“Antes de conversar sobre diversidade, precisamos conversar sobre desigualdade“. Foi assim que a filósofa e ativista Djamila Ribeiro, um dos reconhecidos nomes da atualidade quando o assunto é feminismo e combate ao racismo, iniciou o bate-papo online com jornalistas, realizado nesta segunda-feira (22), oferecido pela IBM.

A conversa, que focou na importância de falar sobre diversidade e inclusão na sociedade e nas empresas, contou também com a participação de Katia Vaskys, gerente geral da empresa para o Brasil.

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Djamila continua sua fala explicando que quando o assunto é desigualdade, é preciso, antes de tudo, entender que há raízes e desdobramentos que precisam ser estudados para que sejam, então, desconstruídos em prol da implementação de uma diversidade sólida.

Imagem é composta por vários quadros, cada um com rostos diversos, de diferentes pessoas, demonstrando um cenário de diversidade e inclusão
Antes de falar sobre diversidade, é preciso discutir desigualdade, defende a filósofa e ativista Djamila Ribeiro. Crédito: Shutterstock

“É preciso entender porque, em um país tão grande quanto o nosso, onde a maioria da população é composta por pessoas negras e mulheres, essa maior parte está apartada de uma série de direitos e espaços de poder”, diz.

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Refletir sobre isso é só o primeiro passo para um discussão que está apenas no início. “Diversidade será o debate mais longo que esse país terá”, resume.

Corrobora com essa afirmação um dado trazido por Katia, constatado pelo Institute for Business Value (IBV) da IBM: igualdade não está entre as 10 áreas de investimento prioritário de 70% das empresas entrevistadas.

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“Isso mostra o quanto esse é um assunto urgente e necessário”, ressalta a executiva. O estudo avaliou o impacto da pandemia nos aspectos de diversidade e inclusão, e contou com 2,6 mil entrevistas com executivos de 10 setores do mercado, em 9 países.

Se o assunto é tão urgente, como, então, ser agente ativo de mudança dentro do contexto corporativo?

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Os 3 passos para iniciar a transformação

Não há dúvidas de que mudanças precisam ser profundas e constantes para que, de fato, provoquem transformações. Mas se as empresas – e a sociedade como um todo – quiserem promover esse futuro que é tão falado, mas destoa muito a prática da teoria, é preciso começar para avançar.

Assim, extraímos do bate-papo três pontos que podem auxiliar empresas e colaboradores a tecer uma estratégia robusta. Lembrando que ainda há muito o que ser feito, mas são bons pontos de partida:

1. Quebrar estereótipos e mudar a mentalidade

Djamila lembra uma frase icônica de Simone de Beauvoir para explicar uma questão cultural, que predispõe a limitação de mulheres a certos lugares na sociedade: “Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres”.

Tal frase reflete a cultura que compõe a sociedade hoje, a qual determina e limita locais ditos apropriados para mulheres – e, seguindo a mesma lógica, demais grupos minoritários.

Nesse contexto, torna-se imperativo quebrar padrões e desnaturalizar estereótipos para promover a mudança de mentalidade.

“Quando criamos estereótipos de que negros, mulheres, pessoas LGBTQ+ só podem fazer determinados trabalhos, estamos, na verdade, legitimando esse discurso, de que essas pessoas não podem estar em todos os lugares”, observa. Assim, continua Djamila, é importante a construção de ambientes que não compactuam com esse senso comum.

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Para Katia, a mudança de mentalidade vem com aprendizado e escuta. Ela cita como exemplo uma iniciativa da IBM denominada “mentoria reversa”.

Essencialmente, o treinamento visa promover aprendizado a partir do ponto de vista de quem é minoria. “Convidamos profissionais de grupos minoritários para serem nossos mentores. A ideia é realmente conseguir desenvolver empatia e se colocar, de fato, no sapato do outro. Porque não adianta definir programas a partir da minha perspectiva de mundo, preciso enxergar a perspectiva do outro, e isso eu consigo somente com troca, com conversa”, diz Katia.

2. Refletir a sociedade

A filósofa comenta sobre a necessidade das empresas refletirem a construção da sociedade em termos sociais: se a maioria é de pessoas negras e de mulheres porque, dentro das empresas, a maioria ainda é composta por homens brancos vindos de lugares privilegiados?

Partindo desse diagnóstico, pode-se traçar metas mais concretas para promover políticas efetivas. 

Djamila esclarece que iniciativas de diversidade não estão necessariamente visando beneficiar um grupo per si. “São políticas que estão corrigindo desigualdades históricas. Elas não dizem respeito à capacidade, porque isso todos nós temos, mas dizem respeito às oportunidades, que não são as mesmas”, aponta. “[Políticas de diversidade] visam criar oportunidades para grupos que partem de lugares desiguais.”

Katia, que assumiu a liderança da empresa para o Brasil em janeiro, lembra que ela mesma entrou na empresa, em 2010, como fruto de uma iniciativa interna para ampliar o número de mulheres em cargos de liderança. “Sendo mulher, em uma posição executiva e em uma empresa grandiosa como a IBM, não é tarefa fácil e eu poderia facilmente não ter dado certo.”

Assim, ela ressalta o quão importante foi não apenas ter as portas abertas, mas também uma rede de suporte. “Tive mentorias para me posicionar, passei por treinamento e desenvolvimento, até chegar onde estou hoje”, comenta. “Senti na pele um pouco do que é ter a oportunidade de ser privilegiada por um programa, cuja efetividade poderia ser minada se não tivesse o apoio do grupo.”

Sensibilizar o RH é também parte do processo, lembra Djamila. “Em São Paulo, por exemplo, pessoas da periferia, por vezes, têm medo de colocar seus endereços [em currículos], porque a periferia é, por muitos, criminalizada.”

Em um país onde aprender idiomas está relacionado à condição econômica, será que determinada vaga precisa mesmo de inglês fluente? Ou será que é o caso da empresa oferecer oportunidade para a pessoa aprender o idioma, se ela tiver as demais qualificações para o trabalho?

3. Promover a mudança com acolhimento

Esse é um dos pontos mais importantes para organizações que querem, de fato, fazer parte da mudança. Sem o acolhimento necessário para abraçar diferenças e promover a diversidade, a iniciativa se esvazia.

“Além de garantir o acesso, se o ambiente permanece hostil, isso se torna uma maneira de afastar pessoas”, aponta Djamila. É papel das empresas promover um esforço constante junto aos colaboradores, a fim de ser agente de transformação. “Precisamos entender outras realidades para não reproduzir lógicas de opressão.”

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Diversidade traz ganhos financeiros e promove um ambiente propício à inovação.
Crédito: Shutterstock

A contrapartida

A questão da diversidade não apenas promove ambientes mais inclusivos, mas há contrapartidas para o negócio que justificam ainda mais o debate.

A primeira delas é com relação ao argumento financeiro. Djamila usa como exemplo uma lei de cotas estabelecida na Noruega, a qual prevê 40% dos assentos em cargos de chefia ocupados por mulheres em todas as empresas do país.

A política, criada por um homem, leva o argumento de que quanto mais mulheres economicamente ativas, melhor para a economia local.

Nesse pacote, a inovação vem atrelada. Isso porque quanto mais diverso um grupo, mais uma empresa ganha em criatividade. “Um grupo homogêneo, com pessoas provenientes dos mesmos lugares sociais e com experiência similares, tem mais dificuldade em ganhar inovação e criatividade porque, às vezes, tem uma visão de mundo e de trabalho mais restrita”, diz Djamila. “É importante ter contato com outras realidades, porque se não, acreditamos que a nossa é a realidade do todo.”