Não gosto de recomendar filmes dublados por aqui, por uma questão de princípio, mas notei que está disponível, somente desse modo, o curioso “Chuva de Milhões”, de Walter Hill, pelo Google Play.

Essa possibilidade faz jus à experiência de ver, como na época, um dos filmes da Sessão da Tarde na primeira metade dos anos 1990, quando ainda não existiam DVDs e as fitas VHS tinham imagem inferior às transmissões televisivas.

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(apesar desse romantismo todo, não tive coragem de rever dublado; preferi rever no meu DVD, que, aliás, deve estar há muito fora de catálogo)

“Chuva de Milhões” é um remake, realizado em 1985, de “Chutando Milhões” (1945), um dos filmes não memoráveis de Allan Dwan. Num espaço de quarenta anos, é divertido rever os dois filmes num curto espaço de tempo e ver o que mudou nos Estados Unidos.

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Na história, baseada, como no original de 1945 e em outras quatro versões cinematográficas anteriores, em livro de George Barr McCutcheon (publicado em 1903), o jogador de baseball (soldado no filme de 1945) amador recebe uma herança inesperada de um tio distante, mas para botar a mão em todo o montante, de 300 milhões de dólares (eram 7 milhões em 1945), ele precisa gastar 30 milhões em 30 dias (1 milhão em 60 dias).

Quando o jogador de baseball em questão é interpretado por Richard Pryor, um dos maiores comediantes da época graças ao sucesso no humorístico da TV “Saturday Night Live”, temos a possibilidade de um grande sucesso, ainda mais porque a trama rende fáceis momentos cômicos e seu parceiro é John Candy, outro grande comediante da época.

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Walter Hill é um dos maiores estetas do cinema americano nos anos 1980. Começou ainda na década anterior, no auge da chamada Nova Hollywood com o ótimo “Lutador de Rua” (1975) e atingiu o ápice estético com o agora clássico “Warriors – Selvagens da Noite”, de 1979). Com “48 Horas (1982) e “Ruas de Fogo” (1984), atingiu o auge do sucesso. “Chuva de Milhões” vem em seguida e confirma a guinada mais comportada que o diretor deu nessa década, sem perder a boa mão para narrar histórias cativantes.

Claro que nessa trama que envolve heranças, advogados trapaceiros e traições, há uma enorme crítica ao capitalismo americano, como há em 90% dos melhores filmes de Hollywood. É a chamada crítica de dentro, uma tentativa de cortar os excessos e os males do capitalismo dentro de uma de suas engrenagens mais poderosas, o cinema.

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Como curiosidade, a mesma trama serviu de base para o brasileiro “Tô Ryka”, uma das poucas comédias brasileiras recentes que não beiram o constrangimento. O filme, aliás, segue de perto o modelo formulado por Walter Hill em 1985, que é mesmo a melhor das versões.

* Sérgio Alpendre é professor e crítico de cinema