Os motores de dobra estão entre conceitos de ficção científica mais plausíveis no ponto de vista matemático. Agora, segundo o New Atlas, a Applied Physics, grupo multidisciplinar de cientistas e engenheiros internacionais, lançou o Warp Factory, software de código aberto disponível para qualquer pessoa projetar dobra espacial funcional.

Os físicos, agora, podem gerar e refinar uma série de projetos de dobra espacial com apenas alguns cliques, o que nos permite avançar a ciência em alta velocidade. O Warp Factory serve como um túnel de vento virtual, permitindo-nos testar e avaliar diferentes designs de dobra. A ficção científica está agora cada vez mais próxima dos fatos científicos.

Gianni Martire, CEO da Applied Physics

Leia mais:

publicidade

Dobra espacial?

Muitas pessoas estão familiarizadas com as dobras espaciais, pelo menos em conceito. Fãs de franquias de ficção científica se acostumaram com viagens espaciais em velocidades mais rápidas que a da luz – além de acelerar as coisas, significa que os personagens podem cruzar galáxias sem envelhecer milhares de anos. O que muitos não sabem é que os motores de dobra realmente têm alguma base científica.

  • Na literatura de ficção científica, a viagem superluminal – ou seja, mais rápida que a luz – (FLT) é alcançada dobrando ou deformando o espaço-tempo em torno de um objeto, como, uma nave espacial, por isso o termo “dobra espacial”. E o que é o espaço-tempo?
  • Na física, o espaço-tempo é um modelo conceitual que funde as três dimensões do espaço com uma quarta dimensão: o tempo;
  • Pensar o Universo como único continuum, no qual espaço e tempo estão interligados, significa que o tempo, algo independente perante a física clássica, é realmente afetado quando um objeto se move através do espaço;
  • Albert Einstein ajudou a desenvolver a ideia do espaço-tempo como parte de sua teoria da relatividade, que são duas teorias relacionadas.

A teoria da relatividade especial de Einstein explica a relação entre espaço, tempo, massa e energia, afirmando que a energia (E) é igual à massa (m) vezes a velocidade da luz (c) ao quadrado. E = mc². Isso significa que energia e massa são versões diferentes e intercambiáveis ​​da mesma coisa, mas a velocidade da luz é uma constante.

publicidade

Um resultado da teoria é que, à medida que um objeto se move mais rápido, sua massa observada aumenta. Conforme o objeto se aproxima da velocidade da luz, sua massa observada torna-se infinitamente grande, sendo necessária quantidade infinita de energia para o fazê-lo mover. Segundo a teoria da relatividade especial, logo, a velocidade da luz é o limite absoluto da velocidade do Universo.

Já a teoria da relatividade especial refere-se a objetos que não estão acelerando (os referenciais inerciais), mas não incorpora a gravidade. É para isso que serve a teoria geral da relatividade.

publicidade

A relatividade geral diz que a gravidade é como a massa distorce o espaço e o tempo. Quanto maior a massa, mais ela distorce o espaço-tempo. Estas deformações, também chamadas de curvas, restringem como tudo no Universo se move, porque os objetos têm de seguir caminhos ao longo da curvatura distorcida.

Podemos, então, colocar uma bola de boliche (representando objeto massivo) sobre uma folha de borracha esticada (representando o espaço-tempo). Se uma bola de gude for colocada na folha, ela rolará em direção à bola de boliche e poderá até mesmo “orbitá-la”.

publicidade

Isso se dá não porque a massa maior emana força que atrai a massa menor, mas porque a massa menor está viajando ao longo de superfície deformada pela presença da massa maior.

Os motores de dobra são soluções para as equações de campo de Einstein, que formam o núcleo de sua teoria geral da relatividade e podem calcular como uma distribuição específica de matéria e energia deforma o espaço-tempo.

A teoria de Einstein diz que o espaço pode ser deformado com energia. Uma bolha de energia que envolve um objeto, como uma espaçonave, contrai o espaço à sua frente e expande o espaço atrás dele. A deformação faz com que os locais desejados se aproximem do objeto, o que significa que ele pode viajar sem se mover. Mas de que tipo de energia é feita a bolha?

Em 1994, o físico teórico Miguel Alcubierre propôs que uma nave espacial poderia viajar mais rápido que a velocidade da luz utilizando este mecanismo de contração-expansão. Essencialmente, a nave permaneceria encapsulada em bolha de energia e a tripulação da nave não sentiria a viagem interestelar.

Porém, as equações matemáticas de Alcubierre não explicavam como o motor de dobra proposto permitia viagens além da velocidade da luz. Ainda, exigiu muita “energia negativa” – algo que não existe, sendo a teoria amplamente considerada inatingível.

Depois de Alcubierre, a chegada dos motores de dobra sofreu grande golpe. O conceito não conseguiu recuperar o fôlego até 2020, quando um importante artigo de Alexey Bobrick e Gianni Martire foi publicado.

No artigo, Bobrick, astrofísico teórico, e Martire, físico autodidata e empresário de tecnologia, desenvolveram o primeiro modelo para motores de dobra físicos que evita problemas do modelo de Alcubierre. Mas o modelo da dupla estava preocupado com viagens subluminais, ou seja, viagens mais lentas que a velocidade da luz.

Já os pesquisadores da Applied Physics descrevem os motores de dobra como “conchas de material de energia positiva ou negativa que se movem inercialmente e encerram região ‘passageira’ dentro de métrica plana” – massa significativa produz efeito significativo.

O modelo Bobrick-Martire reduziu os requisitos de energia por fator de 30 e provou que os motores de dobra poderiam funcionar sem combustíveis teóricos, como energia negativa, confirmando que os motores de dobra são fisicamente possíveis. Apesar de a pesquisa não explicar como um objeto poderia ser acelerado a velocidades superluminais, ela forneceu base matemática sólida para o estudo dos motores de dobra.

Após assistir “Star Trek” quando criança, o físico Erik Lentz ficou motivado a tornar realidade os motores de dobra. Juntamente com o artigo recentemente publicado de Bobrick e Martire, o artigo de Lentz, publicado em 2021, causou frenesi na mídia mundial, reacendendo a ideia de viagens superluminais na consciência pública.

Usando equações de campo de Einstein, Lentz costurou configurações inexploradas de bolhas de dobra, chegando a arranjo que poderia alcançar viagens FTL usando apenas energia positiva de fontes de energia convencionais.

Em comunicado que acompanha o estudo, Lentz indicou que, desde que fosse possível gerar energia suficiente, as equações que utilizou permitiriam viagens espaciais da Terra até Proxima Centauri, estrela conhecida mais perto do Sol, e de volta “em anos, em vez de décadas ou milênios”.

Só que a energia permaneceu verdadeira barreira para a realização de impulso de dobra físico na vida real, e Lentz não explicou como seu modelo de energia positiva evitou energias negativas.

A energia necessária para este impulso viajar à velocidade da luz, abrangendo nave espacial de 100 metros de raio, é da ordem de centenas de vezes a massa do planeta Júpiter. A poupança de energia teria de ser drástica, de aproximadamente 30 ordens de grandeza, para estar ao alcance dos modernos reactores de fissão nuclear.

Erik Lentz, físico

Warp Factory

Bobrick e Martire entraram novamente na discussão em 2024, colaborando com pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Israel e da Universidade do Alabama (EUA) para publicar novo artigo. A Warp Factory, coincidentemente, foi lançado junto ao estudo.

Desenvolvido no Laboratório de Física Aplicada (APL) da Applied Physics, Warp Factory permite que pesquisadores determinados a tornar os motores de dobra uma realidade modelem espaços-tempos de dobra espacial.

O software de código aberto executa equações de campo de Einstein e calcula condições de energia, entre outras coisas, fornecendo aos usuários visualizações 2D e 3D. O código está disponível no GitHub.

“Ao usar o Warp Factory, os pesquisadores podem explorar extensivamente ampla gama de métricas de dobra, especialmente nos casos em que os cálculos analíticos se tornam impraticáveis”, disseram os pesquisadores.