Desde o início da pandemia da Covid-19, cientistas têm se questionado sobre a maior propensão de homens a formas graves da doença. Recentemente, um estudo brasileiro revelou um possível mecanismo que explica essa tendência e aponta para uma possível disfunção testicular causada pelo vírus.

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A pesquisa, liderada pela professora Cristina Ribeiro de Barros Cardoso, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que a falta de testosterona e o aumento da dihidrotestosterona (DHT) podem estar relacionados à gravidade da doença.

O estudo, que teve início no ano passado, analisou 198 pessoas, de ambos os sexos, infectadas com o vírus entre abril de 2020 e janeiro de 2021, abrangendo desde casos leves até graves.

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As informações clínicas e diagnósticas dos pacientes foram comparadas com dados de 92 indivíduos sem a doença.

Queda nos níveis de testosterona

Em estudos anteriores, a equipe já havia observado desequilíbrios nos níveis de testosterona e dihidrotestosterona (DHT) em homens infectados, algo que chamou a atenção, uma vez que esses hormônios normalmente estão em equilíbrio.

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O que surpreendeu foi a queda nos níveis de testosterona e o aumento de DHT, juntamente com uma maior atividade dos receptores de andrógenos, moléculas presentes no corpo humano que respondem aos hormônios masculinos.

Para entender melhor essa relação, Cristina Cardoso explicou que a “queda acentuada” na testosterona e o aumento de DHT estavam relacionados ao agravamento da COVID-19 e eram observados apenas em homens. Isso se deve ao fato de que as mulheres naturalmente produzem quantidades muito pequenas de testosterona.

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A conexão com a gravidade da doença

A DHT é um metabólito da testosterona, o que significa que o corpo produz testosterona e, por meio de um processo enzimático, a transforma em dihidrotestosterona. Essa transformação ocorre principalmente fora dos testículos, onde a testosterona é produzida, e em várias partes do corpo, como a pele.

Ambos os hormônios têm efeitos masculinizantes, mas a DHT é muito mais potente que a testosterona ao se ligar aos seus receptores nas células.

De acordo com a professora, os hormônios masculinos se ligam a receptores de andrógenos em várias células do corpo, desencadeando uma série de reações. O problema é que quando esses receptores de andrógenos são ativados pelos hormônios, eles também induzem a produção de DHT e aumentam a expressão de genes que facilitam a entrada do vírus da Covid-19 nas células.

(Imagem:lakshmiprasad S/iStock)

O papel dos Genes

A ativação dos receptores de andrógenos está ligada a genes específicos, como o TMPRSS2 e o SRD5A1, que desempenham um papel fundamental na entrada do vírus nas células e na produção de dihidrotestosterona, respectivamente. Assim, quanto mais DHT circula no organismo infectado, maior é a sinalização dos receptores de andrógenos nas células de defesa do corpo.

Resultado: alta carga viral e baixa produção de testosterona

Os resultados da pesquisa revelaram que o déficit de testosterona não está relacionado a problemas no sistema nervoso central ou ao funcionamento hepático.

Além disso, os níveis da Globulina Ligadora de Hormônios Sexuais (SHBG), proteína produzida pelo fígado que transporta hormônios sexuais na corrente sanguínea, estavam dentro da normalidade. Exames realizados com glóbulos brancos de pacientes doentes confirmaram o aumento da enzima responsável por converter a testosterona em DHT.

(Imagem:Magicmine/iStock)

Cristina acredita ainda que o vírus pode causar disfunção testicular nos homens, embora biópsias nos testículos não tenham sido realizadas para verificar alterações.

Mesmo que as mulheres estejam em estado grave, nas mesmas condições clínicas dos homens, quando se avalia mais de perto, os homens têm uma carga viral muito mais alta no trato respiratório.

Outro fato no estudo foi a alta carga viral encontrada no aspirado traqueal (secreções dos pulmões) de pacientes masculinos gravemente doentes, em comparação com mulheres nas mesmas condições.

As informações têm o potencial de auxiliar a equipe médica a prever a evolução da COVID-19 de casos leves para graves em homens, por meio de exames laboratoriais simples. Portanto, as descobertas também são importantes para orientar o tratamento específico e o controle contínuo da pandemia.