“Os países do Norte já estão muito na frente. Temos que andar juntos para poder alcançá-los”. Essa é a opinião de Rubén Delgado, presidente da Softex, sobre a posição atual da América Latina no mercado mundial de tecnologia. A Softex é uma agência vinculada ao estado brasileiro que tem o objetivo de ajudar empresas de tecnologia do país a vender seus produtos no exterior.

A fala de Delgado aconteceu durante o evento Brasil Tecnológico, em Lima, capital do Peru, que aconteceu nessa semana, entre os dias 11 e 13 de julho. O evento foi composto por uma série de palestras e rodadas de negócios entre empresários brasileiros e empreendedores peruanos que tinham como objetivo mostrar aos peruanos as soluções de tecnologia que o Brasil pode oferecer. E são muitas: segundo Delgado, o Brasil já é o líder incontestável desse mercado, e deve se manter assim por mais tempo.

Conhecendo os vizinhos

O Brasil Tecnológico foi promovido pela Apex Brasil (Agência brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos). A Apex dialoga com as associações setoriais da indústria brasileira, como a já mencionada Softex, a ABIMO (Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos Médicos e Odontológicos) e a ABIMAQ (Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos) para ajudar as empresas brasileiras a chegar a novos mercados.

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Segundo Rafael do Prado Ribeiro, Coordenação de Promoção de Negócios da Apex, o objetivo do evento não é apenas fechar negócios (embora a Apex espere gerar mais de R$ 60 milhões com o evento), mas também fortalecer a imagem do Brasil como um líder regional em tecnologia. Há muitos dados para justificar essa imagem: “A América do Sul é a região que mais importa produtos de alto valor agregado do mercado brasileiro. 70% do que a gente vendeu aqui foram produtos desse tipo”, diz.

Rafael também traz um dado interessante sobre as exportações brasileiras: embora elas tenham caído ligeiramente no último ano, o valor agregado dos produtos exportados aumentou. Isso pode parecer apenas um “prêmio de consolação”, mas é muito mais que isso: é um sinal que a economia do país está se desenvolvendo a ponto de deixar de depender de commodities (produtos primários cujo preço varia muito, como itens agrícolas e minérios).

Superando essa dependência, o Brasil pode passar a focar também na exportação de produtos mais sofisticados, que trazem mais dinheiro e desenvolvimento ao país. “Você tem uma queda maior nas commodities porque o mundo desacelerou, mas o valor agregado continua crescendo nas exportações”, afirma Rafael.

Ja há uma série de empresas de tecnologia brasileiras com presença forte na América Latina. Uma delas é a Totvs, que oferece softwares de gestão empresarial. A Totvs já possui 25 escritórios fora do Brasil, além de um laboratório de pesquisa em San Francisco, nos EUA. Segundo o diretor comercial da região andina, Douglas Medeiros, os mercados externos respondem por cerca de 30% da receita da empresa.

Essa não é a única vantagem que eles trazem. Segundo Medeiros, estar presente em outros países também é estimulante para a Totvs por outros motivos: “O mercado internacional é algo que traz um desafio constante para nós de nos adaptarmos a novas culturas. Ele nos tira da zona de conforto e impede a estagnação da empresa, o que é bastante interessante”, diz.

Saindo do berço

Chegar além das fronteiras brasileiras, contudo, foi um longo processo. A Totvs deu início a ele entrando na Argentina em 1997. Naquele momento, o país estava no meio de uma aguda crise econômica, mas mesmo assim a empresa se aventurou por lá. Os resultados foram positivos e, em 2003, a empresa se estabeleceu também no México. Mais recente, o escritório de Bogotá, onde Medeiros trabalha, atende aos paises que ficam próximos da Cordilheira dos Andes, ajudando a empresa a adequar suas ofertas às demandas regionais desses países.

O caso da Totvs evidencia que esse processo exige anos de esforço e planejamento, e muitas empresas já estão começando esse caminho. Uma delas é a Cliever, fundada e dirigida por Rodrigo Krug, que se especializa na produção e venda de impressoras 3D de alta precisão para empresas.

As empresas usam as impressoras da Cliever na fase de prototipagem: antes de decidir sobre o design final de um produto, podem imprimir diversos testes para decidir com mais assertividade sobre a melhor maneira de fabricar em massa. Essa técnica é usada em empresas de todos os portes – bem como as impressoras da Cliever. Embraer, Intelbras e GM são alguns dos clientes da empresa.

O fundador da empresa conta que já tomou muitos “tapas na cara” na tentativa de levar seus produtos para além do Brasil. Um deles veio quando Krug participou de uma missão de negócios no Reino Unido: “Na época, meu produto não era competitivo. O produto chinês chegava lá a uma fração do meu preço, então foi um choque”, conta.

Hoje, contudo, mesmo empresas da China chegam a preferir suas impressoras às concorrentes chinesas por um motivo muito simples: qualidade. Ainda que as chinesas tenham preços mais competitivos, Krug opina que o nível de precisão de seus produtos, aliados à sua confiabilidade, faz com que seus clientes vejam a diferença de preço como o reflexo natural de um maior valor agregado no produto – e um investimento plenamente justificável.

O último produto lançado pela Cliever é uma impressora que utiliza a tecnologia de estereolitografia para imprimir peças com precisão de até 30 mícrons – menos que um fio de cabelo. Isso abre outros mercados para a empresa, como o de joias, medicina e odontologia. Alguns dos produtos impressos com essa tecnologia podem ser vistos na imagem abaixo:

Reprodução

A Audax também vem seguindo esse mesmo caminho de internacionalização. A empresa fabrica módulos de LED para montadores de luminárias: os LEDs oferecem uma série de vantagens sobre as tradicionais lâmpadas, como uma maior eficiência energética. Com três anos e meio de mercado, a Audax iniciou suas exportações em maio durante missões empresariais no Paraguai e na Bolívia, e mira agora no mercado peruano, que é mais desenvolvido que esses.

“O mercado precisa ter uma maturidade já estabelecida para oferecer esse tipo de produto que nós oferecemos”, explica Victor Malassise, diretor administrativo da empresa. Por esse motivo, o mercado peruano seria ainda mais adequado para os negócios da Audax. A empresa chegou a contratar uma representante peruana para ajudar a desenvolver esse mercado, assim como o resto da América Latina

Logo aqui do lado

De acordo com Juarez Leal, coordenador de internacionalização da Apex, há diversos motivos para que empresas brasileiras prefiram a América Latina na hora de investir em novos mercados. Um deles é a proximidade, tanto física quanto cultural. O fato de que os países da América Latina guardam muitas semelhanças sociais e culturais faz com que seja mais fácil para as empresas brasileiras adequarem seus produtos a esse mercado.

Trata-se de uma situação que dá ao Brasil uma importante vantagem sobre os Estados Unidos e a Europa nesse mercado Outra vantagem é a proximidade geográfica, que deixa os clientes mais tranquilos. Conforme aponta Juarez, é mais fácil resolver um problema se o seu fornecedor está a apenas quatro horas de vôo de distância do que se ele estiver do outro lado do mundo. E muitas vezes as empresas compradoras de tecnologia estão dispostas a pagar mais caro para ter esse recurso.

Mesmo empresas que queiram eventualmente chegar aos EUA ou à Europa se beneficiariam, segundo Juarez, de começar pela América Latina. Uma analogia com a qual Juarez concorda é com o mundo do futebol: os times primeiro precisam vencer o campeonato brasileiro, depois a Libertadores e, só então, o mundial. “Se você não faz isso, é como se você estivesse do campeonato brasileiro para brigar na Champion’s League”, diz.

Assim como a Totvs, a CCK também fez esse caminho. A CCK produz e vende sistemas de gerenciamento de energia para grandes empresas e indústrias, como a Vale, a Volkswagen, a GM e a Ambev. Seus sistemas podem gerar a seus clientes economias mensais de dezenas de milhares de dólares na conta de luz.

Cesar Lapa, diretor comercial da CCK, também aponta outra dificuldade de se entrar nos chamados “mercados do norte” (Estados Unidos e Europa): barreiras de mercado, tanto tarifárias quanto de outros tipos: “para vender um produto como o nosso na Europa, ele precisa ter aquele selo ‘CE’. E aquele selo é uma barreira de mercado: é difícil de conseguir e o custo é alto”.

O mercado em que a CCK atua, segundo Lapa, ainda é muito dominado por empresas europeias, mesmo na América Latina. Alguns de seus concorrentes na região já têm mais de cinquenta anos de mercado, o que lhes dá uma vantagem. Mas isso não chega a ser motivo para desânimo: “Na América do Sul, nós somos os únicos a oferecer. Em geral, os países da América do Sul não têm empresas fabricando com tecnologia própria, e no Brasil a gente tem”.

Mercado em desenvolvimento

Não foi á toa que o evento para promover exportações brasileiras de tecnologia ocorreu no Peru: o país é um dos que mais se desenvolve na América Latina. Em 2016, por exemplo, quando a projeção para o PIB da região é uma queda de 0,5%, a economia do Peru tem uma projeção de crescimento de 3,7%.

E de acordo com Jorge Valverde Camán, especialista em investimentos da agência ProInversión de promoção a investimentos, esses não são os únicos dados para atrair investidores ao país. O Peru tem crescido constantemente na última década, mais que 5% na maioria dos últimos anos e, em um deles, mais que 9%.

O país ainda tem uma das menores dívidas públicas da região (em porcentagem do PIB), e uma continuidade de políticas públicas de fomento a investimentos estrangeiros desde a década de 90. Em dez anos, o número de turistas que o Peru recebe dobrou, e a produção de energia no país cresceu mais de 80%. Esses dados, entre outros fatores, fazem com que o país tenha uma classificação ainda melhor que o Brasil com relação a segurança de investimentos estrangeiros.

Camán ainda ressalta que o Brasil pode ser um parceiro importante no desenvolvimento de setores que o Peru considera essenciais, como energia, alimentos, mineração e hidrocarbonetos (petróleo e gás natural). Há também, para as empresas brasileiras, a vantagem de que 55% dos produtos que entram no país não sejam tarifados, o que lhes dá um preço mais competitivo.

Desafios

Mesmo com essas vantagens, o Brasil ainda encontra algumas dificuldades em explorar todo o potencial mercadológico que a região oferece. Segundo Delgado, o presidente da Softex, o país ainda não valoriza suficientemente (seja em termos de investimentos, seja em termos culturais) as pessoas que querem jogar suas ideias no mercado. “Nós temos técnicos, nós temos ideias, nós sabemos fazer negócios; o que nos falta é empreendedorismo”, diz.

Na opinião de Juarez Leal, da Apex, é necessária uma política de estado que invista nessa valorização. Parte dessa política seria uma atenção especial a educação, com foco especial em tecnologia. “Para eu ter 200 mil programadores, eu preciso formar 200 mil engenheiros de TI. Isso não se faz em um ano, se faz em 4, 5 ou 6: um governo só não consegue, tem que ser uma política do Estado”.

Exemplos de países que fizeram essa aposta, segundo Leal, são Finlândia, Islândia e Coreia do Sul. “A Coreia fez uma política de 20 anos para levar pessoas para fazer mestrado e doutorado, e essas pessoas voltaram, e a educação delas se refletiu no sucesso de empresas como a Samsung e a LG”, defende.

Douglas Medeiros, da Totvus, também vê com clareza um problema de falta de mão-de-obra na área. A escassez de engenheiros e técnicos especializados nessa área “está virando um fator limitador” para o crescimento do setor de tecnologia no Brasil. “Algumas pessoas saltam de uma empresa pra outra mas são sempre as mesmas. Quando a gente olha para a base da pirâmide de pessoas sendo formadas em TI, Sistemas e Processos, falta bastante para a gente ainda”, diz.

Virando o jogo

Medeiros, contudo, ainda acredita que a formação de pessoas com essa capacitação deve se acelerar no futuro próximo. “A partir do momento que a gente se entender como um país exportador de software, é muito provável que toda essa cadeia de desenvolvimento aconteça de forma mais natural”, opina.

Rafael Ribeiro, da Apex, também vê com bons olhos o momento atual do setor de tecnologia no Brasil. “É um momento de crescimento, cada vez mais as empresas investem em inovação buscando mais competitividade, e tudo isso junto dá pro Brasil uma condição de trilhar um caminho ao sol em fornecer tecnologia para a América Latina”.

O coordenador de promoção de negócios da Apex ainda lembra que o Brasil já é líder mundial de tecnologia em alguns setores. Alguns deles são o agronegócio (graças em parte ao investimento em etanol), linhas financeiras (“hoje os bancos do Brasil têm os sistemas mais avançados do mundo”, diz) e aeronáutica (dando como exemplo a Embraer).

“Não lhe é dado ao Brasil o direito de deixar de ser lider na América Latina”, opina Rubén Delgado, da Softex. Delgado defende a tecnologia como ferramenta de mudança dos países, e acredita que o país pode servir de locomotiva para alavancar o desenvolvimento tecnológico da região. “O Brasil tem que de uma vez por todas perceber que é o líder da região.  O país já é líder em tratores, já é líder em aviões, mas tem que ser líder em tudo”, defende.