Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) se reuniram em Dubai, nos Emirados Árabes, para discutir o potencial do Brasil como laboratório para os desafios globais da crise climática.
O evento, reuniu diferentes pontos de vista sobre o tema, abordando que o país tem condições únicas para contribuir para a solução da crise climática, caso supere suas barreiras.
Patrícia Iglecias, professora da Faculdade de Direito (FD) e superintendente de Gestão Ambiental (SGA) da USP, destacou que o Brasil é dono da maior biodiversidade do planeta, o que o torna um laboratório natural para o desenvolvimento de soluções baseadas na natureza.
Leia mais:
- Brasil faz parte de grupo que abriga 70% da biodiversidade do planeta
- El Niño freia PIB do Brasil e gera incertezas para 2024
- COP28: projetos brasileiros para transição energética ganham destaque
Economia sustentável e COP 28
De acordo com dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a bioeconomia movimenta 22 milhões de empregos no planeta e perto de dois trilhões de euros.
Sendo assim, as oportunidades de atrair investimentos do Fundo de Reparação de Danos, discutido na COP 28, colocam o país em destaque.
Apesar de possuir uma legislação robusta, a agenda prática ainda não é real. Citando o professor Fabio Konder Comparato, deveríamos passar do governo das leis para o governo de políticas públicas, porque não significa obedecer ou não, mas desenvolver projetos que permitam a economia de baixo carbono.
Patrícia Iglecias, professora da Faculdade de Direito (FD) e superintendente de Gestão Ambiental (SGA)
Soluções baseadas na natureza
Como ex-diretora da Cetesb e ex-secretária estadual de Meio Ambiente, ela citou o acordo entre o governo de São Paulo e o setor sucroalcooleiro. O acordo, que começou em 2007, visava reduzir a queima da palha da cana-de-açúcar.
Assim como a mecanização no campo, a emissão de gases caiu para 0,06% do que era há 20 anos, resultado de uma parceria bem-sucedida entre o setor privado e o governo.
Em outra situação sobre economia sustentável, Iglecias mencionou que a energia solar é crucial para a matriz energética brasileira e pode atrair investimentos estrangeiros.
Dados da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) mostram que o setor deve alcançar 1 milhão de empregos em 2023, já trouxe para o País 155 bilhões em investimentos e evitou a emissão de mais de 40 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade.
Similarmente, ela afirma que é fundamental avançar nas soluções baseadas na natureza, indo além do mercado de carbono e incluindo o pagamento por serviços ambientais.
Criar uma estrutura de negociação, empresas que querem reduzir as pegadas de carbono ou compensar, trabalhando com quem oferece estes serviços, com segurança jurídica e regularização das responsabilidades prévias que, afinal, possam agregar valor.
No entanto, na agenda da ESG, é crucial estabelecer uma conexão com as finanças, abordando os aspectos sociais, ambientais e de governança. “Nós temos o potencial de regenerar 15% dos créditos voluntários de carbono com soluções de sequestro natural. Isso também justifica o Brasil ser hoje a bola da vez.”
Restauração ecológica e proteção da biodiversidade
Da mesma forma, Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP, afirmou que o Brasil precisa investir na restauração ecológica e na proteção da biodiversidade para sequestrar carbono da atmosfera.
A ideia é transformar toda aquela área degradada pelo desmatamento em uma área de restauração ecológica. Ainda temos que resolver a questão da bioeconomia e buscar formas inovadoras de proteção e exploração sustentável. A estabilidade dos ecossistemas é que vai propiciar o sequestro do carbono.
Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP
O professor ressaltou as oportunidades que estão se abrindo na COP 28, onde o governo brasileiro fez anúncios importantes, como:
- Arco da Restauração Ecológica, envolvendo os ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente;
- BNDES em investimentos ambientais para início imediato;
- Interesse do Banco Mundial na colaboração.
Artaxo também destacou a importância de considerar as populações locais em termos de mercado de carbono.
Não é apenas uma questão financeira associada à indústria. Temos que lembrar que a região que será fortemente impactada pelas altas temperaturas é a região tropical. Então as iniciativas de recuperação ambiental precisam levar em conta as populações locais porque serão eles os guardiões de proteção da biodiversidade e do monitoramento do sequestro de carbono. Você tem o compromisso de sequestrar e manter esse carbono por no mínimo algumas décadas ou de preferência por alguns séculos. E como garantir isso? A ciência ainda está atrás de respostas. Como fazer esse monitoramento em grande escala? São desafios científicos. Temos que pegar esse touro pela unha e desenvolver métodos inovadores que possam ajudar o País a preservar sua biodiversidade, a ser forte sequestrador de carbono e ainda reduzir desigualdades sociais e econômicas.
Projeto estadual
Por outro lado, Tadeu Malheiros, engenheiro civil e coordenador do mestrado nacional de ensino de ciências ambientais, afirmou que a crise climática atingirá principalmente a população mais pobre no mundo.
No Brasil, inclusive, déficits significativos no saneamento básico e no abastecimento de água já afetam essa população.
Um dos destaques do encontro foi a apresentação do projeto desenvolvido pela Escola Estadual Professor Sebastião de Oliveira Rocha, de São Carlos, selecionada pela Unesco para a COP 28.
Os alunos criaram um sistema de cultivo de microalgas em aquários, utilizando fertilizantes e luzes artificiais. Essas microalgas têm uma capacidade de sequestro de carbono que ultrapassa a de uma árvore em crescimento.
Os estudantes buscaram apoio da Universidade Federal de São Carlos, do Instituto de Química e da Escola de Engenharia, ambos da USP em São Carlos, para viabilizar a iniciativa.
A ideia de se inscreverem para a COP 28 surgiu durante o contato com a academia, incentivada pelo professor Tadeu Malheiros, orientador dos alunos no projeto e, finalmente, conseguiram financiamento da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, para a viagem.
Para Malheiros, isso é um exemplo da importância das parcerias, de criar pontes entre a academia e políticas públicas para o futuro.
No encerramento, o evento mostrou quatro eixos importantes das discussões:
- Parcerias entre público e privado;
- Importância da ciência na crise climática;
- Justiça climática;
- Avanço tecnológico, tanto nas áreas industriais como na área agrícola.
O grande desafio dessa COP é discutir todos esses temas e encontrar alternativas viáveis para as mudanças climáticas e a USP tem papel fundamental ao compartilhar o seu conhecimento para promover a justiça climática.
Tamara Gomes, professora da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos de Pirassununga (FZEA) da USP.
Por fim, o UI GreenMetric World University Ranking 2023 (rede global que envolve universidades em projetos de sustentabilidade ambiental) classificou a USP como a oitava universidade mais sustentável do mundo.