Produzido para a Netflix americana, “Entre Realidades”, longa que tem feito barulho entre usuários da plataforma de streaming nas redes sociais, traz Alison Brie incrivelmente convincente como uma vendedora meio antissocial de uma loja de tintas e tecidos, que mal consegue companhia para comemorar seu aniversário.

Não é preconceito contra vendedoras dessas lojas, ou contra antissociais, ou contra quem não consegue companhia em aniversários. É que não é fácil uma atriz ou ator de fama se dar bem no papel de pessoas simples. É comum ficarmos com a impressão de que eles parecem deslocados. Por outro lado, um dos fatores que facilitaram o estrelato para Brie é esse aspecto “vizinha do lado”, uma atriz bela, mas sem o glamour de, digamos, uma Michelle Pfeifer ou uma Janelle Monae. Parece alguém que encontraríamos facilmente nas ruas, e isso passou a ser um fator importante quando o realismo deu as caras em Hollywood, nos anos 1960.

Após seu trabalho nas séries “Mad Men” (como coadjuvante) e “Glow” (como atriz principal), já deveríamos ter acostumado com o talento dessa atriz que parece capaz de interpretar qualquer papel. Mas eis que neste longa ela brilha intensamente, até mais pelo aspecto geral burocrático da direção de Jeff Baena, exceto no terço final, quando o filme parte para a loucura decisiva.

Brie interpreta Sarah, mulher de seus 30 e poucos anos que vive entre o trabalho na loja, as séries de crime sobrenatural e os cavalos (no original, o filme se chama “Horse Girl”). Aos poucos, seus sonhos começam a parecer cada vez mais reais, a ponto de confundir-se com a realidade. E para uma trama dessas funcionar, a atriz precisa ser muito convincente, e o espectador também deve se confundir entre sonho e realidade.

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Essas duas coisas acontecem, pelo menos até certo ponto, em que o sono invade o filme de vez. Com isso, “Entre Realidades” segura nosso interesse até o fim. Em alguns momentos sentimos que a loucura da personagem está além de nossa compreensão, mas isso nunca pode ser considerado um problema. Talvez o problema esteja mesmo na direção burocrática, que mesmo nos momentos surreais segue à risca uma determinada cartilha. Quando não é a do bem filmar, o academicismo, é a de aprendiz de David Lynch. 

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema