Hubble 30 anos: instrumento científico é um dos mais importantes da história da humanidade

Texto: Rafael Rigues

O telescópio espacial Hubble, que completou 30 anos de operação em abril passado, pode ser considerado um dos instrumentos científicos mais importantes na história da humanidade. Apesar de um "fiasco" logo após seu lançamento, quando os engenheiros da Nasa descobriram que ele era "míope", reparos e upgrades ao longo dos anos restauraram e expandiram sua capacidade.

Isso tornou possível a confirmação de hipóteses sobre a existência de buracos negros no coração das galáxias, a descoberta de exoplanetas e a trouxe pistas sobre a origem e funcionamento do universo.

No ano passado Kevin Sembach, diretor do Space Telescope Science Institute, instituto responsável pelo controle e operação do telescópio, tinha grandes esperanças para o futuro. Ele afirmou que "o melhor ainda está por vir", citando como exemplo um projeto chamado Ulysses, que pretende usar equipamentos sensíveis à luz ultravioleta instalados no Hubble para capturar detalhes da formação das estrelas.

Mas talvez os planos tenham de ser repensados. Duas falhas recentes de hardware, uma delas ainda sem solução, colocam em dúvida a longevidade do Hubble. Há quem diga que "ele está morrendo", enquanto a Nasa insiste que ainda não desistiu de encontrar uma forma de colocá-lo novamente em operação.

Nebulosa do Véu Telescópio Espacial Hublle
Crédito: Nasa / Esa / Hubble

O problema mais recente foi causado por uma falha no "payload computer", o computador que controla a operação de toda a "carga útil" (ou seja, os instrumentos científicos) à bordo. A causa exata ainda não foi determinada, mas hipóteses incluem uma falha em um módulo de memória, ou uma falha em um sistema de comunicação entre o payload computer e o computador principal.

Uma opção é substituir o computador afetado por um computador de backup, que foi instalado durante a última missão de manutenção, realizada pelo ônibus espacial Atlantis em 2009. Uma nova missão de manutenção para o envio de peças extras não é possível, já que com a aposentadoria dos ônibus espacias a Nasa não tem uma espaçonave capaz de realizá-la. Ou seja, os engenheiros são forçados a trabalhar com o que já tem em órbita.

Se o computador de backup não puder ser usado, um dispositivo que também foi instalado em 2009 poderá direcionar a reentrada do Hubble na atmosfera terrestre, fazendo-o "queimar" sobre uma região que não apresente risco para a população.

Mesmo que o Hubble seja forçado a encerrar prematuramente sua missão, as informações que ajudou a desvendar ficarão para sempre conosco. O telescópio já fez mais de um milhão de observações e forneceu dados que os astrônomos usaram para escrever mais de 16 mil publicações científicas de ampla gama de tópicos – da formação dos planetas aos gigantescos buracos negros.

Esses artigos foram referenciados em outras publicações mais de 800 mil vezes, e esse total aumenta, em média, mais de 150 por dia. Todo livro de astronomia atual inclui contribuições do telescópio e os universitários de hoje não conhecem um tempo em suas vidas em que os astrônomos não estavam fazendo ativamente descobertas com seus dados.

Também ficarão conosco as belíssimas imagens das regiões mais distantes e mais estranhos fenômenos do cosmos. Veja abaixo oito imagens icônicas.

Nebulosa do Véu Nebulosa do Véu
Crédito: Nasa / Esa / Hubble

Nebulosa do Véu

A primeira imagem retrata a ‘Nebulosa do Véu’. Este fenômeno é formado por gases coloridos, denominados remanescentes de Supernova, que decorrem da explosão de estrelas. Os cientistas estimam que a explosão aconteceu há cerca de 8 mil anos e que a nebulosa se encontra a 110 anos-luz da Terra. A foto foi capturada pelo Hubble em 1997, mas chegou aos sistemas da missão somente em 2015.

Pismis 24. Pismis 24.
Crédito: Nasa / Esa / Hubble

Pismis 24

A Galáxia Pismis 24 é formada por uma aglomeração de estrelas na nebulosa NGC 6357. O telescópio Hubble foi capaz de captar imagens através da densa poeira cósmica e conseguiu ainda estimar a massa da estrela Pismis 24-1, o principal astro dessa galáxia. De acordo com a previsão dos cientistas, a estrela apresenta massa até 100 vezes maior que a do Sol.

Nebulosa da Bolha. Nebulosa da Bolha.
Crédito: Nasa / Esa / Hubble

Nebulosa da Bolha

A NGC 7635, também conhecida como Nebulosa da Bolha, é formada por ventos estelares de um astro de massa 45 vezes superior à do Sol. O gás viaja a uma velocidade de 6,5 milhões de quilômetros por hora. À medida que a nebulosa se expande, o gás preenche o espaço entre as estrelas e provoca ondas de choque. Esse fenômeno é responsável por atribuir o aspecto brilhante da bolha que caracteriza a nebulosa.

Jato Herbig-Haro. Jato Herbig-Haro.
Crédito: Crédito: Nasa / Esa / Hubble

Jato Herbig-Haro

Na imagem acima, o Hubble capturou um jato Herbig-Haro. Quando uma estrela é formada, geralmente ela apresenta um disco de gás ao seu redor. Interações entre este disco e o campo magnético da estrela fazem com que o gás seja expelido a velocidades incrivelmente altas no meio cósmico. A onda de choque decorrente desse processo provoca o jato brilhante que é retratado na foto.

NGC 5033. NGC 5033
Crédito: Nasa / Esa / Hubble

NGC 5033

A NGC corresponde a uma galáxia espiral com cerca de 100 mil anos-luz de diâmetro. Seu núcleo é ocupado por um buraco negro supermassivo, com massa pelo menos 10 milhões de vezes superior à do Sol. Este buraco negro é cercado por um disco rodopiante de gás e poeira, que se move rapidamente a ponto de produzir o brilho constatado na imagem.

Fomalhaut. Fomalhaut.
Crédito: Nasa / Esa / Hubble

Fomalhaut

O Hubble não é um instrumento adequado para identificar exoplanetas. Mesmo assim, o telescópio cumpriu papel fundamental na descoberta de planetas situados fora do nosso sistema solar.

O Hubble identificou, por exemplo, um exoplaneta na órbita da estrela Fomalhaut, que por sua vez é cercada por um vasto anel de poeira com até 20 bilhões de quilômetros de diâmetro.

Esses anéis são criados por planetas que conduzem a poeira para uma órbita específica. Na tentativa de rastrear este mundo, o Hubble capturou repetidamente imagens do sistema durante vários anos. Comparando as imagens, os astrônomos encontraram um ponto brilhante se movendo lentamente ao redor do disco. Para os cientistas, esse ponto configura um planeta.

Lentes Gravitacionais. Lentes Gravitacionais.
Crédito: Crédito: Nasa / Esa / Hubble

Lentes Gravitacionais

A figura acima corresponde a um aglomerado de galáxias. É possível observar que algumas dessas galáxias apresentam o aspecto de linhas curvas, em vez de apenas pontos brilhantes. Isso acontece devido a um fenômeno chamado lente gravitacional.

A massa gigantesca do grupo de galáxias distorce o espaço-tempo, a ponto de a luz “dobrar” enquanto viaja pelo universo. Essa flexão da luz atua como uma lente, de forma a ampliar a imagem das galáxias. Segundo a Science Focus, esse processo é fundamental para o estudo da matéria escura.

Colisão de Galáxias. Colisão de Galáxias.
Crédito: Nasa / Esa / Hubble

Colisão de Galáxias

A última imagem retrata duas galáxias que passaram perto uma da outra a uma distância suficiente para provocar colisões entre suas extremidades. Quando isso acontece, o caos gerado pelo choque entre os dois mundos cria condições cósmicas apropriadas para o nascimento de novos astros. Na foto, as câmeras do Hubble foram capazes de identificar a formação de estrelas jovens, representadas pelas aglomerações de pontos azuis nos anéis deformados das galáxias.

O Telescóio Espacial James Webb (JWST) passando por testes na Terra antes de partir rumo ao espaço. O Telescóio Espacial James Webb (JWST) passando por testes na Terra antes de partir rumo ao espaço.
Crédito: Nasa

O sucessor do Hubble

A Nasa prepara já há algum tempo um novo telescópio espacial que é visto como o sucessor do Hubble, o James Webb Space Telescope (JWST). Ele começou a ser desenvolvido em 1996 e tinha lançamento originalmente previsto para 2007, mas enfrentou uma série de atrasos de natureza técnica, além de estouros de orçamento que já multiplicaram por 10 sua estimativa inicial de custo.

O atraso mais recente no cronograma de lançamento aconteceu no início deste mês, e foi causado por dois fatores. Pela Nasa, o armazenamento do telescópio após testes acabou atrasando, com a empresa contratada para isso prometendo o “empacotamento” dele para o final de agosto. Depois disso, o telescópio ficará guardado por 55 dias na Guiana Francesa, de onde partirá o foguete que o levará para a órbita da Terra.

O foguete europeu Ariane 5 é a outra parte problemática da equação: a sua criadora, a Arianespace, identificou um problema com a carenagem que protege a carga.

Segundo a empresa, a falha já foi resolvida ao refazer o design da peça, que protege o telescópio na jornada até o espaço. Mas com isso novos testes são necessários – os quais devem acontecer entre julho e agosto.

Com isso, a Nasa espera que o lançamento ocorra, na melhor das hipóteses, a partir da segunda quinzena de novembro, com possibilidade disso ser estendido até dezembro. Felizmente, o atraso é de “apenas” um ou dois meses.

Há também um terceiro fator: a Guiana Francesa não é um dos países mais afetados pela pandemia da Covid-19 – segundo a Reuters, o país apresenta uma média diária de 147 novas infecções. Entretanto, não há informações sobre campanhas de vacinação recorrentes no país, então o coronavírus (Sars-Cov-2) também é uma peça a ser considerada pela Nasa.

O JWST tem uma vida útil estimada em 10 anos. Entre suas missões estarão a observação de objetos e eventos mais distantes no universo, da formação de estrelas e a captura direta de imagens de exoplanetas.

Créditos

Texto: Rafael Rigues

Mais especiais