Alguns meses atrás, presenciamos algumas notícias e análises que estavam encantadas com uma série em particular. Não, ainda não falamos de The Bear, mas sim, de Ruptura (Severance, no original). Os reviews sobre a produção da Apple TV+ foram quase uma unanimidade pela história sensacional construída e os mistérios que cercavam a narrativa gradativamente.

Acompanhei os 9 episódios de Ruptura e decretei sem medo de errar: essa vai ser a melhor série que eu vou assistir em 2022. Estava redondamente enganado. The Bear entrou em campo e tomou esse título, com uma disputa de alto nível e digna de Copa do Mundo.

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Produção do canal FX, The Bear (ou O Urso) tem uma sinopse que chama muito a atenção de certos espectadores por trazer questões da culinária e digamos que não é costumeiro na indústria uma série com uma ambientação gastronômica. Ao mesmo tempo, isso causa questionamentos: vai ser uma espécie de Ratatouille? – isso não seria um demérito caso fosse verdade, pelo contrário.

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É claro que o trabalho na cozinha e o cotidiano dos chefs são alguns dos pontos principais de The Bear. Aliás, essa parte é devidamente executada, causando uma imensa ansiedade devido à montagem dinâmica de cena: longas sequências de filmagens, câmera tremida e falas atropeladas dos personagens. Resumidamente, o ambiente interno do restaurante The Beef é tão angustiante e barulhento que transparece no próprio espectador. É como se aquele lugar fosse virar aos pedaços a qualquer momento.

Imagem: Reprodução/FX
Imagem: Reprodução/FX

O enredo começa, na verdade, quando o chef de cozinha Carmy assume o The Beef, em Chicago, após a morte do irmão, Michael. Antes disso, ele esteve em Nova York e se tornou um dos chefs mais renomados dos EUA e do mundo, chegando a comandar um dos maiores restaurantes do planeta. Eis a ironia. Um talentosíssimo profissional passou a comandar uma humilde lanchonete em sua terra natal e agora vai tentar construir um novo local.

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Nesse contexto, podemos responder ao questionamento anterior. Não, não é somente culinária. Carmy é um personagem talentoso, mas imensamente problemático e cheio de conflitos internos. E os motivos ultrapassam o campo da gastronomia. Estamos falando aqui de burnout, questões familiares, relacionamentos e sobretudo, o luto – o falecimento de Michael, inclusive, passa por mistérios. Nesse ponto, os sentimentos são guardados internamente no chef em uma forma bem específica. Em forma de urso.

Tudo isso é vislumbrado e ilustrado de forma brilhante pela atuação de Jeremy Allen White, que talvez você conheça pelo personagem Lip Gallagher, em Shameless. White é simplesmente a figura central em The Bear. De melhor chef dos EUA e um dos melhores do mundo, Carmy agora está ao lado de uma equipe completamente diferente de qualquer outra que trabalhou em sua carreira. Resultado: angústia, desequilíbrio, ansiedade e desordem, mas ao mesmo tempo, laços estão sendo construídos.

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Imagem: Reprodução/FX
Imagem: Reprodução/FX

Cada diálogo é um tesouro no fim do arco-íris. Em meio às relações tênues entre os personagens, cada pergunta vai sendo respondida ao longo dos episódios. Christopher Storer, diretor e roteirista da série, não tem pressa para desenvolver os relacionamentos e constrói figuras riquíssimas na tela.

O primo Richie (Ebon Moss-Bachrach) é aquela famosa pessoa “ame-a ou odeie-a”, explosivo e temperamental, mas com atitudes sendo explicadas paulatinamente. Sydney (Ayo Edebiri) é uma cozinheira inteligente e de mão cheia e segue os mesmos passos de Carmy, com pensamentos que passam por implementar várias ideias para a lanchonete – mas peca por uma certa impaciência. Marcus (Lionel Boyce) e Tina (Liza Colón-Zayas) querem provar para o grupo que podem e merecem ser mais valorizados: um é sonhador e a outra, batalhadora.

Ou seja, cada personagem possui sua personalidade e juntos, eles fazem um prato perfeito. E esse prato resvala em Carmy e conduz uma narrativa estonteante, que culmina em um monólogo assustadoramente bem escrito no último episódio da temporada – é a fala que provavelmente trará indicações para Jeremy Allen White em várias premiações dos próximos meses, como já ocorreu no Globo de Ouro 2023.

Mas The Bear vai além: em meio ao que vai sendo discutido em tela, algumas perguntas vão sendo realizadas indiretamente ao espectador. O que será que queremos que aconteça naquele pequeno local gastronômico de Chicago? Desejamos ver Carmy fazendo isso ou aquilo? Essas relações devem persistir nessa linha ou naquela?

Isso não significa que todas as respostas vão ser dadas ou os desejos dos espectadores serão ilustrados na produção. Contudo, o que está sendo entregue é para ser devorado. Temos um sétimo episódio feito quase puramente em um plano sequência. O episódio mais curto na duração de tempo e simbolicamente, o mais longo. É um capítulo tão dominante ao ponto de todos os detalhes ecoarem e serem revisitados na nossa mente, como um VT transmitido para trazer mais reflexões e preparações para o final da temporada.

Sim, chef! The Bear é uma daquelas joias da televisão que correm o risco de passarem despercebidas aos olhos do público, mas quem assiste, não esquece. A série vale pedir a conta do Star+ emprestada de um amigo e presenciar os oito episódios com atenção. E vá alimentado ou peça um lanchinho para acompanhar, porque a direção de arte é encantadoramente exótica. Impossível não ficar com fome.

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