Com certeza, isso já aconteceu com todos nós: ao jogar videogame ou usar o computador, a energia cai. E aí é torcer para a versão “sobrevivente” não estar muito defasada. Numa dessas, você perde grande parte do que já tinha sido feito. Esse problema será solucionado quando começarmos a usar máquinas feitas com memristores, ou seja, com memória resistiva (ReRAM). Isso porque, com os memristores, não haverá a divisão das informações dos eletrônicos em unidade de armazenamento (que não depende de energia) e memória instantânea (que apaga com o aparelho desligado). Todos os detalhes sobre essa tecnologia você pode conferir aqui.

Materiais usados

  • Uso do grafeno e do ITON é inédito.
  • ITON é uma variação do óxido de índio e estanho, ITO. O “N” a mais na sigla é de Nitrogênio.
  • O grafeno, por sua vez, é uma forma cristalina plana baseada no carbono, que é um dos elementos mais abundantes no planeta. 

Futuro promissor

  • Velocidade incrivelmente maior para PCs e até para Smartphones.
  • Menor chance de perda de dados.
  • Aparelhos ainda mais compactos e leves que os atuais.
  • Menor consumo de energia.

O Olhar Digital conversou com a responsável pelo estudo, Marina Sparvoli, pós-doutoranda do Instituto de Física da USP. Acompanhe a entrevista completa:

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Olhar Digital: Como surgiu a ideia dessa pesquisa? Foi por acaso ou sempre trabalhou com o tema?

Marina: Inicialmente, a minha motivação era encontrar um tema aderente ao programa da Ciência da Computação da UFABC. Eu havia passado no concurso para professora visitante e ficaria na instituição por pelo menos 2 anos. Eu precisava encontrar algo que eu soubesse fazer, que envolvesse materiais, e, ao mesmo tempo, fosse pertinente aos conteúdos da área em que estava trabalhando.

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O problema é que todos trabalhavam com algoritmos, software, dados e assuntos que eu realmente não tenho o menor talento – apesar de que, nos anos seguintes, acabei aprendendo muito sobre estrutura de dados e algoritmos por assistir as aulas de professores mestres no assunto. Pouquíssimos docentes estavam trabalhando com hardware.

A princípio, pensei em me aprofundar em pesquisas envolvendo arduíno (plataforma de prototipagem eletrônica de hardware livre e de placa única), construção de instrumentação e outras quinquilharias. Não era suficiente. Útil, mas não suficiente. E foi numa viagem a Portugal que me deram a inspiração necessária. Anualmente, tenho o costume de viajar para Aveiro e ficar 2 ou 3 semanas na universidade, junto ao departamento de física, trocando informações sobre os últimos resultados do desenvolvimento de materiais e novos dispositivos.

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Em um dos dias eu estava relativamente num humor bom para reclamar e acabei comentando com os pós-graduandos que eu não tinha ideia do que fazer relacionado a Ciência da Computação. Então, um dos estudantes, uma boa alma, sugeriu que eu falasse com o professor Nikolai Sobolev, que era perito no estudo de memristores e aplicações em memórias resistivas ou ReRAMs. Fui conversar com ele. E esse professor me deu um calhamaço de artigos, uma quantidade monstruosa de material. Foi assim que passei a semana inteira em cima daqueles papéis. Foi uma rotina interessante, porque eu me premiava com comida no fim de cada período de estudo (como ir a Portugal e não comer muito?).

Olhar Digital: E como foi a volta ao Brasil?

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Marina: Com boas ideias e informações. Só que me custou mais ou menos um ano para digerir tudo e colocar em prática. Em território nacional, descobri que não havia quase nenhuma pesquisa com memórias. Muito difícil encontrar trabalhos de brasileiros nos anos de 2016/2017.

Foi graças ao professor Daniel Florio, da UFABC, que me cedeu um espaço em seu laboratório, que eu consegui concretizar a pesquisa. E, em 2017, eu havia obtido minhas primeiras memórias resistivas baseadas em óxido de grafeno e ITO, que foram patenteadas em uma parceria UFABC-USP.

Em 2020, veio a pandemia. Minha segunda fase de professora visitante da UFABC (na Engenharia de Instrumentação, Automação e Robótica) chegou ao fim em 2021. Neste ano, eu fiquei pela USP, trabalhando com amigos em um projeto ousado com dispositivos baseados em celulose bacteriana. Em paralelo, eu estava tentando fazer memristores de ITON e grafeno (a primeira versão falhou porque usei a estrutura errada).

O professor José Fernando Chubaci, que foi meu orientador no doutorado, viu que eu estava meio perdida pelo Instituto de Física e acabou conseguindo uma bolsa de pós-doutorado para mim no programa PIPAE (Projetos Integrados de Pesquisa em Áreas Estratégicas) da USP. Então, no fim, eu estava trabalhando com materiais avançados: óxido de gálio, celulose e os memristores de ITON/grafeno/alumínio. Com o sucesso dos resultados destes dispositivos, eu requisitei a patente em 2022, na Agência USP de Inovação.

Olhar Digital: tem próximos passos definidos?

Marina: Agora pretendo utilizar estes memristores como dispositivos neuromórficos e simular a membrana neuronal. Também planejo construir memórias com óxido de gálio e outros óxidos e nitretos obtidos no LACIFID (Laboratório de Cristais Iônicos, Filmes Finos e Datação) junto com o professor Chubaci e a equipe.

Olhar Digital: A pesquisa usou materiais jamais combinados para o desenvolvimento dessa memória. Quais indícios levaram a crer que essa combinação era promissora?

Como eu estudei vários artigos previamente, por um ano antes de começar a colocar a mão na massa, acabei por selecionar aqueles que estavam relacionados aos materiais que eu já trabalhava. Muito conteúdo foi correlacionado com meus próprios dados e, como eu tinha em mãos óxido de grafeno e ITO, tais materiais fizeram parte do projeto piloto. O grafeno e o ITON foram o desenrolar natural da combinação que gerou essa patente mais recente – apesar que meu primeiro dispositivo utilizando o grafeno como camada intermediaria tenha sido um desastre por causa de uma escolha infeliz de design.

Olhar Digital: Quais são os resultados esperados a partir de agora? E quais os próximos passos da pesquisa?

Marina: O que eu mais gostaria de ver neste momento seriam resultados para a latência na mudança de um estado de resistência para outro. Nós conseguimos fazer as medidas das tensões de SET e RESET e verificar o fenômeno de comutação resistiva. Mas ainda existe muita coisa para explorar, como um ensaio de leitura e escrita, por exemplo.
Estudar o fenômeno de comutação resistiva do ponto de vista da física também geraria um trabalho muito legal. Em alguns artigos, os cientistas chegam a registrar, através de microscopia eletrônica de varredura, como o filamento entre os contatos é formado.
E certamente eu gostaria de me aventurar mais no campo da engenharia e computação neuromórfica. Até agora, só conseguimos simular o comportamento da membrana neuronal do cérebro humano.

Olhar Digital: o que falta para essa tecnologia ser comercializada?

Marina: Precisaria de mais pesquisa e novos ensaios. Algumas figuras de mérito do dispositivo, como latência ou mesmo comportamento na leitura e escrita, não foram testadas.

Outros pesquisadores contribuíram para o estudo: Ronaldo Mansano e Guilherme Lenz, da Escola Politécnica da USP, além de Fábio Jorge, do IFUSP, também estão na patente. O professor Arturo Sarmiento, da INAOE de Puebla, ajudou em discussões iniciais do projeto.

IMAGEM DESTACADA – FOTO: MARCOS SANTOS / IMAGENS USP

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