O relatório Fashion Crimes, realizado pela organização Earthsight, aponta que produtos de gigantes do setor da moda, como Zara e H&M, deixam para trás um rastro de desmatamento, grilagem de terras e violação de direitos humanos no Brasil. O documento foi elaborado a partir de uma investigação de cerca de um ano e indica que, para os consumidores, a maioria das peças estampa um selo de produção sustentável.

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Algodão é proveniente de desmatamento ilegal

A ONG analisou o caminho percorrido por 816 mil toneladas de algodão com a ajuda de imagens de satélite, registros de envios de mercadoria, arquivos públicos e visitas às regiões produtoras. Segundo o relatório, a matéria-prima foi destinada especialmente a oito empresas asiáticas que, entre 2014 e 2023, fabricaram cerca de 250 milhões de itens para as lojas. Muitos deles, alega a investigação, abasteceram marcas como H&M e Zara, entre outras.

É chocante ver estas ligações entre marcas globais muito reconhecidas, mas que, ao que tudo indica, não se esforçam o suficiente para ter controle sobre estas cadeias de fornecimento, para saber de onde vem o algodão e quais tipos de impacto ele provoca.

Rubens Carvalho, chefe de Pesquisa sobre Desmatamento da Earthsight

A investigação aponta que o algodão exportado sai principalmente do oeste da Bahia, muitas vezes de áreas desmatadas ilegalmente no Cerrado brasileiro. Segundo o estudo, nos últimos 12 anos, estima-se que uma área de vegetação correspondente a 40 mil campos de futebol tenha sido destruída apenas dentro das fazendas do grupo SLC Agrícola.

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Em 2020, a empresa, que também planta soja, foi apontada como a maior desmatadora do bioma. Em 2021, o SLC se comprometeu a adotar uma política de desmatamento zero. Um ano após a promessa, um relatório da Aidenvironment identificou o corte de 1.365 hectares de Cerrado dentro das propriedades que cultivam algodão, o equivalente a 1.300 campos de futebol. Quase metade estava dentro da reserva legal.

Uma consulta feita pela Earthsight no banco de dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostra mais de R$ 1,2 milhão de multas aplicadas por infrações ambientais desde 2008 nas fazendas do grupo no oeste da Bahia.

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Questionado pela reportagem do DW a empresa disse que “todas as conversões de área com vegetação nativa da SLC seguiram os limites estabelecidos por lei”. Especificamente sobre a área desmatada em 2022 apontada no relatório da Aidenvironment, a empresa diz que a destruição se deu por “um incêndio natural, não ocasionado para a abertura de novas áreas para produção”.

Outro grupo investigado é o Horita, atuante na Bahia desde a década de 1980. Dentre as várias denúncias está a chamada grilagem verde: imposição de reservas legais, ou áreas de preservação de propriedade privada, em zonas onde vivem comunidades tradicionais. A manobra impede que famílias realizem atividades de subsistência e, nos piores casos, permaneçam nas terras.

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A empresa declarou que “aguardará a divulgação do relatório para qualquer nova manifestação, para além das que já foram proferidas pelo seu departamento jurídico, em resposta às acusações da ONG”. No passado, o grupo disse que todas as afirmações “não correspondem à verdade”.

Segundo investigação, 816 mil toneladas de algodão de áreas desmatadas foram exportadas (Imagem: muratart/Shutterstock)

Relação com Zara e H&M

  • O relatório da Earthsight afirma que o algodão vendido pela SLC Agrícola e pelo Grupo Horita entre 2014 e 2023 foi enviado, principalmente, para China, Vietnã, Indonésia, Turquia, Bangladesh e Paquistão.
  • Com base em dados que permitem rastreio, o documento chegou a oito fabricantes de roupas na Ásia.
  • Todas as intermediárias identificadas (PT Kahatex, na Indonésia; Noam Group e Jamuna Group, em Bagladesh; Nisha, Interloop, YBG, Sapphire, Mtmt, no Paquistão) fornecem produtos acabados a marcas como Zara e H&M, segundo aponta a ONG.
  • A H&M afirmou que “as conclusões do relatório são altamente preocupantes” e que encaram a questão com muita seriedade.
  • A empresa prometeu investigar a situação.
  • Já a Zara exigiu mais transparência das fornecedoras.