Guerra na Ucrânia deve acelerar o fim da gasolina – talvez nem acontecesse se já houvesse chegado

A guerra da Rússia com a Ucrânia não só é viável por conta do uso de combustíveis fósseis russos na Europa; Putin pode fazer países pararem.
Fábio Marton24/02/2022 14h01, atualizada em 21/08/2023 10h46
Carregador de carro elétrico: podem a Guerra da Ucrânia incentivar a produção
Carregador elétrico - Imagem: A. Krebs/Pixabay/CC
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Guerra é uma catástrofe humana. De forma alguma a gente está sugerindo aqui um cenário “males que vem para bem”. Mas a situação da Guerra na Ucrânia, tem, sim, relação com a transição para energia sustentável, tanto em veículos quanto em geração de eletricidade. Inclusive é razoável dizer que ela seria impossível se essa transição já tivesse sido feita.

Precedente em 1973

É um evento local, mas que pode ter consequências tão grandes como a crise do petróleo de 1973, quando um boicote dos produtores levou a mudanças radicais na indústria, do fim da era dos carrões até o programa do álcool brasileiro.

No bolso do consumidor, simplesmente o preço do combustível pode se multiplicar – e o petróleo acaba de atingir seu maior valor desde 2014. Mas há uma teia de relações de poder bem mais ampla nisso.

Em 1973, houve falta de petróleo. Hoje o problema é de onde ele vem. Existe outra coisa por trás da rápida pressão para o fim do uso do combustível fóssil na Europa além de tentar evitar ou amenizar a catástrofe climática em andamento. É que os países da Europa têm um problema geopolítico nas mãos com seu suprimento de combustíveis fósseis, e esse problema atende por Rússia. O país provém a maior parte do petróleo e gás natural usados na União Europeia.

E os dois são indissociáveis. Além da óbvia dependência do petróleo nos combustíveis das bombas, a eletrificação também é ligada ao gás natural. Esses carros, carregando na tomada, neste momento estão usando indiretamente o gás natural, via termelétricas. Mas trocar permite uma maior flexibilidade: com elétricos, se você muda as usinas, muda também a energia em todos os carros.

Dependência da Rússia permite Guerra na Ucrânia

Mas quanto a Europa Ocidental depende de Putin? A Rússia proveu no primeiro semestre de 2021, segundo números da Comissão Europeia, 25% do petróleo da Europa. O segundo maior fornecedor, com 9,1%, é a Noruega, que não é membro da União Europeia, mas tem relações e acordos próximos. Mas o terceiro, com 8,9%, é o Cazaquistão, um país aliado da Rússia, que depende da Rússia para tecnologia de extração, e cujo mercado de petróleo tem presença forte de empresas russas.

Assim, falamos em mais de um terço do petróleo simplesmente sumindo do dia para a noite. E essa situação é diferente conforme o país: na Alemanha, a Rússia sozinha tem 34% do petróleo. A Alemanha sendo o maior e mais rico membro, ter a Alemanha de refém é ter a União Europeia. Para fazer guerra na Ucrânia ou, basicamente, o que quiser.

E a gente nem falou de gás natural. Nesse caso, por volta da metade vem da Rússia. Na Alemanha, são dois terços (63,7%). De fato, na última terça-feira, a crise com a Ucrânia levou ao chanceler alemão Olaf Schol anunciou a suspensão da liberação da linha Nord 2 de gás natural, ligando Alemanha e Rússia pelo mar báltico.

Gás natural não move carros diretamente (como é opção no Brasil), mas, num país em que 25% da produção é de termelétricas a gás, como na Alemanha, move seus elétricos. A Alemanha, aliás, aumentou sua produção de energia termelétrica desde 2012, quando a chanceler Angela Merkel anunciou a desativação de seu parque nuclear em resposta ao desastre de Fukushima.

A Rússia, mesmo sendo vista como um parceiro indesejável, tem vantagens grandes na exportação de combustíveis fósseis. A proximidade permite exportá-los por tubos, o que é muito mais barato e conveniente que navios, particularmente para gás natural.

Como as coiss são, se a Rússia fechar a torneira, a Europa pode parar (ou penar muito). Por causa disso, países Europeus precisam andar sobre ovos para propor qualquer ataque, mesmo econômico, à Rússia. As sanções que foram feitas até hoje envolvem exportação de tecnologia a empresas russas, mas simplesmente não há como parar de comprar da Rússia

A confiança de Putin em entrar em Guerra com a Ucrânia, assim, tem ligação com a Europa importar petróleo e gás. E o timing também: daqui há dez anos, seria difícil de imaginar uma reação tão branda como a que está acontecendo até agora. E, muito possivelmente, a guerra faça com que legisladores e empresas tentem transformar esses dez anos em cinco.

“Redobrando os esforços”

É o que eles já estavam dizendo antes da guerra. No último sábado, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, falou sobre o assunto numa conferência de segurança. “Uma União Europeia forte não pode ser tão dependente num fornecedor de energia que ameaça [nota: então era só ameaça] começar uma guerra no nosso continente”, afirmou. “Nós vamos redobrar [nossos esforços] nos renováveis. Isso vai aumentar a independência estratégica [da UE] na energia.”

Uma fonte governamental revelou anonimamente à agência Reuters semana passada que uma nova estratégia da União Europeia deve ser revelada no próximo dia 3. Segundo ele, no curto prazo, as empresas devem ser obrigadas a estocar gás durante o verão para evitar a dependência da Rússia no inverno, quando o consumo (para aquecimento) atinge o pico. E o uso de combustíveis fósseis na UE deve ser cortado em 40% até 2030.

“Estamos tentando nos desmamar do gás russo”, afirmou. “Quando chegar o tempo, em 2028, 2029, 2030, e a Rússia decidir nos bloquear, nós poderemos dizer: ‘Tudo bem’“.

“Se quisermos mesmo parar de tornar Putin muito rico no longo termo, precisamos investir em renováveis e precisamos fazer isso rápido”, afirmou o comissário europeu para ação climática Frans Timmermans já em janeiro, antes de as tensões que levaram à Guerra da Ucrânia chegarem ao pico. “Se você quer ter certeza que possamos prover energia estável e barata para nossos cidadãos, os renováveis são a resposta.”

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Fábio Marton é redator(a) no Olhar Digital