O Google anunciou, em 2020, que decretaria o fim dos “cookies” em seu navegador Chrome. Agora, ao longo dos últimos dois meses, a empresa tem compartilhado mais detalhes da ação. E isso trouxe um novo problema: segundo a Reuters, autoridades americanas têm a impressão de que a prática é anticompetitiva e podem acionar o Google com base em leis antitruste.
Os “cookies” são recursos tecnológicos usados por praticamente todos os sites para monitorar atividades de navegação. Com base nesses dados, as páginas podem, por exemplo, oferecer anúncios mais direcionados aos usuários. A decisão do Google parece incomodar profissionais do setor e investigadores do Departamento de Justiça dos EUA têm entrevistado representantes do mercado para saber se as suspeitas têm fundamento.
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O Google anunciou o fim dos “cookies” com o intuito de preservar a privacidade dos usuários, já que a ferramenta não só analisa informações de navegação. A depender de como é aplicada, pode determinar por onde o mouse passou na tela, quantas e quais abas estão abertas simultaneamente e até mesmo a configuração do computador, com detalhes sobre o sistema operacional em uso e os componentes internos do equipamento.
Hoje, os “cookies” são divididos em duas categorias: “first party”, ou “primários” (arquivos que monitoram a atividade dentro de um site) e “third party”, ou “terciários” (que sabem de onde o usuário veio antes de entrar no site e para ele vai quando sai). Apenas os terciários serão eliminados do Chrome.
No momento, os investigadores do Departamento de Justiça americano querem determinar o real impacto da medida na indústria de publicidade digital. Hoje, Google e Facebook são os dois maiores representantes do setor, mas muitas agências menores se beneficiam dos “cookies” em nome de seus clientes e parceiros.
A percepção é que a empresa liderada por Sundar Pichai, que tem 60% dessa indústria sob controle, está alterando a prática de coleta de dados por “cookies” no Chrome (que domina 69,28% do mercado de navegadores, segundo o Netmarketshare) para diminuir a ação de concorrentes. Ao mesmo tempo, a companhia faz esse monitoramento por outros meios — produtos como Analytics, Trends e até Gmail têm alguma capacidade de rastreamento e de traçar perfis de usuários.
Ainda não se sabe se as investigações resultarão em ação legal contra o Google, mas vale lembrar que suas práticas publicitárias já lhe renderam um processo. Desde 2020, a companhia é acionada na Justiça americana por supostamente manter sua hegemonia com práticas ilícitas, ao forçar acordos com empresas para que adotem o Google Search como o buscador padrão de suas plataformas.
O Google de defende das acusações. “A enorme concorrência nas ferramentas de publicidade tornou os anúncios online mais baratos, com cachês reduzidos e opções expandidas para anunciantes e editoras.” Na semana passada, Jerry Dischler, vice-presidente e gerente-geral de publicidade da empresa, disse que as preocupações com a privacidade continuam a acelerar. “Não acreditamos que o monitoramento de indivíduos pela web vá sobreviver ao teste do tempo.”
Fim dos “cookies” abre espaço para outras ferramentas
A ironia é que eliminar alguns “cookies” do navegador pode, na prática, não significar nada. Existem vários outros meios de manter ativo o monitoramento de internautas e seus comportamentos online.
Bennett Cyphers, especialista em segurança digital pela Electronic Frontier Foundation (EFF), argumenta que as empresas podem simplesmente mudar o foco e exigir que o usuário forneça um e-mail para ter acesso aos conteúdos. “Não acho que [declarar o fim dos “cookies”] seja um passo adiante na luta por privacidade. Quando muito, só vai irritar ainda mais as pessoas. Eu diria que é um passo para o lado”, avalia.
Já a brasileira Barbara Simão, que coordena as pesquisas da InternetLab, levanta outra possibilidade. Os flocs (sigla em inglês para “Aprendizagem Federada de Grupos”) pode se tornar o recurso usado para monitorar o comportamento dos usuários online.
A diferença é a que eles usam informações não identificáveis: em vez de lidar com nome, endereço e IP, por exemplo, eles sabem o idioma das configurações e o modelo do celular em uso. Os flocs, então, juntam esses dados anônimos a informações de outros usuários para traçar um perfil médio que é colocado à venda para agências de publicidade e outros agentes do setor. E o Google é um dos nomes que favorece os flocs.
Por enquanto, é difícil dizer se uma ação judicial pode ser tomada contra o Google por isso. Aliás, o fim dos “cookies” nem é uma medida nova — antes do Google, a fundação Mozilla e a Apple (donas dos navegadores Firefox e Safari, respectivamente) adotaram medidas similares e nem por isso foram investigadas.
Por outro lado, nem a Mozilla, nem a Apple têm o poder do Google no mercado publicitário digital. Por ora, sabe-se apenas que perguntas estão sendo feitas. Para saber se isso vai dar em algo, vai ser preciso esperar.
Fonte: Reuters / Netmarketshare / UOL