Há exatos 10 anos, Steve Jobs subia em um palco no Yerba Buena Center for the Arts, um espaço de eventos na cidade de San Francisco, na Califórnia para apresentar o próximo passo em uma saga de sucesso que começou com o iPod, passou pelo iPhone para finalmente chegar ao iPad, no dia 27 de janeiro daquele ano de 2010.

Tablets não eram exatamente uma novidade. A ideia já existia havia bastante tempo, e alguns produtos do tipo já existiam no mercado desde os anos 1990. Na virada do milênio, a Microsoft chegou a cunhar o termo “Tablet PC” para designar computadores no formato portátil, normalmente pensados para ser usados com uma caneta stylus.

Mesmo existindo havia mais de uma década, o formato nunca foi um sucesso comercial. Empresas sempre falharam em criar um produto atraente para o consumidor final e que justificasse seu preço. Só a Apple conseguiu entender o que o público queria para um formato tablet, contando um pouco também com a famosa “magia de distorção da realidade” que só Steve Jobs era capaz de utilizar.

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A companhia entendeu a situação no mercado de computação pessoal naquele momento. Em 2010, os celulares tinham telinhas pequenas, que tornavam a leitura desconfortável e qualquer aplicação multimídia era severamente limitada. Quer ver fotos? É ruim numa tela tão pequena. Vídeo? Pior ainda. Do outro lado, os PCs. Notebooks ultrafinos não eram exatamente comuns, tornando o seu transporte uma tarefa penosa, enquanto os desktops, obviamente, sequer foram pensados para serem transportados.

Dentro desse meio de campo surge o iPad, pensado para ter o tamanho e peso não muito diferentes de um livro, para facilitar o transporte, conectado à internet, com uma tela com uma boa resolução. O tablet era o formato ideal para o momento, que via uma transição da tecnologia para a era da mobilidade e os hábitos de consumo de mídia mudando para uma realidade em que a internet passava a ser parte da vida das pessoas também fora de casa.

A Apple já havia visto o sucesso do Kindle, o leitor digital da Amazon, que teve sua primeira versão lançada em 2007. A companhia percebeu o potencial de um dispositivo para leitura que também pudesse fazer mais coisas. Isso se traduziu nas primeiras gerações do iPad, que tiveram um foco grande no consumo de mídia, e nas ideias de transformar o tablet em uma revista digital.

Como o iPad mudou o mercado

O “iPhone gigante”, como muitos analistas da época apelidavam o iPad, veio mostrar que havia demanda por um dispositivo de tela grande e portátil, e logo começaram a aparecer os aparelhos inspirados no iPad. Tablets com Android e Windows começaram a povoar o mercado, mas nunca conseguiram se estabelecer como competidores à altura.

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Mesmo que nenhum modelo de tablet tenha conquistado a popularidade do iPad, os tablets como um todo começaram a fazer parte da vida do usuário de tecnologia, mesmo entre aqueles com menor poder aquisitivo. Aparelhos baratos de marcas alternativas passaram a ser comuns dentro das casas.

Ao mesmo tempo, o impacto do iPad foi rapidamente sentido no mercado de PCs. A Microsoft percebeu que o tablet satisfazia completamente as necessidades computacionais de uma parte de seu público. Foi quando a companhia decidiu adaptar o Windows para o toque, dando origem ao malfadado Windows 8. Ao mesmo tempo, os notebooks começaram a ganhar formatos cada vez mais diversificados: telas sensíveis ao toque começaram a ser comuns, assim como os displays destacáveis, aparelhos 2-em-1. O próprio Surface da Microsoft apostava em um formato pouco convencional, criando ao longo dos anos uma legião de “clones do Surface”.

Um impacto sentido após alguns anos foi o do aumento dos tamanhos das telas dos smartphones. As fabricantes de celulares passaram a perceber que existia uma demanda por displays maiores, mesmo que isso sacrificasse um pouco a portabilidade, fazendo com que os smartphones ficassem mais difíceis de se colocar no bolso ou de usar o aparelho com apenas uma mão.

Por alguns anos, a própria Apple tentou lutar contra essa tendência. Enquanto todo o mercado apostava em celulares com telona, a empresa relutava em lançar um iPhone com painel de mais de 4 polegadas, o que chegou a ferir as vendas da companhia, até a geração iPhone 6, na qual Tim Cook e sua equipe decidiram abandonar essa proposta defendida por Steve Jobs e lançar um iPhone de 5,5 polegadas.

Como o mercado mudou o iPad

A ascensão dos celulares de tela grande significou uma mudança de rumos para o iPad. Aos poucos, sua missão inicial, de facilitar a leitura e o consumo de vídeo e outras atividades multimídia, não fazia mais muito sentido. Telas de 6 polegadas e às vezes até mais passaram a ser comuns, criando uma situação de redundância. Para que ter um tablet, afinal de contas? Só para ter que carregar dois dispositivos?

O resultado foi sentido rapidamente pela Apple, que passou a amargar vários anos seguidos de quedas nas vendas do iPad. Foi então que o mercado de tablets, não apenas a Apple, começou a se mexer para evitar o prejuízo.

As empresas começaram a olhar para o Surface, da Microsoft, como uma referência. Sim, usuários não precisam mais do iPad para tarefas mais leves; os celulares já dão conta disso. O próximo passo é tentar transformar o tablet em uma ferramenta de trabalho, capaz de atender demandas mais pesadas.

Foi quando a Apple decidiu lançar o iPad Pro. A proposta é simples: passar a entregar um desempenho mais adequado para uso profissional (daí o nome “Pro”) dentro do corpo de um tablet. Na prática, a empresa decidiu seguir o caminho do Surface: desempenho de notebook em um corpo de tablet, com uma interface amigável ao toque, mas com um teclado destacável para quem precisa digitar algo que dependa de mais cuidado do que uma mensagem de texto convencional. O suporte a mouse também veio, assim como reconhecimento de dispositivos de armazenamento externo via USB.

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Foi só depois do iPad Pro que as vendas do tablet começaram a se recuperar, ao mesmo tempo em que a empresa lançava versões mais acessíveis do aparelho, visando atingir o público estudante. Desta forma, a companhia estabeleceu o iPad como um produto para alguns nichos: o público profissional e estudante. A empresa não está mais mirando o público geral, que já tem seu smartphone de tela grande e pouco precisa de um tablet para navegar na internet, ler ou ver vídeos quando chega em casa ou quando está na rua.

Sabe quem também mira principalmente os profissionais e estudantes? A indústria de PC. Sim, com todas as transformações do mercado ao longo da década, o tablet se aproximou cada vez mais do PC em formato e funcionalidade e passou a disputar o mesmo público em um cenário no qual as necessidades básicas de um usuário de tecnologia são satisfeitas pelo smartphone. Tablet e notebook ou desktop ainda oferecem experiências fundamentalmente diferentes, mas aos poucos as duas coisas se aproximam.