Com o fim da Copa do Mundo, vem batendo em nós brasileiros aquela saudade do que não foi. Mas a Copa do Mundo é assim mesmo: nem sempre justa e nem sempre conta as histórias que a gente quer ouvir. Mas de vez em quando elas contam algumas que são realmente inspiradoras. 

Por isso, hoje vamos contar a história de Josef “Pepi” Bican, um dos maiores goleadores de todos os tempos, e cujos feitos, dentro e fora de campo, acabaram imortalizados também na Astronomia. 

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[ Josef “Pepi” Bican defendendo seu clube Slavia Praga – Reprodução: Twitter @slavia_eng ]

No ano de 1969, nosso grande Pelé estava perto de atingir a marca de 1000 gols em sua brilhante carreira. A imprensa internacional cobria esse feito espetacular como um dos mais importantes do esporte. E por isso, tentaram encontrar na história do futebol outro atleta que tivesse atingido essa marca. 

Estava difícil, mas um dia os jornalistas bateram na porta de Franz Binder, que na época era um dos maiores artilheiros da história. Binder disse que não havia chegado perto dos mil gols, mas que conhecia alguém que teria feito muito mais que isso: seu antigo colega de clube, Josef Bican. 

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Conhecido como Pepi, Josef Bican era austríaco, nascido em 1913 e filho do também jogador de futebol František Bican. Seu pai morreu cedo, jogando futebol, após ter o rim perfurado num ferimento de jogo. Pepi tinha apenas 8 anos de idade, mas aquele fato não abalou seu desejo de seguir os passos de seu pai e se tornar um grande jogador de futebol. 

E ele fez mais do que isso, se tornou um dos maiores jogadores de todos os tempos. É difícil saber com precisão quantos gols Pepi Bican marcou em sua carreira. Numa época em que o futebol era jogado por paixão, sem salários milionários e com orçamentos reduzidos, grande parte da receita dos jogadores vinham de jogos amistosos, e os grandes times, jogavam até uma centena deles todos os anos. 

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Com isso, muitos dos gols anotados por Pepi Bican podem ter sido esquecidos e ficado sem registros. Além disso, alguns dos seus registros podem ter sido propositadamente destruídos durante a Segunda Guerra e também por uma campanha difamatória que ele enfrentou mais tarde. Seu amigo Franz Binder estimava que ele teria feito uns 5 mil gols na carreira.

Pepi foi realmente um jogador fora de série. Chutava muito bem com as duas pernas, era um velocista capaz de cumprir 100 metros em 10,8 segundos, apenas 5 décimos a mais que o recorde mundial daquela época. E como centroavante, tinha uma eficiência que talvez até hoje não tenha sido igualada. Diziam que se ele tivesse 5 chances durante uma partida, marcaria 5 gols e que, talvez, perderia uma a cada 20 chances de marcar.

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Ele fazia parte da incrível seleção austríaca chamada de “Wunderteam”, o “Time Maravilha” que disputou a Copa do Mundo da Itália, em 1934. E foi naquela Copa que Pepi Bican marcou seu único gol nas copas, na vitória contra a França, pelas Oitavas de Final. Mas foi nas semifinais que Pepi começou a disputar as suas batalhas fora de campo. 

Por uma vaga na grande final, a Áustria enfrentou a Itália, que além de um grande time, contava com Benito Mussolini, o ditador fascista que faria de tudo para ajudar sua seleção e fazer daquela Copa, uma propaganda do seu regime. Com um gol sofrido em uma grosseira posição de impedimento, Pepi e aquela maravilhosa seleção austríaca se despediram da história das Copas. Mais tarde, soube-se que Mussolini havia jantado com o juiz daquele jogo na noite anterior à partida decisiva. 

De volta à Áustria, Pepi passou a acompanhar com apreensão o crescimento do nazi-fascismo na Europa. Haviam rumores de que a Alemanha pudesse invadir a Áustria. Então, antes que isso ocorresse, ele resolveu se mudar para a Tchecoslováquia, país de origem da sua família. Em 1938, seus temores se concretizaram, a Alemanha Nazista invadiu e anexou a Austria.

[ Chegada de Hitler à Viena após anexar a Áustria ao território alemão – Imagem: Bundesarchiv, Bild ]

Naquele mesmo ano, seria realizada a Copa do Mundo na França, e a Áustria já tinha se classificado para disputar a competição. Só que, com a anexação alemã, o país deixou de existir, perdeu a vaga no mundial. E para piorar, seus melhores jogadores foram convocados para defender a Seleção Nazista. 

Bican tinha horror ao nazismo e, mesmo no auge de sua carreira, preferiu ficar de fora da Copa a defender as cores daquela Alemanha. Ele se naturalizou Tcheco e jogou por mais de 11 anos no Slavia Praga. E só por esse clube, marcou mais de 1000 gols.

Só que Bican não escolheu o melhor lugar para fugir do nazismo. Em 1939, a Alemanha também invadiu a Tchecoslováquia e anexou parte do seu território. No território ocupado por Hitler foi criado o território autônomo da Boêmia e Morávia e, defendendo a seleção desse novo país, Pepi Bican disputou duas partidas e marcou 6 gols, 3 deles em um amistoso contra a Seleção Nazista. Dizem que foram os 3 gols mais comemorados de sua carreira. 

[ Pepi Bican marcou 3 gols no empate em 4 x 4 da seleção da Boêmia e Morávia contra a seleção nazista da Alemanha em 1939 – Imagem: footyfair.com ]

Com o fim da Guerra, as coisas, aos poucos, foram retornando à sua normalidade e Pepi Bican recebeu um convite para atuar na Juventus da Itália. Seria um excelente local para encerrar sua brilhante carreira, mas naquela época, havia um receio de que a Itália se tornasse um país comunista, então ele recusou a proposta e permaneceu no Slavia Praga. 

Só que Bican não escolheu o melhor lugar para fugir do comunismo. Isso porque em 1948, os comunistas chegaram ao poder na Tchecoslováquia e queriam usar o melhor jogador da época, Pepi Bican, como garoto propaganda do regime. Pepi se negou a participar daquilo e não quis ingressar no partido comunista como lhe havia sido exigido. 

Como resposta, o governo Tcheco ligou seu “gabinete do ódio” e iniciou uma campanha difamatória contra Pepi. Ele era chamado de burguês vienense, foi forçado a deixar o Slavia Praga, e acabou jogando por dois anos em clubes menores, só retornando em 1953, quando já tinha 40 anos e o clube já havia sido rebatizado para Dynamo Praga. 

Lá ele encerrou sua gloriosa carreira, marcando mais 22 gols em 32 jogos. Ninguém sabe ao certo quantos gols ele marcou em seus 27 anos como jogador de futebol.Segundo a RSSSF, Fundação que pesquisa dados estatísticos do Futebol, ao menos 1813 gols, 530 a mais que Pelé, o maior jogador de todos os tempos. Segundo a FIFA, 805 gols em jogos oficiais, marca que só foi superada este ano, por Cristiano Ronaldo. Mas segundo Pepi e seus amigos mais próximos, seriam cerca de 5 mil gols na carreira.

Nas 25 temporadas em que Bican disputou ligas nacionais por seus clubes, ele foi artilheiro em 12 delas. E por 5 temporadas consecutivas (entre 1939-40 e 1943-44) ele foi o principal goleador da Europa e do Mundo. Um recorde que até hoje não foi batido. Em honra a tais feitos, levaram a  Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS) a conceder à Josef “Pepi” Bican, no ano 2000, a Bola de Ouro em reconhecimento ao seu status de maior artilheiro do Século XX.

Mas o que isso tudo tem a ver com a Astronomia?

Bom, após encerrar sua carreira no futebol, Pepi Bican levou uma vida tranquila, trabalhando como motorista de ônibus ou alimentando animais no zoológico de Praga. E nas horas vagas, costumava se dedicar à Astronomia. Graças aos seus feitos no futebol e ao seu interesse pela mais antiga das ciências, a astrônoma tcheca Lenka Šarounová, decidiu dar o nome de Pepibican a um asteroide descoberto por ela em 1998. Um astro outrora esquecido da história do futebol, mas que agora tem seu nome imortalizado em um astro celeste.