A identidade de um animal antigo vem gerando controvérsia na comunidade científica: descoberto em julho de 2015 no Brasil, o fóssil do “Tetrapodophis amplectus” foi originalmente classificado como uma “cobra de quatro patas”, que seria uma espécie de elo perdido na evolução dos animais. Porém um segundo estudo, publicado recentemente pela Universidade de Toronto-Mississauga (UTM), no Canadá, afirma que se trata, na verdade, de um tipo muito antigo de lagarto.

E a coisa não para por aí, pois os autores do estudo mais recente não pouparam críticas à primeira pesquisa, medindo poucas palavras para elucidar como a resposta original não corresponde à ciência de fato.

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Fóssil de suposta "cobra de quatro patas" é, na verdade, de um lagarto, segundo estudo que revisou objeto pré-histórico encontrado no Brasil
Fóssil de suposta “cobra de quatro patas” é, na verdade, de um lagarto, segundo estudo que revisou objeto pré-histórico encontrado no Brasil (Imagem: Robert Reisz/UTM/Reprodução)

“Eu fiquei muito bravo de ver esse tipo tão pobre de ciência ser publicado em um jornal científico de primeira linha”, disse Robert Reisz, professor de Biologia da UTM e autor primário do paper atual. “Assim que a publicação original saiu, em 2015, nós fizemos ‘um escarcéu’ para garantir acesso direto ao espécime e, finalmente, pudemos estudá-lo. E basicamente fizemos – direito – um trabalho de detetive que nos levou à conclusão muito mais plausível de que (o animal) não é uma cobra, mas sim um lagartinho”.

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Segundo Reisz, as primeiras suspeitas começaram na forma como o fóssil foi obtido: desde os anos 2000, o governo brasileiro proibiu a exportação de fósseis, apelando a uma resolução da década de 1940, que afirma que fósseis encontrados aqui são patrimônio nacional. Esse fóssil, no entanto, foi enviado para fora do país de forma ilegal. Um colecionador particular o obteve e permitiu que os pesquisadores originais – da Alemanha – o examinassem.

“Foi muito antiético”, disse Reisz. “Existem leis que protegem esses tesouros nacionais e nós temos a obrigação de respeitá-las e trabalhar junto do sistema local ao invés de se deixar levar pela tentação de obter um fóssil empolgante por meios ilegais”.

Junto do também biólogo Michael Caldwell, da Universidade de Alberta, Reisz foi até a Alemanha para analisar o espécime, que estava armazenado em um museu privado de pequeno porte, que faz pequenas exibições locais de artefatos pré-históricos.

“Nós o re-estudamos, passamos uns dias com ele, e descobrimos que a evidência disponível era muito melhor do que a apresentada pelos autores originais, pois, além do fóssil em si, haviam muitas impressões fossilizadas”, disse Reisz.

Segundo ele, fósseis se formam entre camadas rochosas. A “impressão fossilizada” é literalmente isso – a marca que um fóssil deixa dentro de uma pedra – e ela é extremamente precisa. Neste caso, a rocha de onde foi tirada a impressão do fóssil estava dividida ao meio, com o corpo do esqueleto de um lado; o crânio de outro.

Por causa disso, um lado da rocha gravou a impressão do outro lado. Neste ponto, segundo Reisz, é que reside o erro do estudo original: os autores alemães ignoraram o fato de que a impressão do crânio mostrava que o animal era “mais próximo de um lagarto do que de uma cobra”.

As cobras, disse o cientista, têm diversas micro articulações cranianas mais flexíveis – é por essa razão que elas conseguem, por exemplo, engolir presas maiores que elas. No fóssil, a caixa craniana era mais rígida e menos dividida.

Os cientistas canadenses também descobriram que as afirmações do estudo original sobre o arranjo dos dentes do animal eram falsas: “os dentes de uma cobra são bem curvados, para prevenir qualquer movimento involuntário da mandíbula e para fazer com que as presas capturadas se movam apenas em uma direção – para dentro da boca”, disse Reisz.

Em outras palavras: os autores alemães entenderam como “cobra” tudo o que, na verdade, era “lagarto”.

Enfim, a conclusão definitiva do estudo afirma que o fóssil é, na verdade, um pequeno lagarto marinho que provavelmente data do período Cretáceo, e o formato das patas é símbolo de como esses animais se adaptaram ao ambiente da época. Para Reisz, isso tudo serve como prova de que “a ciência é, antes de tudo, a busca pela verdade, e quanto mais perto chegarmos dela, melhor”.

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