Por Marcelo Zurita*

Pesquisadores brasileiros ligados à Bramon (Rede Brasileira de Observação de Meteoros) descobriram uma chuva de meteoros associada ao Asteroide 2019 OK, o mais perigoso asteroide descoberto também por brasileiros. O feito, anunciado previamente em uma live no Canal AstroNeos, foi oficializado no último dia 15 pela União Astronômica Internacional.

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O Asteroide

Em julho do ano passado, houve um alvoroço na comunidade astronômica internacional, quando o Sonear, um observatório amador no interior de Minas Gerais, descobriu um asteroide com cerca de 100 metros se aproximando perigosamente da Terra. Com equipamento secundário, um telescópio de 28 milímetros de diâmetro, o observatório foi o primeiro a detectar o asteroide na noite do dia 24 de julho de 2019, antes mesmo dos poderosos telescópios de 1 metro de diâmetro da Nasa, nos Estados Unidos.

No dia seguinte, a circular MPEC 2019-O56, do Minor Planet Center, oficializou a descoberta, nomeando o asteroide como 2019 OK. Isso ocorreu apenas 3 horas antes de ele passar “raspando” a Terra naquele dia. O recém-nomeado asteroide tomou as páginas dos jornais no mundo inteiro e foi chamado pela imprensa especializada de “city-killer”, já que ele teria potencial destrutivo para arrasar uma cidade inteira.

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Naquele dia 25 de julho de 2019, ele passou a pouco mais de 70 mil quilômetros do nosso planeta, se tornando o maior asteroide que se tem conhecimento a passar tão perto da Terra nos últimos 100 anos.

Reprodução
Repercussão da descoberta do 2019 OK na mídia internacional. Imagem: arquivo pessoal

A órbita do 2019 OK indica que ele faz parte da Família de Flora, um grande grupo de asteroides rochosos e possível origem de parte dos meteoritos condritos do tipo L, a segunda classe mais comum desses objetos sólidos, representando 35% de todos os já classificados aqui na Terra.

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O asteroide leva um pouco mais de dois anos e meio para completar uma volta em torno do Sol. Cada uma delas passa a menos de 50 mil quilômetros da órbita terrestre. Isso o torna um Objeto Potencialmente Perigoso (PHA), que merece ser rastreado sistematicamente para evitar surpresas, caso ele sofra algum desvio que possa colocá-lo em rota de colisão com a Terra.

A Descoberta

Ao perceber um asteroide tão grande passando tão próximo, e ainda com uma órbita comum a de meteoritos que eventualmente atingem à Terra, os pesquisadores Lauriston Trindade e Alfredo Dal’Ava resolveram buscar por meteoros que pudessem estar associados ao 2019 OK na base de dados da Bramon.

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A pesquisa é feita a partir do isolamento de um conjunto de meteoros com órbitas semelhantes. A órbita de um meteoro é calculada começando pela análise das imagens de um mesmo meteoro registrado em pelo menos duas câmeras distintas. A triangulação das imagens permite o cálculo preciso da trajetória do meteoro pela atmosfera e, retroagindo-se à trajetória do meteoro, pode-se calcular a órbita que o meteoroide possuía antes de atingir a Terra.

Nesse caso, o processo foi um pouco diferente. Pela órbita conhecida do asteroide, foi feita uma busca simples por meteoros com trajetórias semelhantes na base da Bramon. Para isso, foram utilizadas ferramentas de software que a rede vem desenvolvendo desde 2017. Dessa vez, no entando, não foi tão simples.

Já na primeira busca, foram percebidos 58 meteoros com órbitas semelhantes a de 2019 OK. Mas, no meio deles, haviam muitos meteoros associados ao radiante tau Capricornids, proposto por Jenniskens em 2016. Isso poderia indicar que o 2019 OK seria o corpo parental dessa chuva de meteoros.

Ao analisar manualmente os dados, porém, Lauriston percebeu que a órbita do asteroide não se encaixava em tau Capricornids. Percebeu também uma diferença orbital significativa entre alguns meteoros associados a essa chuva. Suas órbitas se pareciam mais com a de 2019 OK em comparação a de tau Capricornids, o que indicava que, na verdade, eles fariam parte de outra chuva de meteoros e essa sim, associada ao asteroide.

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Comparativo entre as órbitas do 2019 OK, da chuva tau Capricornids (TAC) e da chuva proposta (SCP). Fonte: Bramon

Voltando no Tempo

Para resolver o impasse, os pesquisadores brasileiros precisaram voltar no tempo. Mas para isso não precisaram de nenhum De Lorean ou TARDIS. A máquina do tempo utilizada foi um software desenvolvido pelo Alfredo Dal’Ava, que retrocede o tempo analisando a evolução orbital dos objetos, considerando as influências gravitacionais dos planetas, satélites e asteroides conhecidos.

Pela análise da evolução orbital do 2019 OK e dos meteoros selecionados, percebeu-se uma clara distinção entre dois grupos de meteoros. Enquanto uma parte deles parecia não ter qualquer conexão com o asteroide, se afastando a medida que o tempo era retrocedido, um outro grupo de meteoros permanece em total sintonia com o 2019 OK há pelo menos 12 mil anos. Isso comprova, cientificamente, a descoberta de uma chuva de meteoros brasileira, gerada por um asteroide 100% nacional.

Comparativo de 5000 anos da evolução do nodo ascendente e da inclinação da órbita do Asteroide 2019 OK, da chuva de meteoros tau Capricornids (TAC) e da chuva proposta (SCP). Fonte: Bramon

A Chuva de Meteoros

A nova chuva de meteoros recebeu o nome de 17 Capricornids e tem sua máxima em 24 de julho, mesma data da descoberta do 2019 OK. Em 15 de setembro, ela foi adicionada à Lista de Chuvas de Meteoros da União Astronômica Internacional com o número 01042 e o código SCP. No detalhamento da chuva, já é indicado seu corpo parental, o Asteroide 2019 OK, descoberto pelo Observatório Sonear.

Trata-se de uma chuva de baixa intensidade e seu radiante é próximo à estrela 17 Cap da Constelação de Capricórnio. Muito próximo, inclusive, da posição onde o Asteroide 2019 OK, observado pela primeira vez em 24 de julho de 2019. 

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Radiante da 17 Capricornids e posição onde o 2019 OK foi descoberto. Fonte: Bramon

Perspectivas Futuras

Futuras observações do asteroide e dos meteoros podem nos ajudar a entender a formação da nuvem de detritos que causa a chuva. Pode ser que o 2019 OK seja, na verdade um cometa extinto, ou seja, que já perdeu toda sua massa volátil, mas que deixou uma nuvem de detritos em sua órbita.

Outra possibilidade é que a nuvem tenha se formado a partir de uma ejeção espontânea de detritos, como a que parece estar ocorrendo em Bennu por uma ejeção gerada por um impacto, ou talvez por ação da gravidade terrestre após passagens muito próximas, como a que ocorreu em 2019.

O fato é que esse asteroide que já deu muito o que falar, parece que ainda vai render muitos estudos e, quem sabe, algumas boas surpresas como essa.

* Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia – APA; membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira; diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros – e coordenador regional (Nordeste) do Asteroid Day Brasil