É tempo de recondicionar o olhar sobre a inovação focalizando não mais apenas os resultados de produtividade, mas o impacto que ela gera no meio ambiente

Você considera que tecnologia, a inovação e a preservação do meio ambiente são temas conexos? Pois é hora de considerar essa ideia.

Os fatores ESG (sigla inglesa para Environmental, Social and Corporate Governance, que podemos traduzir como “governança ambiental, social e corporativa) têm emergido como poderosos gatilhos de transformação nas empresas. O conceito de E-inovação, que proporemos a seguir, considera que a inovação e as ações de preservação do meio ambiente podem ser vistas, na verdade, como primas-irmãs. Andam juntas e podem ajudar muito uma à outra.

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Pense nas práticas de gestão da inovação nas empresas. Esses processos têm comumente um formato afunilado: do conjunto mais amplo de projetos ou iniciativas que entram por uma extremidade, apenas uma pequena parcela sairá na outra ponta, após ultrapassar sucessivos filtros (“stage gates”). Estes receberão investimentos ao final do processo. Os demais morrem no caminho. Essa depuração preserva os projetos mais alinhados à estratégia, de maior impacto e mais fáceis de implantar, entre outras características favoráveis.

Imagine agora que uma das barreiras a superar fosse justamente esta: a inovação proposta precisa ser “amiga” do meio ambiente. A pergunta neste “gate” seria: este produto ou serviço, ou ainda, este modelo inovador de negócios, além dos seus atributos de inovação, beneficia o meio ambiente? Se sim, polegar para cima e ele prossegue. Se não, o projeto para aí mesmo. Medidas assim representariam uma espécie de melhoramento genético ampliado das inovações. Produziriam um “saneamento” das inovações geradas de uma certa data em diante.

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Utópico? Pior seria não colocar esse filtro no processo e, depois de investir, concluí-lo e lançar a inovação no mercado, ter que recuar. Constatar que as novas gerações de consumidores e influenciadores tomaram a decisão por você e estabeleceram um critério que condena a inovação que seu negócio trouxe. Essa alternativa é certamente a mais custosa e prejudicial às empresas.

Temos utilizado técnicas parecidas para peneirar portfólios de projetos de inovação em épocas agudas de crise. As empresas dispõem de um conjunto deles no pipeline; no entanto, em função de restrições de recursos que surgem na escassez, precisam decidir quem nasce de verdade e quem fica para trás. Em casos assim sugerimos a introdução de novos filtros, como a percepção do cliente a respeito do valor da inovação proposta ou a dificuldade que os concorrentes terão para imitá-la.

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Em um mundo dos negócios no qual só prosperassem inovações amigas do meio ambiente, gradativamente melhoraríamos, não acha?
Há outra perspectiva mais positiva, já que não trata de seleção natural e morte de projetos; porém, da mesma forma, exalta a direta correlação entre inovação e preservação do meio ambiente. Refiro-me ao conceito de inovação ambiental, que vimos preconizando junto ao agronegócio brasileiro. O conceito prevê que se estabeleça um novo olhar sobre as inovações do setor. Não importa se são inovações tecnológicas ou soluções criativas simples, utilizando recursos existentes, que chamamos de inovações frugais. A proposta é passar a analisar as iniciativas inovadoras ligadas ao agronegócio não só em termos de ganhos de produtividade e qualidade, mas avaliando e quantificando os impactos de cada projeto em termos de benefícios para a atmosfera, a floresta em pé, o solo ou os rios e mares. Efeitos estes nada colaterais, concorda? Por exemplo: os ganhos de produtividade que determinada solução proporciona por hectare podem ser reenquadrados como redução das tendências de desmatamento.

Alguém dirá: ora, isso é natural. Sim, é, mas até agora as lentes dos pesquisadores não costumavam focalizar tais ganhos. Ou, na melhor hipótese, consideravam-nos colaterais, o que não é compatível com uma era ESG. A visão e a busca de resultados econômicos per se sempre criaram um viés distorcido dos projetos. Há casos evidentes no campo das biotecnologias, como projetos para a fixação do nitrogênio às plantas ou mesmo soluções de revestimentos poliméricos de sementes com a quantidade certa de fertilizantes, que são apresentadas como inovações para reduzir importações e custos. Essas mesmas soluções deveriam ser analisadas com o olhar da inovação ambiental: evitam que toneladas de produtos químicos não aproveitados pelas plantas sejam levados pelas chuvas e contaminem rios e mares.

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Ao recondicionarmos o olhar, descobriremos que o Brasil não é apenas um campeão do agronegócio: é também um polo mundial de inovação ambiental. Orgulho, não é? Pena que não divulgamos e, pior, muitos dos dirigentes do agronegócio não se dão conta disso. Não dá para atribuir culpa a outros nesse caso. Somos nós mesmos, brasileiros e comunidade de inovação, que, tímidos, não damos a esses dados a relevância que eles merecem.