Por Marcelo Zurita*

O Brasil tem um novo meteorito. No dia 18 de setembro, um fazendeiro de Tiros (MG) encontrou uma rocha muito diferente próximo à uma trilha em sua propriedade. Tratava-se de mais um novo descoberto no Brasil, o meteorito Tiros. E esse não é um meteorito qualquer. Ele tem uma história fantástica desde o momento de sua formação até sua entrada na atmosfera da Terra.

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A história desse meteorito começa há muito tempo, em um dos maiores asteroides do sistema solar: Vesta. Cerca de 1 bilhão de anos atrás, um gigantesco impacto mudou completamente a superfície daquele asteroide, criando uma cratera de 505 quilômetros e lançando no espaço trilhões de toneladas de rochas da superfície, da crosta e até mesmo do manto Vesta.

A cratera, chamada de Rheasilvia, ocupa cerca de 90% do hemisfério Sul de Vesta. Próximo ao Polo Sul, local do impacto, um pico com mais de 22 quilômetros de altura foi formado pelo efeito de “rebote” do impacto. Uma série de fossas concêntricas à Rheasilvia podem ser encontradas próximas ao equador do asteroide e até mesmo uma deformação na crosta no lado oposto à cratera pode ter sido gerada pela violência do impacto.

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ReproduçãoAsteroide Vesta e Cratera Rheasilvia. Créditos: Nasa/JPL

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No espaço, o material ejetado deste impacto gerou a Família Vesta de asteroides, que orbitam o Sol na parte interna do cinturão principal. Estes asteroides são responsáveis por cerca de 6% dos meteoritos que caem em nosso planeta e, entre eles, está um que atingiu a Terra na madrugada de 08 de maio de 2020, gerando um belo meteoro que assustou vários moradores de algumas cidades do Triângulo Mineiro e foi registrado por oito câmeras do Clima ao Vivo em Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

O Meteoro

A noite de 7 de maio começou bastante nebulosa na região de Patos de Minas (MG). Chegando em casa tarde, depois de um longo dia de trabalho, Ivan Soares, resolveu deixar para terminar de instalar e configurar seu sistema de câmeras de monitoramento de meteoros no dia seguinte. Soares faz parte da Bramon, a Rede Brasileira de Observação de Meteoros e, depois de uma manutenção no sistema, o cansaço e o tempo fechado o levou a deixar para terminar o processo no dia seguinte. Desligadas aquela noite, suas câmeras deixaram de registrar um dos meteoros mais impressionantes dos últimos anos naquela região. Isso, obviamente o deixou frustrado, mas ao mesmo tempo motivou-o a investigar a fundo o caso até que tivesse em mãos o meteorito caído naquela noite.

Às 03h25 da madrugada, já no dia 8 de maio, depois de um bilhão de anos vagando pelo espaço interplanetário, o pequeno fragmento de rocha vindo de Vesta atingiu a atmosfera da Terra sobre o Estado de Minas Gerais. O bólido foi visto de várias cidade de Minas Gerais e São Paulo e moradores em pelo menos 18 cidades do Triângulo Mineiro relatam terem ouvido um forte barulho de explosão. O bólido foi registrado por oito câmeras do Clima ao Vivo registraram o bólido a partir de sete cidades em Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Também foi filmado pela câmera allsky do Observatório Sonear, por uma câmera de vigilância da NTV e outra em uma fazenda em Patos de Minas. Do espaço, o satélite geoestacionário Goes-16 detectou o flash gerado pelo meteoro no seu instrumento GLM, um dispositivo usado para mapeamento de relâmpagos.

 

Trajetória e Área de Dispersão

A partir de análise dos vídeos, a Bramon calculou a trajetória do meteoro sobre Minas Gerais. O meteoroide atingiu a atmosfera em uma inclinação muito baixa, aproximadamente 15,8° em relação ao solo e percorreu um total de 180,1 quilômetros em aproximadamente 9,76 segundos, surgindo entre Uberaba e Araxá e se extinguindo a uma altitude de 29,7 quilômetros, a oeste do Município de Tiros. A luminosidade do bólido indica uma massa inicial do meteoroide entre 180 e 300 kg tendo cerca de 95% dessa massa se vaporizado pelo calor gerado na passagem atmosférica.

A partir dessa trajetória, o engenheiro americano Jim Goodall, calculou um campo de dispersão dos meteoritos cobrindo uma vasta área com cerca de 7 quilômetros de largura 84 quilômetros de extensão, entre os municípios de Tiros e Morada Nova de Minas.

ReproduçãoTrajetória e área de dispersão. Créditos: Bramon

Apesar da possibilidade de haverem meteoritos em solo, a massa resultante não era muito alta, e a área de dispersão era imensa, cobrindo uma região montanhosa e com grande cobertura vegetal. As chances de se encontrar algo em campo eram muito pequenas. Somando-se isso ao fato do Brasil estar enfrentando uma pandemia, preferiu-se não divulgar a área de dispersão para evitar uma eventual caçada aos meteoritos, o que poderia ajudar a propagar o vírus.

Desde então, os esforços se concentraram na busca de vídeos, levantamento de depoimentos e refinamento da trajetória. Grande parte desse trabalho foi conduzido por Ivan Soares, que chegou a fazer buscas em campo ainda em maio, mas sem sucesso.

O Achado

Encontrar um meteorito em uma área tão vasta não seria nada fácil. Mas nem toda estatística é capaz de prever o acaso. E foi por acaso que um fragmento desse meteorito com cerca de 400g caiu justamente a beira de uma trilha, em uma fazenda na Zona Rural de Tiros. E na tarde de 18 de setembro, o aspecto incomum daquela rocha chamou a atenção do Sr. Titota, um fazendeiro que passava de cavalo pela trilha. Aquela pedra escura com um brilho vítreo, certamente agradaria sua esposa, que gostava de colecionar minerais. Então, o fazendeiro marcou o local e voltou à pé no final da tarde para levar a pedra. Mas, ao pegar a rocha no chão e analisar de perto, ele logo percebeu que não se tratava de uma rocha comum. Era uma rocha extraterrestre, o Meteorito Tiros.

Titota fez um vídeo da rocha e enviou para o Padre José Luís. Na mesma hora, o Padre se lembrou do bólido de 4 meses atrás e acreditou se tratar do meteorito resultante. Ele enviou o vídeo para o jornalista Sandro Barcelos que o publicou na página do Portal Tirense Notícias. A história se espalhou rapidamente e, quando viu o vídeo, Teresinha Souza, do Grupo Mulheres de Estrelas rapidamente associou o meteorito ao bólido de maio, uma vez que a rocha havia sido encontrada muito próxima ao final da trajetória calculada pela Bramon.

Três dias depois, em 21 de setembro, Elizabeth Zucolotto, curadora dos meteoritos do Museu Nacional chegava a Tiros para analisar o meteorito juntamente com Diana Andrade (UFRJ), Teresinha Souza (Mulheres de Estrelas) e Ivan Soares (Bramon). Naquele dia, Ivan segurou, pela primeira vez, o meteorito que tanto trabalhou para encontrar.

O Meteorito

De acordo com as análises já realizadas na UFRJ, o Meteorito Tiros é um acondrito do tipo eucrito. Os eucritos são meteoritos rochosos oriundos de regiões profundas da crosta do Asteroide Vesta. Acredita-se que grande parte dos Eucritos foram lançados no espaço por um impacto gigantesco no polo Sul de Vesta, responsável também pela criação da cratera Rheasilvia, proporcionalmente uma das maiores do Sistema Solar.

O eucrito é o tipo mais comum de acondritos, ou seja, rochas que passaram por um processo de fusão e recristalização, e não apresentam mais côndrulos. São muito parecidos com os basaltos e lavas terrestres, mas, enquanto as terrestres são escuras, os eucritos são bem mais claros, por serem ricos em cálcio. Outra característica dos eucritos é o brilho vítreo da crosta de fusão, algo bastante marcante no Meteorito Tiros.

ReproduçãoMeteorito Tiros. Créditos: Tirense Notícias

Por enquanto, só existe uma peça desde meteorito, o fragmento com cerca de 400 gramas encontrado pelo Sr. Titota. A classificação e o registro oficial do Meteorito Tiros ainda depende de um depósito de ao menos 20 gramas em uma instituição como o Museu Nacional, o que já foi acertado com o proprietário do meteorito.

Buscas em campo

Desde que foram divulgadas as primeiras imagens do meteorito encontrado em Tiros, a cidade recebe pessoas interessadas em procurar pelos fragmentos. Pesquisadores, caçadores de meteoritos, e astrônomos amadores já estiveram no local mas, até o momento, não encontraram nada. Normalmente já é difícil encontrar um meteorito, mas no caso de Tiros, a coisa é bem mais complicada. Principalmente por ser uma massa não muito grande espalhada por uma área gigantesca com relevo acidentado e muita cobertura vegetal. E para piorar, por ser um acondrito, o meteorito não apresenta metais em sua composição, ou seja, os caçadores não poderão contar com imãs e detectores de metais para auxiliar a busca. A única forma é procurar visualmente, preferencialmente contra o Sol, o que pode realçar o brilho da sua crosta.

ReproduçãoEquipe de buscas em Tiros (MG). Créditos: Elizabeth Zucolotto

Não parece que será fácil encontrar outros fragmentos do Meteorito Tiros, mas a busca continua. Além disso, já sabemos que não se pode desprezar o acaso. Então, nada impede que outro meteorito como este esteja a beira de uma estrada ou trilha, esperando que alguém com olhos atentos o encontre. Meteoritos como o de Tiros, trazem consigo material de um asteroide a centena de milhões de quilômetros da Terra. São como peças de um quebra cabeças que nos ajudam a compreender não só o Asteroide Vesta, mas todo o Sistema Solar e o universo a nossa volta. Eles merecem ser encontrados, estudados e merecem contribuir para a ciência brasileira.

A história do Meteorito Tiros mostra a importância das instituições trabalhando juntas em prol da ciência. Com mais de 170 câmeras espalhadas por todo o Brasil, o Clima ao Vivo, uma empresa privada, cedeu gratuitamente as imagens do bólido, que foram utilizadas para o cálculo da trajetória pela Bramon, um rede colaborativa de ciência cidadã. Os vídeos daquele meteoro foram amplamente divulgados e alcançaram uma enorme quantidade de pessoas na região. Assim, quando a estranha rocha foi encontrada, ela foi rapidamente associada ao bólido. A origem do meteorito foi confirmada através da análise da Elizabeth Zucolotto do Museu Nacional e da UFRJ. Com esse meteorito, Tiros entra na história da ciência mundial. Aguardamos agora que, com a divulgação dessa história, novos fragmentos possam ser encontrados, e que eles possam tornar o município ainda mais conhecido e contribuir para o desenvolvimento da Ciência no Brasil e no mundo.

Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia – APA; membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira; diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros – e coordenador regional (Nordeste) do Asteroid Day Brasil