No dia 23 de abril de 2019, uma chuva de meteoritos atingiu o pequeno vilarejo de Aguas Zarcas, na floresta tropical da Costa Rica. Resultado da explosão de uma rocha espacial do tamanho de uma máquina de lavar na atmosfera terrestre, os fragmentos deram origem a uma série de estudos e descobertas.

Batizados de Aguas Zarcas em homenagem ao vilarejo costa-riquenho, os meteoritos logo se mostraram ser extraordinários. Ainda que esse tipo de fenômeno seja comum – mais de 60 mil fragmentos já foram documentados por cientistas -, os Aguas Zarcas não são simples rochas ou metais, como era de se esperar, mas sim condritos carbonáceos, uma classe de meteoritos originários de meteoros remanescentes do início do Sistema Solar.

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Condritos carbonáceos são meteoritos rochosos ricos em carbono, tanto inorgânicos quanto complexos, como aminoácidos. Por serem repletos de carbono e estarem praticamente vivos, os Aguas Zarcas ilustram como as reações químicas no espaço dão origem a complexos precursores da vida, tanto é que alguns cientistas acreditam que meteoritos como Aguas Zarcas deram um empurrãozinho na vida por aqui quando colidiram com a Terra estéril, há 4,5 bilhões de anos.

Desde que os cientistas observaram Aguas Zarcas por fotos, foi perceptível a semelhança com outra chuva de meteoritos, uma que aconteceu em 1969 sobre Murchison, cidade pastoril australiana. Batizados com o mesmo nome, também em homenagem ao local onde aconteceu, os fragmentos Murchison resultaram em cerca de 100 quilogramas de material para pesquisa, que foram enviados para laboratórios ao redor do mundo.

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Meteorito que atingiu um telhado em Aguas Zarcas. Imagem: Mike Farmer

Até o momento, cientistas já descobriram cerca de 100 diferentes aminoácidos nos fragmentos Murchison, alguns usados por organismos na Terra, outros muito raros ou inexistentes na vida conhecida. Além disso, centenas de novos aminoácidos foram descobertos, mas não identificados. É esse grande volume de informações que a comunidade científica espera encontrar em Aguas Zarcas.

“Se eu tivesse que começar uma nova coleção de meteoritos em um museu e pudesse selecionar apenas dois, escolheria Murchison e Aguas Zarcas”, disse Philipp Heck, curador da coleção de meteoritos no Museu de História Natural de Chicago, Estados Unidos. “Se eu pudesse escolher apenas um, escolheria Aguas Zarcas”, completou.

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Ainda que Aguas Zarcas tenha deixado apenas 30 quilogramas de material para pesquisa, vale lembrar que os meteoritos chegaram por aqui 50 anos após Murchison e que, portanto, o contexto tecnológico é mais avançado e os condritos carbonáceos estão mais “frescos” para os estudos. Isso significa que os cientistas poderão farejar compostos há muito tempo evaporados em Murchison.

No entanto, é importante ressaltar que, assim que os meteoritos entram na atmosfera terrestre, tem início uma corrida contra o tempo. Afinal, as argilas, seus principais componentes, absorvem o ar e a água ao redor como uma esponja, ao passo que compostos orgânicos da Terra se intrometem. Cada segundo em contato com o solo ou com mãos humanas equivale à destruição de informações importantes.

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Os vilarejos dos meteoritos mais caros que ouro

No dia seguinte à chuva de meteoritos em Aguas Zarcas, fotos nas redes sociais chamaram a atenção de traficantes de meteoritos, os quais ganham a vida vendendo esses fragmentos celestiais. Mike Farmer, um deles, já havia preparado suas malas no próprio dia 23 de abril de 2019 para ir até a Costa Rica caçar esses fragmentos valiosos. Contudo, foi na manhã do dia 24 que Farmer se deparou com fotos dos Aguas Zarcas no Facebook. “Foi como: oh, Jesus Cristo”, contou Farmer. “Eu soube imediatamente o que era”, acrescentou.

O traficante de meteoritos separou US$ 50 mil em espécie e embarcou no primeiro voo possível para a Costa Rica. Em meio à uma escala em Dallas, Estados Unidos, Farmer recebeu uma mensagem de uma família de La Palmera, um vilarejo a poucos quilômetros de Aguas Zarcas, oferecendo alguns fragmentos que estavam à venda. “Quase tive um ataque cardíaco”, brincou Farmer.

Habitante de Aguas Zarcas segura um fragmento. Imagem: Andrea Solano

Depois de chegar a La Palmera, Farmer comprou alguns condritos carbonáceos iniciais por um preço abaixo do normal – como a família perceberia depois. Nos dias que se seguiram, Farmer e outros traficantes como ele, de países como Rússia, Alemanha, Bélgica e Estados Unidos, lotaram os vilarejos da região de carros em busca de fragmentos em um raio de até seis quilômetros de onde aconteceu a chuva de meteoritos Aguas Zarcas. Não demorou muito até que cada grama do material passasse a custar entre US$ 50 e US$ 100, ultrapassando o preço do ouro.

Alguns cientistas também conseguiram recolher alguns meteoritos para estudo. Gerardo Soto, geólogo de San José, Estados Unidos, disse que a chegada de Aguas Zarcas foi um “sonho que se tornou realidade”. Na Costa Rica, uma chuva de meteoritos não acontecia desde 1857. “Posso morrer agora porque vi”, continuou Soto.

“É realmente significativo ter um meteorito como este nas mãos: ele tem pelo menos 4,5 bilhões de anos”, explicou Pilar Madrigal, geoquímica da Universidade da Costa Rica. “Infelizmente, muitas pessoas venderam seus fragmentos para particulares e deixaram o país”, prosseguiu.

Em alguns países, os meteoritos estão sujeitos às leis: na Dinamarca, por exemplo, os fragmentos são considerados “tesouros fósseis” que pertencem ao estado. Austrália, Canadá, Chile, França, México e Nova Zelândia os classificam como tesouros culturais que não podem ser exportados sem permissão. Na Costa Rica, entretanto, podem ser livremente comprados, vendidos e exportados.

Via: Science Magazine