Sem muito alarde estreou na Netflix um filme obrigatório para quem gosta de MPB. Trata-se de O Barato de Iacanga, longa realizado por Thiago Mattar sobre o Festival de Águas Claras, evento com quatro edições na pequena Iacanga, interior de São Paulo.

Já no começo, com as imagens de um filme histórico sobre Iacanga sendo intercaladas por imagens dos hippies chegando ao local do show ou andando pelos arredores, percebemos estar diante de um filme que pretende algo mais do que mostrar um festival de música.  

Um problema evidente do filme é a falta de imagens com áudio da primeira edição, a edição histórica, que abriu portas durante a ditadura militar brasileira. Passamos para a segunda, a terceira e até mesmo a quarta, mas ficamos sem ver grandes imagens em movimento dos shows da edição inaugural, de 1975. 

Por estar mais associada a uma tentativa de se estabelecer uma cena de rock progressivo no Brasil, com suas ramificações, essa primeira edição foi marcante mais pelo ineditismo e pela ideia de um Woodstock brasileiro (e paulista) do que pela abrangência de estilos musicais. 

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As mais documentadas são a segunda (de 1981) e a terceira, de 1983. Elas são as responsáveis pelo festival ter saído de um certo underground (de boas bandas de rock progressivo) para uma ideia mais ampla de MPB, com participações de Alceu Valença, Luiz Gonzaga e João Gilberto, entre muitos outros. Tornou-se um festival mais plural, e isso o filme mostra bem. 

Como mostra, também, a maneira como o evento envolveu toda a comunidade de Iacanga. O alívio cômico, motivador também de alguma reflexão sobre o efeito de uma aglomeração de pessoas numa comunidade (de modo geral), vem principalmente das duas testemunhas das edições, que tinham (ou ainda tem, não fica claro) um bar na cidade. É um alívio bem-vindo, assim como as breves entrevistas com comerciantes locais. É esse algo mais mencionado no segundo parágrafo que enriquece o filme.

Mas daí surge também um problema, que o afeta somente em alguns momentos: a síndrome de Huguinho, Zezinho e Luizinho, que consiste em fazer com que a fala de um entrevistado continue imediatamente a fala de outro. Por sorte, essa mania do documentário televisivo acontece em poucos momentos do filme de Mattar. No geral, o filme é delicioso de se ver, principalmente para quem gosta de música brasileira, e dá o devido tempo aos entrevistados, sem a necessidade de provocar um questionável dinamismo pelas alternâncias frenéticas das falas.

Na verdade, O Barato de Iacanga deveria virar uma minissérie. Material há, e mesmo se o material existente da primeira edição estiver com péssima qualidade, o valor histórico compensará. E o amante de boa música agradecerá.