Os dubladores Paul Skye Lehrman e Linnea Sage estão processando a Lovo, empresa que teria recriado as vozes de ambos de forma ilegal usando inteligência artificial (IA).

A dupla descobriu o ocorrido em 2022, quando Lehrman encontrou um vídeo no YouTube que tratava da invasão à Ucrânia com narração realizada por voz similar à dele.

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“É minha voz falando sobre armamento no conflito russo-ucraniano”, disse o profissional. “Fico branco como um fantasma – e arrepios nos braços. Eu sabia que nunca tinha dito essas palavras nessa ordem.”

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Eles se chocaram ainda mais enquanto escutavam o podcast “Deadline Strike Talk”, tempos depois, no qual o apresentador entrevistou um chatbot de nome Poe, cuja voz parecia muito com a de Lehrman.

“Ele estava entrevistando minha voz sobre os perigos da IA ​​e os danos que ela poderia causar à indústria do entretenimento. Paramos o carro e ficamos ali sentados, incrédulos, tentando descobrir o que aconteceu e o que deveríamos fazer.”, disse Lehrman ao The New York Times.

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O problema é que a situação não para por aí. O casal descobriu também que a startup, localizada em Berkeley, Califórnia (EUA), também criou um clone de voz com IA de Sage.

E o número de artistas, editores, programadores e demais criadores que processam fabricantes de tecnologias de IA vem aumentando. Eles argumentam que as empresas usaram seus trabalhos sem permissão para criar ferramentas que podem, inclusive, substituí-los no mercado de trabalho.

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Imagem: sdx15/Shutterstock

Processo do casal de dubladores contra empresa de IA

  • O processo foi aberto nesta quinta-feira (16) no tribunal federal de Manhattan (EUA);
  • Nele, o casal afirma que funcionários anônimos da Lovo pagaram para que eles realizassem algumas gravações de voz entre 2019 e 2020, mas não revelaram a razão;
  • Afirmam ainda que a empresa fundada em 2019 violou a lei federal de marcas registradas e diversas leis estaduais de privacidade ao promover os clones de IA de suas vozes;
  • Eles buscam alterar o caráter do processo para ação coletiva, com Lehrman e Sage convidando outros dubladores a se juntarem na ação;
  • O advogado do casal, Steve Cohen, informou que “não sabemos quantas outras pessoas foram afetadas”;
  • Já o advogado da Lovo, David Case, informou que a empresa nega as acusações, indicando ainda que, se todos os envolvidos que forneceram gravações de voz à startup deram seu consentimento, “então, não haveria problema”.

Em episódio de podcast realizado em 2023, Tom Lee, presidente-executivo da Lovo, afirmou que a empresa passou a oferecer programa de divisão de receitas que permite aos dubladores a ajudarem a empresa a criar clones de voz de IA de suas próprias vozes e receber parte do lucro gerado com esses clones.

Segundo Jeffrey Bennett, conselheiro-geral do SAG-AFTRA, sindicado de 160 mil profissionais da comunicação social no mundo todo, esse processo parece ser o primeiro do gênero.

“Este processo mostrará às pessoas – especialmente às empresas de tecnologia – que existem direitos na sua voz, que existe um grupo inteiro de pessoas que ganha a vida usando a voz”, disse.

Como foi a abordagem da Lovo ao casal de dubladores

Em 2019, Lehrman e Sage promoviam seu trabalho em site de profissionais freelancers, o Fiverr, onde conseguiram vários trabalhos de voz para comerciais, anúncios de rádio, vídeos, games e outros.

Foi no mesmo ano que Sage foi contatada por um anônimo, que pagou a ela US$ 400 (R$ 2.052, na conversão direta) para realizar a gravação de diversos roteiros de rádio. O anônimo explicou que as gravações não seriam utilizadas para fins públicos, segundo a ação.

“Estes são roteiros de teste para anúncios de rádio”, disse a pessoa anônima, segundo o processo movido pelo casal. “Eles não serão divulgados externamente e serão consumidos apenas internamente, portanto, não exigirão direitos de qualquer espécie.”

Sete meses depois, Lehrman foi contatado por outra pessoa anônima para realizar um trabalho similar. O também ator de TV e cinema questionou o contato não-identificado sobre como os clipes de voz seriam usados.

Por mais de uma vez, a pessoa teria dito que eles seriam utilizados apenas para fins acadêmicos e de pesquisa, segundo dados da ação. Como suas gravações foram maiores que as de Sage, Lehrman recebeu US$ 1,2 mil (R$ 6.156).

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Imagem: MMD Creative/ Shutterstock

Identificando os autores

Quando se depararam com o vídeo no YouTube, o casal buscou um advogado para descobrir quem tinha feito o vídeo e como a voz de Lehrman foi recriada, mas o dono do canal no YouTube parecia ser da Indonésia, impossibilitando encontrar a pessoa.

Já ao ouvirem o podcast, foi possível identificar a origem da voz de Lehrman clonada via IA: o chatbot foi montado por um professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts a partir de tecnologia de síntese de voz da Lovo.

Sage também encontrou um vídeo na internet no qual a Lovo apresenta sua tecnologia de voz a investidores em evento em Berkeley no início de 2020. Nele, uma voz gerada por IA idêntica à da moça foi apresentada, ao lado de foto de outra mulher.

“Eu estava no vídeo de apresentação deles para arrecadar dinheiro”, afirmou a profissional. Desde então, a startup arrecadou US$ 7 milhões (R$ 35,9 milhões) e tem carteira com mais de dois milhões de clientes em todo o planeta.

Lehrman e Sage também encontraram suas vozes clonadas em propaganda da tecnologia no site da empresa. Após o casal enviar à Lovo carta de cessação e desistência, a companhia informou ter removido as vozes clonadas de seu site.

Só que, para a dupla de dubladores, o software que acionava os clones de voz já fora baixado por inúmeros clientes da empresa, permitindo que suas vozes continuem a ser utilizadas.

Lehrman ainda questionou se a startup usou as vozes do casal com várias outras para construir a tecnologia central impulsionadora de seu sistema de clonagem de voz, já que os sintetizadores de voz costumam desenvolver habilidades a partir da análise de milhares de horas de palavras faladas.

No processo, consta que a Lovo reconheceu ter treinado seu produto com milhares de horas de gravações de milhares de vozes humanas. Case, advogado da Lovo, afirmou que isso foi realizado a partir de banco de dados de gravações em inglês gratuito, chamado Openslr.org.

Quando questionado se as vozes de Lehrman e Sage foram utilizadas para o mesmo fim, Case não respondeu.

“Esperamos recuperar o controle sobre nossas vozes, sobre quem somos, sobre nossas carreiras”, disse Lehrman. “Queremos representar outras pessoas a quem isso aconteceu e aquelas a quem isso acontecerá se nada mudar.”