Pela segunda vez, as fabricantes chinesas Xiaomi e Huawei tentam penetrar a bolha do mercado de smartphones brasileiro. Cada uma com uma estratégia distinta, mas, em comum, temos a mesma limitação: conseguir chegar o mais próximo possível dos preços praticados em outros países.

Competindo em casa, as duas empresas conseguiram abrir uma boa vantagem nas vendas de smartphones em relação às gigantes Samsung e Apple, e hoje estão entre as quatro maiores fabricantes de smartphones do mundo, com destaque para a Huawei, que está em segundo. Mas o que faz um celular como o Xiaomi Redmi Note 7, que é vendido a partir de R$ 700,00 na China, poder chegar às lojas brasileiras por até 2 mil reais?

Na semana passada, a Huawei começou a venda oficial do P30 Pro e P30 Lite no varejo nacional e, em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, ela começou, digamos, metendo os “dois pés na porta”. Oferecendo um bônus de 2 mil reais, somado ao valor de troca do smartphone dos primeiros 2.300 novos clientes, a empresa basicamente remove a margem de lucro em cima do celular e, provavelmente, sairá no prejuízo a curto prazo. Tudo isso, no entanto, faz parte da estratégia de marketing da Huawei para acelerar a penetração da marca no país, acumulando o maior número de usuários (e fãs) possível.

Já a Xiaomi realizou um evento de lançamento ontem (21/05) e aposta na parceria com uma empresa local nesta segunda investida no país. Ao contrário da Huawei, a fabricante do Mi 9 entrou um pouco tímida, com os modelos Pocophone F1 e Redmi Note 6 Pro. Contudo, a equipe da Xiaomi no Brasil, através do Head do Projeto Xiaomi no país, Luciano Barbosa, anunciou ontem cinco novos smartphones, entre eles o Mi 9, o Mi 8, o Redmi 7, o Redmi Note 7 e o Redmi Go. Além disso, tivemos o lançamento de outros produtos do ecossistema Xiaomi, que vai desde pulseiras inteligentes a patinetes elétricos e aspiradores de pó inteligentes. Mais do que isso, tivemos o anúncio da primeira Mi Store no país.

publicidade

Para o professor e pesquisador de comunicação digital da PUCRS, Eduardo Pellanda, ao contrário das tentativas anteriores de entrada no mercado brasileiro, tanto a Huawei quanto a Xiaomi chegam muito mais preparadas desta vez: “Esta é uma ação global destes dois gigantes chineses. Estamos vendo uma virada de chave onde o país deixa de ser somente fabricante de aparelhos para ser protagonista. Agora eles conseguem encarar Apple e Samsung na parte intelectual do projeto, algo que eles ainda tinham dificuldades. Eles fazem isso com parcerias estratégicas, a Huawei, por exemplo, se juntou com a alemã Leica para produzir as melhores câmeras de smartphones.”

Mas por que essas duas empresas não conseguem competir com as concorrentes no Brasil como fazem na China e demais regiões em que atuam hoje, como a Europa, nas quais oferecem preços muito mais competitivos?

O mercado brasileiro é bastante peculiar. Além da cobrança de 15% de ICMS em cima de produtos eletrônicos, podendo variar conforme o estado, ainda temos tributos variados no âmbito federal. Entre estes, está o imposto de importação que, inevitavelmente, afeta tanto as empresas que importam aparelhos quanto as que possuem fabricação local, visto que estas compram peças e componentes de fora do país para montar os dispositivos aqui.

Outro agravante, segundo Renato Murari de Meireles, analista de mercado da IDC Brasil, é a flutuação do dólar: “a alta variação cambial também impacta diretamente no preço, pois quanto mais caro é o produto, e nós temos a grande maioria dos fabricantes trazendo seus componentes de fora e finalizando a produção aqui no Brasil, mais caro o preço dos componentes. Em contrapartida, também temos o encarecimento do ticket médio do produto.”

Durante o evento de lançamento da Mi Store, Luciano Barbosa, que assume o projeto da Xiaomi por aqui, afirmou que a fabricante chinesa vai investir na importação dos produtos para agilizar a entrega dos dispositivos recém anunciados, por exemplo, e isso encarece o preço final dos aparelhos. “Grande parte do produto é composto pelo imposto, se você somar os percentuais de IPI, PIS, Cofins, ICMS, ICMS ST, em uma análise bem bruta, visto que tributariamente cada um tem uma base de cálculo, estes tributos correspondem a 49,42% do produto. É realmente uma carga tributária muito alta. Vou dar um exemplo, em um aparelho que custa R$ 2.000, praticamente R$1.000 é imposto. E isso não existe apenas para a Xiaomi, existe para todos os produtos”, disse o executivo.

Somada ao sistema fiscal e à variação cambial, temos ainda uma terceira questão no Brasil, que também vem se refletindo em outras economias, como a indiana, por exemplo. O mercado de smartphones está amadurecido. Isso significa que a maioria das pessoas não está comprando o primeiro celular inteligente, mas substituindo seus dispositivos pela segunda, terceira ou quarta vez. Desta forma, quem antes tinha um aparelho de 16 ou 32GB de memória ROM, por exemplo, agora quer 64GB. Essa mesma pessoa procura uma câmera melhor, um processador melhor e, havendo oferta que corresponda às necessidades deste usuário mais exigente, sem dúvida existirá a compra.

A prova disso é que, segundo um estudo recente da consultoria Oliver Wyman, realizado no país, 63% dos indivíduos com menos 35 anos declararam estar dispostos a sacrificar um ou mais hábitos de consumo para garantir gastos com smartphones.

Um atual estudo da IDC com o consumidor final, o qual perguntava quanto estes estavam dispostos a pagar no próximo smartphone, mostrou que a régua está aumentando. Para se ter uma ideia, quando se questionou quanto os consumidores pagaram para ter o smartphone atual, 16% disseram ter pago 699 reais ou abaixo disso em 2018: já no ano de 2019, essa fatia de preço já diminui para 7%. As fatias na faixa de 700 a 1.099 reais, de 1.100 a 1.999 reais e até a faixa Premium ganham uma proporção ainda maior. De 700 a 1.099 tendo 31% de respondentes e a faixa de 1.100 a 1.999 tendo 40% de respondentes. Na visão de Meireles, se olharmos para a ótica do consumidor final, ele está disposto a pagar mais pelo novo aparelho. Isso, no entanto, não significa pagar por um smartphone super premium ou high premium, ele vai migrar do dispositivo low-end para um produto intermediário.

Logo, muitos são os fatores que mostram por que um smartphone de 700 reais na China pode chegar ao Brasil por até 2 mil reais, pois o mercado irá absorvê-los. Agora, essa pode não ser a melhor estratégia para a segunda maior fabricante de smartphones chinesa.

Como bem lembrado pelo professor da PUCRS, a situação da Xiaomi é mais delicada do que a da Huawei no mercado brasileiro: “a Xiaomi entrou e saiu do Brasil, o que dificulta a confiabilidade sobre o futuro”, afirma Pellanda. Logo, caso os rumores sobre a chegada do Redmi Note 7 a até R$ 2.099 se confirmem na próxima semana, o aparelho pode não ter o mesmo sex appeal da variante vendida na China, pois, por aqui, temos o recém lançado Motorola One Vision, com especificações muito similares e sendo vendido pelo mesmo preço, com a clara vantagem de estar disponível em todo o varejo nacional e ser fabricado pela segunda maior fabricante do país, que possui uma lembrança de marca muito mais sólida na mente dos brasileiros.

Levando em consideração que a lembrança de marca é o quarto fator de escolha de um smartphone para os consumidores brasileiros hoje, talvez não seja uma boa estratégia para a Xiaomi colocar aparelhos intermediários com alto custo para competir com empresas já estabelecidas, como Samsung e Motorola, sem antes se fazer conhecer como a grande fabricante que é. Por outro lado, chegando ao mercado com um produto com o mesmo valor de mercado das maiores concorrentes na área de intermediários, reforça a ideia de qualidade dos produtos da empresa.

No evento de ontem, o executivo da Xiaomi falou que o Redmi Note 7 chegaria ao mercado a partir de R$ 1.699. Contudo, nas parceiras da DL, responsável pela comercialização dos novos modelos, o smartphone está sendo vendido por R$ 2.099, na variante de 64GB de ROM e 4GB de RAM.

O que você achou dos preços praticados pela Xiaomi nesta segunda tentativa de entrada no mercado? Você enxerga outras opções para a empresa?

 

Agradecimento: Jorge Schneider