Hipersensibilidade, inchaço contínuo, sensação de peso nas pernas, celulite e equimoses (manchas roxas). Esses são apenas alguns dos sintomas de quem tem lipedema, uma síndrome gordurosa dolosa que foi, em janeiro deste ano, considerada oficialmente como doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo adicionada a CID 11 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde

Comumente confundida com obesidade – e que já fique claro que não é -, o lipedema é uma doença crônica progressiva da gordura que ocorre principalmente em mulheres. É caracterizada por ser bilateral, com excesso simétrico de tecido gorduroso nos braços, pernas e tornozelos. A síndrome é uma inflamação que resulta em inchaço, dores e aspecto deformado da região afetada, e que piora a depender do tipo de alimentação e mudanças hormonais (por isso as mulheres são o alvo).  

publicidade

A grosso modo, ela pode ser chamada como ‘a doença da gordura fora do lugar’, e muitas vezes é relatada dentro da família como uma característica típica dos integrantes – como quando a maioria das mulheres da família são conhecidas por terem pernas grossas. Achou familiar? Então continue lendo!

Locais em que o lipedema pode se desenvolver. Imagem: shutterstock/Pikovit

Por que o lipedema se desenvolve? 

Não existe uma causa específica para o surgimento do lipedema, no entanto, o gatilho hormonal é o mais comum, com o início dos sintomas aparecendo em períodos como puberdade, gravidez ou menopausa., que são momentos de grande variação hormonal. Muitos médicos também suspeitam de uma origem genética – para alguns, o principal fator de predisposição é hereditário. 

publicidade

A pergunta de milhões para quem sofre de lipedema é: como saber se tenho a doença? O diagnóstico de lipedema ainda é, digamos, complexo, já que não existe um exame X que aponte um positivo ou negativo para a condição. Porém, médicos especialistas que lidam com o problema já possuem um olhar apurado para as características da síndrome, principalmente porque ela é visual (é visível algumas deformidades e nódulos causados pelo acúmulo desproporcional de gordura). Além disso, já existe um protocolo que orienta esses profissionais no diagnóstico, e ele foi publicado por um médico brasileiro, o qual conversou com exclusividade com o Olhar Digital sobre o tema. 

“Publicamos no ano passado o primeiro protocolo do mundo para o diagnóstico do lipedema pelo ultrassom. Fico orgulhoso em poder dizer que nosso protocolo está disponível para ser utilizado por todos e está sendo aplicado no mundo inteiro”, disse o Dr. Alexandre Amato, cirurgião vascular da clínica Amato e um dos maiores especialistas em lipedema de São Paulo. 

publicidade

“[no entanto] apesar de ser um excelente exame para o diagnóstico do lipedema, apenas com uma boa anamnese e exame físico é possível chegar ao diagnóstico conclusivo. O lipedema já havia sido demonstrado em outros exames como a ressonância magnética, tomografia e DEXA, mas são exames invasivos, caros e nem sempre disponíveis. O ultrassom é vantajoso exatamente por ser amplamente disponível”, completou.

Leia mais! 

publicidade

Quais os sintomas de lipedema? 

Conforme mencionado, entre os sintomas de lipedema estão: dor, sensação de inchaço, sensibilidade ao toque, roxos frequentes (aqueles sem causas aparentes), sensação de peso nas pernas e, em algumas portadoras, pés constantemente frios. É importante ressaltar aqui que os dois lados (seja pernas ou braços) são afetados de forma relativamente simétrica, ou seja, um lado não é grosseiramente diferente do outro – como ocorre no linfedema. 

De acordo com o Dr. Fábio Kamamoto, cirurgião plástico diretor do Instituto Lipedema Brasil e fundador da ONG Movimento Lipedema, também em entrevista ao Olhar Digital, grande parte dos sintomas pode ser ‘diagnosticado’, inclusive, pelo próprio paciente, como no caso da desproporção do corpo: cintura fina e pernas grossas com hematomas e dores nas pernas. No caso do exame físico há: nódulos de gordura nos membros, pele dessa região mais fina e fria, menos pelos e “garrote” nos tornozelos e punhos – claro que isso não descarta, de forma alguma, a avaliação médica. 

Tipos do lipedema. Imagem: Intituto Lipedema Brasil

Mulheres com lipedema podem usar anticoncepcional ou engravidar? 

Existe uma relação entre a variação de hormônios femininos (anticoncepcionais, tratamento para engravidar, gestação e menopausa) e o desenvolvimento de lipedema, o que gera muitas dúvidas em mulheres que usam anticoncepcional e nas que pretendem engravidar – e já possuem um diagnóstico de lipedema. 

“O anticoncepcional é uma medicação que pode provocar o crescimento de células de gordura nos braços e pernas. Caso a paciente observe uma piora dessas regiões do corpo após iniciar o uso de anticoncepcionais deve conversar com seu médico sobre este efeito colateral. As mulheres com lipedema devem evitar, quando possível, o uso de anticoncepcionais e tomar cuidado para não ganhar peso excessivo durante a gestação pois essas duas situações são gatilhos para a descompensação do lipedema”, explicou Kamamoto, que também é um dos especialistas em Lipedema mais procurados em São Paulo.

Ilustração de anticoncepcional. Imagem: shutterstock/KaryB

Neste contexo, o Dr. Amato ainda acrescentou que, nos casos dos anticoncepcionais, se os sintomas começaram com o uso do fármaco, o ideal seria ficar um período sem a famosa pílula para avaliar a mudança corporal. Já para as mulheres que querem engravidar, o lipedema não deve ser um empecilho.

“Acho a vida muito mais importante que o lipedema. O lipedema conseguimos consertar depois. Uma gravidez, existe um momento que ela pode ocorrer, depois não pode mais. Não se deve parar a vida por causa do lipedema”, opinou o cirurgião vascular. 

Lipedema tem tratamento e cura?  

Neste ponto, ambos os médicos são, novamente, complementares e firmes: não há uma cura para lipedema. Porém, há tratamentos muito eficazes que melhoram a qualidade de vida da paciente, mas a detecção precoce é extremamente importante para o sucesso do método terapêutico, que visa reduzir os danos progressivos. 

“É importante ressaltar a importância do diagnóstico precoce: quando a adolescente começa a ter vida hormonal e apresenta dores nas pernas, hematomas e um crescimento desproporcional na região das pernas e coxas é necessário suspeitar de lipedema”, destacou o Dr. Kamamoto. 

“É uma doença progressiva. Ou seja, a tendência é que piore com o passar dos anos. Portanto, quando não tratado ele pode evoluir para graus cada vez maiores, gerando mais dor, deformidade e desconforto físico e emocional”, acrescentou.  

Aspecto região dos joelhos com lipedema. Imagem: Devulgação/Intituto Lipedema Brasil
Aspecto região dos joelhos com lipedema. Imagem: Devulgação/Intituto Lipedema Brasil

Entre as opções de tratamento está o combo alimentação anti-inflamatória e rotina de exercícios físicos. A cirurgia de retirada da gordura (um tipo de lipoaspiração) também pode ser indicada, a fim de ajudar na redução das dores e possíveis limitações do paciente. A lipolaser, como é chamada, é uma opção duradoura, eficiente, só que mais complexa e delicada que uma lipo abdominal comum (devido as veias da perna, como a safena, que passa na perna e coxa). Embora exista essa opção, o Dr. Amato ressaltou que ela não é um tipo de ação milagrosa, sendo necessário também uma mudança de hábitos. 

“Alguns acreditam que a cirurgia é capaz de solucionar o problema. Não é. A cirurgia é apenas uma ferramenta entre tantas para ajudar no processo de tratamento do lipedema. O tratamento envolve vários pilares, entre eles a alimentação, a atividade física, o controle do estresse, estímulo linfático e estratégias anti-inflamatórias. A dieta anti-inflamatória estratégica e a dieta cetogênica, por exemplo, são estratégias eficazes em muitos casos.” 

Vale pontuar também que o não tratamento leva a uma progressão mais rápida e, em fases mais avançadas, pode ocorrer a perda da mobilidade, o que também aumenta o risco de trombose. Varizes também estão frequentemente associadas com a doença – 48,4% das portadoras de lipedema relataram que já fizeram alguma cirurgia de varizes em sua vida. 

Amato ainda acrescentou que “os tratamentos direcionados para a obesidade muitas vezes não funcionam, sendo necessário amplitude de técnicas direcionadas ao lipedema”, o que nos leva a próxima questão… 

Qual a relação entre o lipedema e a obesidade? 

É importante começar este tópico afirmando que lipedema não é obesidade, mas, pode ser comum que pessoas com obesidade tenham lipedema e nem saibam – como se as duas condições, que são tipos de gordura diferentes, agissem ao mesmo tempo. 

“Nosso estudo de prevalência do lipedema no Brasil mostrou que 67% das pacientes com lipedema possuem IMC acima de 25, ou seja, sobrepeso. Mas na realidade é necessário separar o que é o aumento de peso por causa da obesidade do aumento do peso por causa da gordura lipedêmica. São gorduras diferentes que agem de forma diferente. A gordura que aumenta o risco cardiovascular é a gordura visceral, e não a gordura lipedêmica”, explicou Amato. 

Uma forma de diferenciar o lipedema da obesidade é o local onde a gordura localizada se acumula. Na obesidade o foco é a região abdominal, já no lipedema a gordura se encontra em maior nível em braços e pernas, conforme foto abaixo. 

Diferenças entre um corpo com lipedema e outro com obesidade. Imagem: Divulgação/Instituto Lipedema Brasil
Diferenças entre um corpo com lipedema e outro com obesidade.
Imagem: Divulgação/Instituto Lipedema Brasil

Dito isso, vale destacar que por essa distinção mulheres que tentam eliminar toda a gordura de lipedema na academia podem se frustrar, já que o tipo de gordura, considerada doente, não se dissolve como uma gordura visceral comum – veja bem, isso não significa que os exercícios não ajudem, eles são primordiais, principalmente para a liberação de líquidos, acumulados a partir da inflamação, e para o não progresso da doença. 

Por que poucos médicos conhecem o lipedema? 

O lipedema foi diagnosticado e identificado inicialmente na Mayo Clinic em 1940, ou seja, não é uma doença nova, mas mesmo assim a maioria dos médicos não está familiarizado com ela. “Embora afete entre 9 e 10% das mulheres adultas do mundo, ainda é uma condição que não ganhou a visibilidade necessária nem dentro da sociedade geral ou dentre a comunidade médica. A estimativa é que afete cerca de 5 milhões de mulheres no Brasil”, citou o Dr. Kamamoto. 

Amato também levantou alguns pontos que colaboram para que a doença ainda não seja largamente conhecida entre médicos, um deles é o fato de a condição nem ser abordada durante a faculdade de medicina. “Fui docente universitário até este ano, pedi demissão após 12 anos. Uma das razões que pedi para sair era porque a cada ano que se passava, pediam para simplificar e diminuir ainda mais os assuntos ensinados. Sinceramente, a próxima geração de médicos estará muito mal preparada. Mas, isso é assunto para outra conversa”, observou o cirurgião. 

Dentre os outros motivos listados por ele estão:  

  • O lipedema não possuía nenhum exame de diagnóstico laboratorial simples de ser feito, cuja interpretação fosse: Tem/Não tem. E, com o passar dos anos, médicos começaram a confiar menos em seu exame físico e mais em exames laboratoriais. Como acreditar em uma doença que não podiam fazer o diagnóstico por intermédio de exame de sangue? Deveriam ter conversado com psiquiatras e outras especialidades cuja propedêutica é a base. 
  • Escolha péssima para o nome da doença. Sim. Existe até um movimento internacional para mudança do nome do Lipedema. Porque lipedema parece linfedema até na escrita da maioria dos idiomas! E isso confunde a todos! Não só público leigo, mas médicos também. 
  • Ausência de investimento dos grandes laboratórios. Como não foi encontrado alguma molécula/medicamento que pudesse ser explorado comercialmente, não houve grande investimento em pesquisa clínica sobre o assunto. Nenhuma pesquisa que fiz sobre lipedema teve apoio financeiro externo. Hoje em dia existe uma fundação internacional que está tentando fazer isso. No Brasil, a Associação Brasileira de Lipedema (ABL), organização sem fins lucrativos, está lutando para conseguir verbas para sobreviver, e, se prosperar, ajudando no avanço do conhecimento da doença. 
  • Multiespecialidades. Por ser uma doença que acomete vários diferentes órgãos do corpo: tecido gorduroso, tecido linfático, pele, hormônios, inflamação crônica, articulações, etc., Sempre foi o “problema da outra especialidade” com o jogo do empurra-empurra: o primeiro médico encontrava algum problema não pertencente à sua especialidade e encaminhava para o próximo especialista. Fazendo um ciclo sem fim. A única maneira de lidar com o lipedema é compreender a circulação linfática vascular, os hormônios do endocrinologista, as articulações da ortopedia, a gordura do cirurgião plástico, a pele do dermatologista. Quem é capaz de absorver tudo isso? Poucos. 

Dr. Alexandre Amato também explicou que, logo após a primeira descrição da doença, em 1940, veio a Segunda Guerra Mundial, e o foco foi radicalmente mudado. “A doença foi esquecida por longos anos e só foi lembrada novamente em 1951”. Algo que para o médico, atrasou o desenvolvimento de pesquisas. Vale pontuar aqui que alguns tópicos fazem parte da opinião médica e de vivência e experiência do especialista, não sendo todas, portanto, comprovadas. 

Por outro lado, numa perspectiva mais otimista, o médico Kamamoto salientou que o número de publicações médicas aumentou exponencialmente desde 1997 e as pacientes portadoras têm se organizado em sociedades ao redor do mundo em busca de voz e espaço. O mês de junho, por exemplo, já foi adotado como o mês mundial de conscientização sobre o lipedema. 

 “Uma outra conquista importante foi a inclusão do lipedema na CID 11. Isso significa que a comunidade médica do mundo reconhece o lipedema como uma síndrome”, declarou. 

Médicos de diferentes especialidades. Imagem: shutterstock/Blue Planet Studio

Lipedema e a saúde mental da mulher 

Chegamos aqui em um dos tópicos mais delicados e que tem total ligação com a questão dos convênios – que falaremos mais abaixo. Além do sofrimento físico, o lipedema também causa sofrimento emocional, já que gera culpa em grande parte das mulheres, que veem seus esforços irem pelo ralo ao não ver resultados em suas tentativas de melhora ou, o principal, não terem condições financeiras para realizar o acompanhamento e tratamento do caso. 

“Muitas são taxadas de preguiçosas por não conseguirem emagrecer, mas a questão é que elas podem fazer dietas e exercícios físicos diariamente e, mesmo assim, a gordura continuará em seu corpo porque a gordura do Lipedema não é obesidade, não é algo estético, é uma doença”, afirmou o diretor do Instituto Lipedema Brasil, dr. Fabio Kamamoto.  

Imagem: shutterstock/Tatyana Dzemileva

Ainda por conta da falta de conhecimento e de informação da classe médica, mesmo com a conquista da CID 11 este ano, um dos malefícios para a saúde mental de quem sofre com o Lipedema também é o descrédito. A maioria delas recebe diagnósticos clínicos errôneos de obesidade, alterações linfáticas, entre outros, o que leva a tratamentos inadequados e, por consequência emocional, distúrbios psicológicos como depressão. 

A baixa autoestima diante do aspecto do corpo também é um ponto a ser considerado como agravante, já que a partir disso se perde a autoconfiança e gera frustração, podendo resultar em outros distúrbios, como os alimentares: anorexia ou bulimia. “Ir à praia, usar saias ou shorts torna-se impensável para essas mulheres. O impacto emocional é brutal… elas não se sentem acolhidas nem pelos médicos nem pela sociedade. Tudo isso pesa no quesito saúde mental feminina, um dos assuntos mais discutidos este ano”, avaliou Kamamoto. 

Mulher com anorexia e lipedema na região das pernas.
Imagem: Cedida pelo Intituto Lipedema Brasil

Para a mulher que concilia trabalho doméstico, carreira, estudos, maternidade, relacionamentos e cuidados com a família, ter uma doença crônica e progressiva, ou seja, que piora se não for tratada, o “problema” é maior. Segundo estudo recente do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo que comprovou as consequências para a saúde mental das mulheres, 40,5% delas responderam que desenvolveram sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse. O que se constata com isso? Mulheres estão sobrecarregadas e exaustas. 

O número pode ser ainda pior se considerarmos o atual cenário pós-pandêmico, sem falar no grupo de mulheres de classe baixa com lipedema; convênios não cobrem nem ao menos as consultas, que possuem preços que variam de R$ 500 a R$ 1.100 (o Olhar Digital conferiu os valores com consultórios). Embora grande parte das operadoras trabalhem com o sistema de reembolso, não são todas as pacientes que conseguirão arcar com o gasto por consulta, e no caso da indicação de uma cirurgia, ter como custear o procedimento – que pode chegar a R$ 40 mil. 

Por que convênios não cobrem as consultas e o tratamento de lipedema? 

Em tese, toda doença registrada no CID deveria ter cobertura de convênios. No entanto, uma cirurgia para tratar lipedema, por exemplo, usa métodos de lipoaspiração, procedimento considerado estético por reguladoras e operadoras de saúde. Para o Dr. Amato, a doença sempre esteve incluída no CID, de uma forma ou de outra, não sendo esta a raiz do problema – embora seja uma conquista importante. O especialista explicou também o motivo de as consultas serem tão caras, apontando novamente o problema das multiespecialidades e dos repasses de convênios. 

“Tratamos muitas doenças que não são especificadas no CID. Esse não é o problema. O problema é outro. Com relação a consulta médica, como disse anteriormente, poucos se dedicam ao assunto, e aqueles que o fazem, acabam absorvendo muitas coisas de várias especialidades. Por isso são consultas demoradas e amplas. O convênio paga sim a consulta médica, mas ninguém que atenda lipedema de verdade consegue fazer no tempo ou valor imposto pelo convênio. Com relação à cirurgia, a questão é o rol da ANS, e não o cid. Assunto complexo, mas basicamente, cirurgiões plásticos não vão querer que um procedimento estético como a lipoaspiração entre no rol da ans, assim como os próprios convênios, fontes pagadoras”, explicou o médico. 

Uma consulta médica de lipedema leva em torno de 4x mais tempo do que uma consulta médica normal. Na lógica, médicos que atendem por convênio vão preferir atender quatro pacientes ao invés de uma só para conseguir alcançar um valor que compense seu tempo e serviço – o mesmo se aplica na justificativa pelas consultas particulares serem tão caras. 

plano de saúde
Imagem: Arquivo/Agência Brasil

Recentemente, foi aprovado no Senado um projeto de lei (PL) que obriga os planos de saúde a cobrirem tratamentos que não estejam na lista de previstos e autorizados pela ANS (Agência Nacional da Saúde Suplementar), derrubando assim o chamado “rol taxativo” – aprovado em junho pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O rol taxativo desobrigou as operadoras de saúde de pagarem por procedimentos e tratamentos que não estivessem listados no rol, algo que dificultou, inclusive, pedidos de tratamentos diante da Justiça (ou seja, processos para que as operadoras fossem obrigadas a pagar tratamentos não listados). 

O projeto que derruba a decisão do STJ veio da Câmara dos Deputados, tendo sido aprovado sem mudanças. Agora, ele segue para sanção presidencial. Saiba mais detalhes aqui!

Para ambos os especialistas a decisão do STJ dificulta ainda mais o acesso de portadoras de lipedema ao tratamento. Apesar do PL aprovado no Senado, o Dr. Kamamoto lembrou que a CID é uma convenção mundial, mas cada país precisa fazer a sua regulamentação interna para que o tratamento seja oferecido no seu sistema de saúde. A inclusão de um tratamento no Brasil é regulada pelo SUS e pela ANS.  

Ao Olhar Digital, a ANS esclareceu que a Resolução Normativa (RN) 465/2021, que lista a cobertura obrigatória pelos planos de saúde, considera a 10ª edição da CID. Ou seja, a CID-11, embora já vigente em alguns países, ainda não se tornou obrigatória nem foi implementada no Brasil por não ter sido feita a sua tradução oficial. Dessa forma, quando a CID-11 for adotada oficialmente, ocorrerá a revisão de todas as Diretrizes de Utilização (DUTs) da RN 465/2021. 

Confira abaixo nota na íntegra:

Importante salientar que as operadoras de planos privados de assistência à saúde são obrigadas a oferecer todos os procedimentos previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde vigente, para atendimento integral da cobertura prevista nos artigos 10, 10-A e 12, da Lei 9.656/1998, de acordo com a segmentação assistencial, área geográfica de abrangência e área de atuação do produto, dentro dos prazos máximos de atendimento previstos na RN 259/2011, observando-se o cumprimento dos prazos de carência e/ou cobertura parcial temporária, conforme o caso. No caso de alguns procedimentos, podem ser exigidas algumas condições (diretrizes de utilização) para que a cobertura seja obrigatória. 

Cabe destacar, ainda, que compete à ANS elaborar o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, mas a Lei 9.656/1998, em seu artigo 10, exclui a obrigatoriedade de cobertura para os procedimentos que tenham finalidade estética. 

Destaca-se que, atualmente, o lipedema é considerado um distúrbio. Assim sendo, os beneficiários podem usufruir das tecnologias constantes no rol para seu tratamento, sob indicação do médico, mesmo não constando na CID-10, desde que os procedimentos propostos não sejam caracterizados como procedimentos estéticos. 

Por fim, a Agência salienta que na saúde suplementar a incorporação de novas tecnologias em saúde e a definição de regras para sua utilização é regulamentada pela Lei 9.656/1998 (alterada pela Lei 14.307/2022) e pela RN  470/2021, que dispõem sobre o rito processual de atualização do Rol.  Assim, sugestões para a incorporação de novos procedimentos ao Rol ou para a alteração das diretrizes de utilização atualmente vigentes podem ser apresentadas, por qualquer pessoa física ou jurídica, através do FormRol, disponível no site da ANS (https://www.gov.br/ans/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-da-sociedade/atualizacao-do-rol-de-procedimentos), sendo analisadas pela Agência conforme o cumprimento do fluxo estabelecido na legislação.

Médicos precisam se conscientizar sobre o lipedema

Outro ponto essencial de se mencionar é a necessidade da comunidade médica se aprofundar no tema, garantindo não apenas atendimento personalizado e assertivo, mas colaborando no avanço das pesquisas sobre a doença. 

“O caminho que estamos buscando é o da conscientização de pacientes e médicos sobre o lipedema. Através de divulgação séria sobre esse tema poderemos gerar uma visibilidade e como consequência uma mobilização social. Por isso é tão importante que veículos se interessem sobre esse tema. Quando divulgamos o lipedema estamos permitindo que mais uma portadora da doença compreenda a sua condição e que demande para o seu médico se aprofundar nesse conhecimento. A nossa esperança é que no futuro o lipedema seja um tema de conhecimento geral e que seu tratamento esteja incluído no currículo dos profissionais da saúde”, pontuou o Dr. Kamamoto. 

Imagem: shutterstock/create jobs 51

Amato, que considera a questão muito complexa, destacou uma somatória de dificuldades quando o assunto é a comunidade médica e a especialização em lipedema. São elas: 

  • Maior número de faculdades médicas com formação sem qualidade: aqui também entra a diminuição de temas importantes abordados nas aulas; especialistas com capacidade cognitiva e interpretativa menor; falta de habilidades para conseguir absorver várias especialidades ao mesmo tempo; 
  • Convênios e SUS pagam pouco e demandam muito; 
  • Fee-for-service, ao invés do ideal que seria fee-for-result (fee for service é um modelo de remuneração aplicado no sistema de saúde baseado em pagamento por serviço. O médico sugere que o ideal seria pagamento por resultados); 
  • Necessidade de tratamento multiprofissional e multiespecialidades; poucos serviços no Brasil oferecem toda ampla gama de profissionais necessários ao tratamento do lipedema; 
  • Medo de mudanças
  • Tendência a manter o status quo 
  • Publicidade do charlatanismo – “Pessoas mal-intencionadas já estão usando o lipedema como palavra isca e vendendo mentiras. Muitos médicos evitam se aprofundar no assunto para não serem correlacionados à picaretagem. Infelizmente vejo que muitos preferem nem estudar o assunto, porque já viram propaganda de alguém que “cura” o lipedema com alguma técnica milagrosa.” 

Para tentar mudar, ao menos um pouco, essa realidade, especialistas pioneiros em lipedema, como o Dr. Amato e o Dr. Kamamoto, atuam em frentes que possam chamar a atenção do sistema de saúde pública para o problema e equilibrar, em comum acordo, os prós e contras de cada lado. 

Ambos os médicos possuem redes sociais e canais do YouTube pelos quais divulgam diversas informações sobre a doença, bem como suas possíveis causas, tratamentos e resultados de pacientes que conseguiram iniciar o processo terapêutico. 

O Instituto Lipedema Brasil, por exemplo, que tem Kamamoto como diretor, lançou o abaixo-assinado “Ajude 5 milhões de mulheres a ter acesso ao Tratamento do Lipedema no Brasil”. O documento pede a inserção da cirurgia no SUS e também a cobertura dos convênios. A solicitação conta com mais de 15 mil assinaturas. 

A ONG Movimento Lipedema (o braço social do Instituto Lipedema Brasil) também iniciará uma campanha específica ainda este ano para pedir a inclusão do tratamento no sistema de saúde brasileiro. 

Já assistiu aos novos vídeos no YouTube do Olhar Digital? Inscreva-se no canal!