A primeira imagem real de um buraco negro, apresentada no ano passado, é um dos maiores feitos da ciência nos últimos tempos. Localizado na galáxia Messier 87, a 55 milhões de anos-luz da Terra, o objeto tem 40 bilhões de quilômetros de diâmetro. Mas e se M87* não for um buraco negro, e sim um corpo celeste até então teorizado, mas nunca observado?

Essa é a proposta de um estudo liderada pelo astrofísico Hector Olivares, da Radboud University na Holanda e da Goethe University na Alemanha, e publicado na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. “Embora a imagem seja consistente com nossas expectativas sobre a aparência de um buraco negro, é importante ter certeza de que o que estamos vendo é realmente o que pensamos”, afirmou Olivares em entrevista ao site ScienceAlert.

A pesquisa do astrofísico sugere que o universo poderia estar cheio de “estrelas do bóson”, que são objetos teóricos e transparentes feitos de partículas do bóson – que compartilhariam muitas características com os buracos negros supermassivos. “Estrelas do bóson são previstas pela relatividade geral e são capazes de crescer até milhões de massas solares e atingir uma compactação muito elevada”, afirma Olivares.

EHT Collaboration/Reprodução

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A primeira evidência visual direta do buraco negro supermassivo no centro de Messier 87 e sua sombra. Imagem: EHT Collaboration/Divulgação

O fato de compartilharem essas características com buracos negros supermassivos levou cientistas a propor que alguns dos objetos compactos supermassivos localizados no centro das galáxias podem ser, na verdade, estrelas do bóson. Em seu artigo, Olivares e sua equipe calcularam como nossos telescópios registrariam um desses objetos cósmicos e como isso seria diferente de uma imagem direta de um buraco negro em formação.

Mas não se deixe enganar pelo nome. De “estrela”, esses corpos celestes só têm a imensa massa. Enquanto estrelas tradicionais são feitas principalmente por partículas fundamentais chamadas férmions (prótons, nêutrons e elétrons), as estrelas bóson seriam inteiramente compostas de bósons (fótons, glúons e o famoso bóson de Higgs).

Se por um lado duas partículas de férmions idênticas não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, bósons podem ser sobrepostos – e quando se unem, agem como uma grande partícula ou onda de matéria. No caso de estrelas bóson, as partículas podem ser comprimidas em um espaço que, dados os arranjos certos, poderia formar em um arranjo relativamente estável. Em teoria.

Bósons com a massa necessária para formar tal estrutura nunca foram identificados. “Para formar uma estrutura tão grande quanto os candidatos a buracos negros supermassivos, a massa do bóson precisa ser extremamente pequena (menos de 10-17 eletronvolts)”, afirma Olivares.

“Bósons spin-0 com massas semelhantes ou menores aparecem em vários modelos cosmológicos e teorias das cordas, e foram propostos como candidatos à matéria escura sob diferentes nomes. Tais partículas hipotéticas seriam extremamente difíceis de detectar, mas a observação de um objeto parecido com uma estrela bóson apontaria para sua existência”, completa o astrofísico.

Como não se fundem em núcleos e não emitem radiação, as estrelas de bóson seriam objetos não só invisíveis no espaço como transparentes – elas não têm uma superfície absorvente que reflita os fótons, ou um horizonte de eventos que distorça a luz. Os fótons podem escapar das estrelas bóson, embora seu caminho possa ser um pouco dobrado pela gravidade.

Mas, assim como os buracos negros, algumas estrelas bóson podem ser rodeadas por um anel giratório de plasma – muito parecido com o disco de acreção. Dessa forma, vista pelos nossos telescópios, seria bastante semelhante à imagem do M87* – um donut brilhante com uma região escura dentro.

Olivares et al/MNRAS

Simulação de um buraco negro não giratório (esq.), um buraco negro em rotação (C) e uma estrela bóson (dir.) como apareceria para o EHT. Imagem: Olivares et al/MNRAS

Por meio de simulações da dinâmica desses anéis de plasma, a equipe de Olivares comparou como uma estrela de bóson poderia se parecer com um buraco negro. Inicialmente, os pesquisadores descobriram que a sombra da estrela bóson seria significativamente menor do que a sombra de um buraco negro de massa semelhante. Assim, a equipe descartou M87* como uma estrela bóson.

Mas a pesquisa levou em consideração as capacidades e limitações técnicas do Event Horizon Telescope, e pode ser utilizada em futuras observações para determinar se o que estamos vendo é de fato um buraco negro supermassivo. Descobrir uma estrela de bóson através dessa técnica teria enormes implicações para a astrofísica, desde a inflação do início do universo até a busca por matéria escura.

“Isso significaria que os campos escalares cosmológicos existem e desempenham um papel importante na formação das estruturas no espaço”, disse Olivares.

Via: ScienceAlert