A humanidade passa por um abrandamento forçado. Antes da pandemia, as novas gerações gritaram, mas não demos importância. O Planeta manifestou-se com incidentes de fogo e água, e nada. Seguimos acelerando, em busca de mais e mais velocidade, sem limites. No que se refere às comunicações, não estamos felizes com o que temos. Queremos algo mil vezes mais rápido, a quinta geração de internet móvel (5G), por exemplo. Planeja-se enviar mais 20 mil satélites ao espaço, de onde eles nos bombardearão com ondas eletromagnéticas. O objetivo: fazer mais e em menos tempo. Até que, surpreendentemente, o tempo que tanto queríamos ganhar derreteu-se, como no famoso quadro Relógios Derretidos, de Salvador Dalí.

Com nossos relógios derretidos, fomos aprisionados em nossas casas e submetidos a um recondicionamento mental. Um treinamento tão poderoso quanto inesperado. Nele, aprendemos lições importantes sobre um novo ritmo e estilo de vida. O “curso” forçado nos capacitou a escalonar nossos horários de trabalho e a nos deslocar menos, reduzindo congestionamentos nas grandes cidades. Nos ajudou a controlar a ansiedade, a tolerar pacientemente os caprichos do(a) companheiro(a) com quem vivemos. Mostrou-nos que é possível “desterceirizar” a educação das crianças, estudar pela internet, realizar a faxina doméstica ou ao menos valorizar mais quem sempre a fez por nós. Nos ensinou a transformar nossa casa em um ambiente de trabalho produtivo e, certamente, a valorizar menos o dinheiro.

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Estamos aprendendo até a identificar as fake news. Uma verdadeira revolução sociocultural. Caiu a ditadura da superprodutividade, das milhares de decisões por minuto. Quando tudo isso tiver passado, quero acreditar que a vida estilo “corrida de cavalos” que vivemos até agora terá cedido lugar a uma convivência mais consciente. Que respeite o tempo e nos permita perceber o valor de cada respiração dos nossos pulmões em saudável funcionamento.

Logo nos primeiros dias de quarentena, veio à minha mente o movimento Slow, que vi nascer ao vivo em 1986 quando morava na Itália. Começou como um protesto quando a rede McDonald’s quis abrir em Roma sua primeira loja. Dizíamos, nós italianos, à época: “Aqui não! Aqui ninguém tem pressa de comer!”. O Slow não conseguiu muitos adeptos pelo mundo simplesmente por pregar algo impensável antes desta quarentena planetária: sabedoria, calma e o equilíbrio em todas as suas dimensões. Em 2004 essa forma de pensar foi elevada a filosofia de vida por Carl Honoré em seu livro In Praise of Slowness, no qual nos ensina a tomar as rédeas do ritmo de nossas vidas.

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Nem ele nem ninguém podia sequer imaginar que existiria a Covid-19, mas sua forma de pensar de repente virou a única realidade. O Slow passa a ser aplicado a quase tudo que realizamos, em especial o Slow Work. Quinze anos depois estamos todos trancados, descobrindo e nos surpreendendo com o modo slow. Mais conscientes, sensíveis e procurando estender ao máximo o tempo e a alegria dos pequenos rituais e prazeres do cotidiano. Certamente mais espiritualizados. Pena que à força. De uma forma dolorosa. Com mortes e medo do invisível. Mas o universo foi sábio ao encontrar uma maneira rápida e eficaz de nos ensinar algo que, pensávamos, não gostaríamos de aprender. A sociedade e a economia foram desaceleradas a quase zero. Viver com saúde e com felicidade genuína tornou-se nosso mais importante desejo.

Nunca mais jornadas intermináveis de trabalho e vidas direcionadas exclusivamente a obter mais e mais dinheiro, conquistas e sucesso. É o que se espera na bonança que se seguirá a esta tempestade. A não ser que realmente a humanidade seja muito limitada, a ponto de não mudar. Eu estou certo de que nunca mais serei o mesmo. E você?