Pesquisadores da Universidade de Cambridge desconfiam que o XENON1T, equipamento mais sensível já desenvolvido para detecção de matéria escura, e que registrou um grande número de eventos sem explicação em 2020, pode ter sido “enganado” pelo Universo. Isso porque os fenômenos identificados à época podem ser, na verdade, energia escura, e não matéria escura.

O detector de matérias escuras XENON1T esteve em operação entre 2016 e 2018 no subsolo do Laboratório Nacional de Gran Sasso, na cordilheira dos Apeninos, na Itália – PURDUE UNIVERSITY

O XENON1T esteve em operação entre 2016 e 2018 no subsolo do Laboratório Nacional de Gran Sasso, na cordilheira dos Apeninos, na Itália. Trata-se de um tanque com 3,2 toneladas de um gás chamado xenônio, em estado liquefeito ultrapuro, que acende quando identifica interações entre os átomos de xenônio e partículas que passam por ele.

Projetado para buscar supostas partículas pesadas de matéria escura chamadas WIMPs (sigla em inglês para partículas massivas que interagem fracamente), o equipamento teve suas observações publicadas em um relatório de junho de 2020, que, agora, tem seus resultados contestados pelos cientistas britânicos.

Entenda a diferença entre energia escura e matéria escura

Primeiro, é preciso entender a diferença entre um conceito e outro. Ambos são nomes dados a coisas misteriosas que parecem interferir no comportamento do Universo e de tudo o que ele abrange.

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Em relação à matéria escura, ela é ‘matéria’, porque é possível medir sua existência por meio da força gravitacional que ela exerce. E é ‘escura’ pelo fato de não emitir nem refletir nenhuma luz. Essa segunda propriedade é exatamente o que dificulta seu estudo.

Isso porque as observações dos corpos celestes são feitas a partir da luz ou de outro tipo de radiação eletromagnética emitida ou refletida por eles. A matéria escura, por não fazer nenhuma dessas coisas, é ‘invisível’. Mas, ainda assim, ela existe.

Já a energia escura é uma pressão que atua no sentido contrário ao da gravidade, provocando repulsão sobre a matéria, e que os cientistas acreditam ser a responsável por acelerar a expansão do Universo – cujo início ocorreu há 7,5 bilhões de anos

Atualmente, acredita-se que a matéria normal constitui apenas 5% do Universo, sendo 27% constituído por matéria escura e 68% por energia escura. Isso significa que 95% do Universo é desconhecido para nós, segundo pesquisas recentes da cosmologia.

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“Apesar de ambos os componentes serem invisíveis, sabemos muito mais sobre a matéria escura desde que sua existência foi sugerida já na década de 1920, enquanto a energia escura não era conhecida até 1998”, explica Sunny Vagnozzi, astrofísico do Instituto Kavli de Cosmologia de Cambridge, autor principal do estudo atual. “Experimentos em grande escala, como o XENON1T, foram projetados para detectar diretamente a matéria escura procurando por sinais desse fenômeno ‘atingindo’ a matéria comum, mas a energia escura é ainda mais imprecisa”.

Enquanto os físicos têm certos conceitos para explicar a matéria escura, como áxions, WIMPs, SIMPs e buracos negros primordiais, por exemplo, a energia escura ainda é um grande enigma.

De acordo com a pesquisa da Universidade de Cambridge, publicada esta semana no acadêmico Physical Review D, os sinais de alerta do XENON1T, que, à época, foram compreendidos como identificação de matérias escuras, poderiam, na verdade, estarem captando a força desconhecida da energia escura. 

Pesquisas recentes da cosmologia apontam que o Universo é constituído por apenas 5% de matéria normal, 27% por matéria escura e 68% por energia escura. Imagem: Triff – Shutterstock

Acreditava-se que o excesso de sinais poderiam ser explicados por áxions saindo do Sol, no entanto, ainda havia lacunas, pois isso exigiria uma revisão do que se sabe sobre as estrelas. 

“Na época, a explicação mais simples para o excesso eram os áxions – partículas hipotéticas extremamente leves – produzidos no Sol. No entanto, essa explicação não resiste às observações, uma vez que o número de áxions que seriam necessários para explicar o sinal XENON1T alteraria drasticamente a evolução de estrelas muito mais pesadas do que o Sol, em conflito com o que observamos”, explica Luca Visinelli, pesquisador do Frascati National Laboratories na Itália e coautor do estudo.

Segundo Visinelli, se o instrumento tivesse realmente detectado matéria escura, outros experimentos também apontariam para algo semelhante. As novas diretrizes foram bem recebidas pela comunidade científica. “Foi surpreendente que esse excesso pudesse, em princípio, ter sido causado pela energia escura em vez da matéria escura. Quando as coisas se encaixam assim, é realmente especial”.

Se isso for comprovado, realmente será um grande passo para a cosmologia. Embora tenha tanta importância na expansão do Universo, a energia escura ainda não foi identificada. 

Muitos modelos sugerem que pode haver uma quinta força além das quatro fundamentais conhecidas: gravidade, eletromagnetismo, força nuclear forte e força nuclear fraca. Ela estaria oculta até que obtenhamos alguns dos fenômenos de maior escala, como a expansão gradualmente rápida do Universo.

De acordo com o The New York Times, a próxima geração de XENON1T, chamada XENONnT, foi programada para ter suas primeiras execuções experimentais ainda em 2021. As atualizações do experimento irão validar qualquer ruído para ajudar os cientistas a identificar o que exatamente está mexendo com o detector subterrâneo.

*O texto teve a supervisão do divulgador científico com mestrado em cosmologia Felipe Sérvulo, convidado desta sexta-feira (24) do Olhar Espacial

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