Um relatório global conduzido pela ONG Human Rights Watch (HRW) descobriu que milhares de crianças tiveram seus dados privados coletados de forma secreta por sites e apps utilizados para transmissão de aulas online — inclusive no Brasil. Segundo o estudo, 89% dos apps analisados “colocaram em risco ou violaram diretamente a privacidade e outros diretos das crianças para fins não relacionados à sua educação”.

O relatório, lançado nesta semana no EdTech Exposed, um consórcio de jornalismo investigativo que reúne diversos veículos de mídia no mundo, analisou aplicativos ou plataformas disponíveis em 49 países: além do Brasil, países desenvolvidos como Alemanha, França, Itália, Espanha, EUA e Reino Unido e em desenvolvimento como China, Argentina, Zâmbia, África do Sul e Burkina Faso.

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Nove apps brasileiros foram mencionados no relatório, dois deles financiados por governos: Estude em Casa, ligado ao governo estadual de Minas Gerais; Centro de Mídias da Educação de São Paulo, ligado ao governo estadual de São Paulo; Descomplica, Dragon Learn, Escola Mais, Explicaê, Manga High, Revista Enem e Stoodi. Neste sentido, o governo de São Paulo recomendou todos os aplicativos, exceto o Estude em Casa.

Boa parte dos aplicativos — chamados nos EUA de edtech — usava os dados da crianças para compartilhar com empresas, como Google e Facebook, e companhias de publicidade digital (as ad tech). Sobre a questão, o Google, em nota ao Olhar Digital, disse que exige de desenvolvedores e clientes o cumprimento de proteção de dados.

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“Há muito tempo temos priorizado a criação de uma experiência on-line de aprendizado mais segura e acessível para crianças e adolescentes, o que foi especialmente relevante durante a pandemia”, explicou a empresa. “Em todas as nossas plataformas, nós exigimos que desenvolvedores e clientes cumpram proteções de dados e privacidade e proibimos qualquer anúncio personalizado ou remarketing para contas de menores de idade. Estamos investigando as denúncias específicas relatadas no estudo e vamos tomar as medidas apropriadas se encontrarmos violações de políticas.”

Stoodi fez uso de keylogging para coletar dados

O estudo do HRW analisou 164 produtos entre março e agosto de 2021 e extraiu a partir daí a frequência e predominância com que cada tecnologia de monitoramento foi inserida. De acordo com o relatório, a maior parte dos apps — 147 (89%) — mais recebia dados das crianças do que compartilhava. No monitoramento, os apps analisavam os dados sobre quem eram as crianças, onde estavam, o aparelho utilizado na comunicação e o que faziam na sala de aula. As informações, segundo o estudo, eram enviadas para empresas de tecnologia de publicidade online.

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“As crianças correm um risco ainda maior de manipulação pela publicidade comportamental online”, explica Hye Jung-han, pesquisadora sobre tecnologia e direitos das crianças do HRW nos EUA e responsável pela elaboração do relatório. “Quando os dados das crianças são coletados para publicidade, algoritmos sofisticados extraem e analisam grandes quantidades de dados pessoais com o objetivo de personalizar os anúncios com precisão. Esses anúncios são incorporados em plataformas digitais personalizadas que obscurecem ainda mais as distinções entre conteúdo orgânico e pago.”

Captura de coleta de dados por app Stoodi
Evidências encontradas pelo relatório da HRW sobre keylogging em tempo real utilizado pela Stoodi (Hye Jung-han/Human Right Watch)

Uma das empresas que tiveram a atuação negativamente destacada pelo relatório da HRW foi a Stoodi. Segundo o relatório, a empresa, sem informar pais ou estudantes, enviava dados de alunos para uma companhia de propaganda digital, a VE Global. A tecnologia utilizada na colheita de dados, chamada de key logging, era particularmente nociva: uma vez que uma criança digitasse seu nome no website, a Stoodi capturava imediatamente seu nome (visto no log de comando como filter, veja na imagem acima) e a enviava para o endereço URL “https://drtcusa.veinteractive.com/FormMappings”.

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Sobre a questão, a Stoodi negou todas as informações, dizendo que não vende ou cede informações de usuários e que não tem contrato com a VE Global. Segundo a empresa, o uso de ad trackers (rastreadores de dados para anúncios) e cookies (estruturas de dados em sites e apps que rastream o comportamento de uma pessoa)não ferem também a política de dados.

Crédito da imagem principal: Aleksandra Suzi/Shutterstock

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