, as próprias galáxias puxam matéria uma da outra por meio de forças de maré gravitacionais. De outro, o par está imerso no gás quente que envolve o aglomerado de Virgem, sofrendo o chamado efeito de pressão de arrasto — algo parecido com a resistência que um objeto sente ao atravessar um fluido.
É a combinação desses processos que explica por que tanto hidrogênio foi arrancado das galáxias e espalhado pelo espaço ao redor.
Assim como a Lua provoca marés nos oceanos da Terra ao puxar a água com sua gravidade, galáxias exercem esse tipo de força umas sobre as outras.
No caso de NGC 4532 e DDO 137, o resultado foi a retirada de parte do gás de cada uma, que acabou formando uma ponte entre as duas. Essa interação prolongada, que ocorre ao longo de bilhões de anos, ajuda a explicar por que vemos estruturas tão extensas conectando o par.
Além da gravidade, as duas galáxias enfrentam a resistência do gás quente que envolve o aglomerado de Virgem. Esse efeito, chamado de pressão de arrasto, funciona como o vento contra um carro em alta velocidade ou como o atrito que aquece satélites na reentrada atmosférica.
Ao avançar a quase 900 km por segundo, NGC 4532 e DDO 137 têm parte do seu hidrogênio varrido e aquecido, o que gera a imensa cauda de 1,6 milhão de anos-luz que se estende para trás do sistema.
“O gás quente do aglomerado é cerca de 200 vezes mais quente que a superfície do Sol, e isso é suficiente para aquecer e arrancar enormes quantidades de hidrogênio das galáxias”, explicou Staveley-Smith.
Para os cientistas, atravessar o halo quente do aglomerado é como mergulhar num melaço cósmico: a resistência viscosa do gás ionizado “raspa” as bordas das galáxias, arrancando seu hidrogênio ao longo de bilhões de anos.
O aglomerado de Virgem é um dos maiores conjuntos de galáxias perto da Terra, a cerca de 54 milhões de anos-luz de distância. Ele reúne milhares de sistemas estelares imersos numa gigantesca nuvem de gás quente.
É nesse ambiente denso que o par NGC 4532 e DDO 137 mergulha, no qual encontra tanto a gravidade coletiva do aglomerado quanto seu halo de partículas ionizadas.
Esse cenário funciona como um laboratório natural para observar em tempo real como interações em grande escala arrancam e redistribuem o gás que alimenta a formação de estrelas.
A ponte de hidrogênio neutro entre NGC 4532 e DDO 137 já impressiona com seus 185 mil anos-luz, mas é a cauda conectada a ela que torna o sistema único: são 1,6 milhão de anos-luz de extensão, o maior rastro de gás do tipo já identificado.
Para se ter ideia, essa estrutura é mais de 15 vezes maior que a própria Via Láctea. Além do tamanho, os pesquisadores estimam que a massa de hidrogênio difuso espalhado na ponte, nas caudas e nas nuvens vizinhas chega a duas bilhões de vezes a massa do Sol, valor comparável ao total de gás que as duas galáxias ainda conservam.
O que acontece entre as galáxias em questão tem um paralelo direto em nosso próprio quintal cósmico: as Nuvens de Magalhães, duas galáxias anãs que orbitam a Via Láctea. Elas também estão ligadas por uma corrente de gás chamada Fluxo de Magalhães.
Assim como no sistema observado pelo ASKAP, esse fluxo contém regiões de formação estelar ativa. Isso mostra que pontes e caudas de gás não são apenas resíduos arrancados, mas podem se tornar berçários de estrelas.
A comparação ajuda os cientistas a usar o caso distante como modelo para entender melhor a evolução da nossa galáxia e de suas vizinhas.
A ponte de gás e a imensa cauda foram observadas com o ASKAP, radiotelescópio localizado na Austrália e operado pela agência de ciência do país (CSIRO, na sigla em inglês).
O instrumento faz parte de uma geração de antenas que permitem mapear grandes áreas do céu com alta sensibilidade, revelando estruturas difusas que antes passavam despercebidas.
A descoberta integra o levantamento WALLABY, um projeto internacional que usa o ASKAP para estudar a distribuição de hidrogênio neutro em milhares de galáxias.
Antes dele, a cauda de 1,6 milhão de anos-luz já havia sido detectada pelo radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico. Mas foi com o ASKAP que os pesquisadores conseguiram enxergar a ponte de 185 mil anos-luz entre NGC 4532 e DDO 137, além de braços e nuvens adicionais de gás conectadas à estrutura.
Esse ganho de resolução e de campo de visão permitiu não só confirmar a extensão da cauda, mas também entender a complexa dinâmica de interação entre as duas galáxias e o ambiente do aglomerado de Virgem.
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Para os astrônomos envolvidos na pesquisa, a descoberta é apenas o começo. O próximo passo é investigar o destino desse gás arrancado das galáxias e se ele poderá originar estrelas ao longo da cauda e da ponte.
“Compreender essas pontes e caudas de gás nos dá pistas de como as galáxias evoluem ao longo do tempo e em que condições o gás pode voltar a formar novas estrelas”, afirmou Kenji Bekki, coautor do estudo.
Em outras palavras, entender esse ciclo é fundamental para compreender como as maiores estruturas do Universo se transformam, reciclando matéria ao longo de bilhões de anos.
(Essa matéria usou informações do site Space e do Centre for Radio Astronomy Research – ICRAR.)
Esta post foi modificado pela última vez em 29 de setembro de 2025 11:37