A inteligência sempre foi um dos grandes diferenciais da espécie humana. Graças a nossa sapiência, nós, frágeis seres de pele fina, sem chifres, dentes afiados ou grandes presas, conseguimos superar predadores bem maiores e mais fortes, e nos tornarmos a espécie dominante no planeta. A inteligência aliada à curiosidade humana, também nos leva à uma constante busca por respostas, que nos levaram a uma maior compreensão sobre nosso mundo e o Universo à nossa volta. 

Essa qualidade é uma dádiva comum entre homens e mulheres, e se ambos recebessem os mesmos estímulos e tivessem as mesmas oportunidades, certamente teríamos tantas mulheres quanto homens em posições de destaque na Ciência. A astrofísica brasileira Marcelle Soares-Santos, é um exemplo disso. Quando criança, sempre teve apoio dos pais e dos professores em seu interesse pela Ciência e hoje ela está entre os mais importantes cientistas do mundo, procurando respostas para um dos mais intrigantes enigmas do Universo: a energia escura. 

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Marcelle Soares-Santos nasceu em Vitória, no Espírito Santo e com 4 anos se mudou para Parauapebas, no Pará. Certa vez, presenciou, à distância, a explosão em uma pedreira e começou a se perguntar por que o som da explosão só chegou até ela depois de alguns segundos. Esse é o tipo de questionamento que faz de toda criança uma cientista. Seus professores explicaram sobre as diferentes velocidades de propagação das ondas sonoras e luminosas, mas não conseguiram saciar a sede de conhecimento da pequena Marcelle. 

Aos 14 anos, ela voltou para Vitória onde se graduou em Física na Universidade Federal do Espírito Santo. De lá, ela seguiu para São Paulo onde concluiu mestrado e doutorado em Astronomia pelo Instituto de Astronomia e Geofísica da USP. Em seu doutorado, Marcelle estudou aglomerados de galáxias em diferentes fases da evolução do Universo, como uma forma de compreender de que forma a energia escura interferia na formação dos aglomerados. Complicou um pouco, não é? 

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Pois é, as perguntas de Marcelle Soares-Santos a foram ficando cada vez mais complicadas de responder até o ponto em que ela chegou à energia escura, um tema que foge à compreensão humana. Agora, para conseguir sanar suas dúvidas sobre a energia escura, Marcelle vai precisar buscar respostas, não mais com os pais ou com os professores, mas com o próprio Universo. 

Desde que Henrietta Leavitt desenvolveu, 100 anos atrás, uma técnica para medir grandes distâncias no Universo, percebemos que ele era muito maior do que imaginávamos, Hubble descobriu que as galáxias estavam se afastando umas das outras o que levou a Teoria do Big Bang. Nosso conhecimento sobre o Universo está em expansão, assim como o próprio Universo. 

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Até o final do século passado, haviam duas teorias distintas sobre a velocidade de expansão do Universo. Alguns acreditavam que ele se expande com velocidade uniforme, e outros que a gravidade de todas as galáxias estaria provocando uma desaceleração nessa expansão. Mas quando os cientistas resolveram medir a velocidade de afastamento de galáxias ao longo do tempo, descobriram algo intrigante: todos estavam errados, e que o Universo, na verdade, se expande de forma acelerada.

O grande problema é que, para haver aceleração, precisa haver uma força aplicada ao longo do tempo, uma energia capaz de mover galáxias inteiras e que nós não fazemos a menor ideia de onde ela vem. E essa energia misteriosa, chamada de energia escura, que intriga os cientistas de todo o mundo e que despertou o interesse de Marcelle Soares-Santos.  

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Em seu pós-doutorado na Fermilab, em Chicago, ela venceu o prêmio Prêmio Alvin Tollestrup em 2014 por sua contribuição para a construção da Dark Energy Camera, a mais poderosa câmera telescópica da época, que foi instalada em um megatelescópio no Chile, com o objetivo de mapear milhares de galáxias no projeto Dark Energy Survey. 

Em 2017, Marcelle liderava uma das equipes que registrou, pela primeira vez na história, a colisão de duas estrelas de nêutrons. O registro foi feito pela através da Dark Energy Camera, que ela ajudou a construir, e também pelos sensores de ondas gravitacionais do LIGO, nos Estados Unidos, e do Virgo, na Itália. O LIGO já havia havia detectado ondas gravitacionais geradas pela colisão de buracos negros anteriormente. Mas aquela foi a primeira vez que um evento de colisão foi detectado através de suas ondas gravitacionais e confirmado por imagens de telescópio.

As ondas gravitacionais são ondulações no tecido do espaço-tempo provocadas pela fusão de objetos extremamente massivos como buracos negros ou estrelas de neutrons. Elas foram previstas há mais de um século por Albert Einstein, mas só foram detectadas pela primeira vez em 2015 e também já despertavam o interesse de Marcelle desde a faculdade.

[ Ondulações no tecido do espaço-tempo provocado pela colisão de duas estrelas de nêutrons – Créditos: LIGO ]

A observação pioneira da fusão de duas estrelas de nêutrons foi considerada a descoberta científica do ano de 2017 e rendeu à Marcelle o prêmio Sloan Research Fellowship de 2019. Esse prêmio é entregue aos melhores cientistas emergentes e é tão importante, que já premiou 47 cientistas que posteriormente vieram a ser laureados com o Prêmio Nobel. 

Recentemente, ela se mudou para a Suiça, onde iniciou uma nova fase da sua carreira na Universidade de Zurich como professora e pesquisadora. Marcelle é ainda muito jovem, uma cientista com uma longa e brilhante carreira pela frente, mas já se destaca nas áreas de maior interesse da Cosmologia. Exercendo com excelência a curiosidade e a sapiência, principal diferencial da nossa espécie, Marcelle Soares-Santos já é inspiração para mulheres e meninas em todo país, mas ainda trás consigo a mesma vontade de entender o Universo à nossa volta que ela tinha desde criança.