Muitas vezes, aquilo que nos desperta interesse e atrai o nosso desejo não está ao alcance de nossas mãos. Mas quem nunca atravessou a cidade para comer aquele pastel de feira na barraca do japonês, ou viajou até os Estados Unidos para recomprar aquele relógio que você vendeu por engano? Pois, se tratando de Ciência, a JAXA, Agência Espacial Japonesa, viajou mais de 2 bilhões de quilômetros para buscar, no asteroide Itokawa, fragmentos de rocha espacial que nos ajudariam a conhecer um pouco mais da história do Sistema Solar.

Esse feito realizado pela sonda Hayabusa foi uma história épica de superação de desafios tecnológicos em uma verdadeira saga que redefiniu os limites da exploração espacial e culminou com o retorno triunfante da Hayabusa ao nosso planeta, trazendo consigo segredos de um passado longínquo deste cantinho da Galáxia.

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[ Modelo em escala da sonda Hayabusa e sua cápsula de retorno em exposição no 61° Congresso Internacional de Astronautica, em Praga - Créditos: Pavel Hrdlička ]
[ Modelo em escala da sonda Hayabusa e sua cápsula de retorno em exposição no 61° Congresso Internacional de Astronautica, em Praga – Créditos: Pavel Hrdlička ]

No final do século 20, o programa espacial japonês vivia um momento de expansão, com desenvolvimentos de satélites, foguetes e missões científicas que consolidaram o país como uma das potências espaciais. Tudo isso preparou as bases para uma missão inédita e bem mais ambiciosa: viajar até o asteroide Itokawa, coletar amostras de sua superfície e trazê-las à Terra, para serem analisadas pelos cientistas. 

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A missão batizada de Hayabusa, que em japonês significa “Falcão Peregrino”, era complexa, repleta de desafios e que exigiu o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, como um sistema de navegação autônomo e um motor iônico de propulsão espacial. 

Após anos de desenvolvimento e testes rigorosos, a Hayabusa foi lançada em maio de 2003, a bordo de um foguete M-V. Partindo do Centro Espacial de Kagoshima, no Japão. A sonda levava consigo as esperanças de toda uma nação e a promessa de revolucionar a nossa compreensão sobre as origens do Sistema Solar. Mas o que tornava o asteroide Itokawa tão especial para a Ciência? 

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[ Lançamento da Hayabusa em um foguete M-V - Créditos: JAXA ]
[ Lançamento da Hayabusa em um foguete M-V – Créditos: JAXA ]

Quando a missão Hayabusa começou a ser planejada em 1996, seu alvo era o asteroide Nereus. Mas dois anos depois, o Itokawa foi descoberto e acabou se mostrando uma opção mais adequada. Estudos baseados em observações terrestres sugeriam que ele era um asteroide do tipo S, composto principalmente por silicatos, materiais rochosos semelhantes aos encontrados na crosta terrestre. Asteroides como Itokawa guardam em si as pistas para desvendar os mistérios da formação do Sistema Solar, já que não  passaram por transformações geológicas como as que ocorrem na Terra, permanecendo praticamente intactos, como se fossem fósseis cósmicos preservados no tempo.

No ano do lançamento da missão, o asteroide recebeu o nome de Itokawa, em honra ao engenheiro de foguetes  Hideo Itokawa, considerado o pai do programa espacial japonês. 

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A viagem da Hayabusa foi uma verdadeira maratona espacial, com obstáculos. Uma jornada de dois anos e meio, em que a sonda japonesa estreou com sucesso seu sistema de propulsão iônico, uma tecnologia inovadora que utiliza um feixe de íons para gerar impulso. Só que esta viagem ficou longe de ser tranquila. Os controladores da JAXA enfrentaram e superaram diversos desafios técnicos, como falhas de comunicação, problemas no sistema de controle de atitude e a perda de um dos quatro motores iônicos da sonda. 

[ Imagem o asteroide Itokawa registrado pela sonda Hayabusa - Créditos: ISAS/JAXA ]
[ Imagem o asteroide Itokawa registrado pela sonda Hayabusa – Créditos: ISAS/JAXA ]

Em setembro de 2005, após uma jornada de 2 bilhões de quilômetros, a Hayabusa chegou em seu destino e, de cara, revelou que Itokawa não era um corpo celeste uniforme e monótono como se imaginava. O asteroide tinha cerca de 535 metros, 35 milhões de toneladas e um peculiar formato de amendoim, com curiosas feições de relevo, repleto de rochedos gigantescos e regiões planas cobertas por regolito. E com a Hayabusa em órbita do Itokawa, era hora de colocar em prática a parte mais ousada da missão. 

Outras missões como a Galileo e a NEAR Shoemaker, já haviam visitado asteroides anteriormente, mas a missão Hayabusa em 2005 foi a primeira sonda espacial a coletar amostras na superfície de um asteroide. Tal feito foi realizado com auxílio de um engenhoso dispositivo, que atirava projéteis no solo para coletar o regolito e os fragmentos ejetados da superfície. 

[ Concepção artística da coleta de amostras na superfície de Itokawa - Créditos: JAXA ]
[ Concepção artística da coleta de amostras na superfície de Itokawa – Créditos: JAXA ]

Após dois anos de estudos em órbita do asteroide e com o material coletado cuidadosamente armazenado na cápsula retorno, a Hayabusa iniciou sua longa jornada de volta à Terra. O problema é que a viagem de volta foi ainda mais atribulada do que a ida. A sonda enfrentou problemas no sistema de comunicação, vazamentos de combustível e a perda de dois dos seus três giroscópios, responsáveis pela estabilidade durante o voo. Mas enquanto você dormia, os japoneses da JAXA trabalharam duro, e eles conseguiram trazer a Hayabusa de volta para casa. 

Só lamento dizer que a Hayabusa, a sonda que levou o Japão nesta epopeia pelo Cosmos, virou vapor, foi desintegrada em uma espetacular reentrada em nossa atmosfera. Mas isso não foi mais uma falha daquela missão pioneira. Isso era esperado. A única parte que precisava resistir à reentrada era a pequena cápsula contendo as amostras. E ela, protegida por um escudo térmico, e tendo sua descida amortecida por um paraquedas, aterrissou em segurança no deserto australiano no dia 13 de junho de 2010.

[ Sonda Hayabusa se desintegrando na reentrada atmosférica. O ponto mais à direita é a cápsula de retorno que aterrissou em segurança - Créditos: NASA Ames ]
[ Sonda Hayabusa se desintegrando na reentrada atmosférica. O ponto mais à direita é a cápsula de retorno que aterrissou em segurança – Créditos: NASA Ames ]

As amostras coletadas pela Hayabusa no asteroide confirmaram que Itokawa era de fato um asteroide do tipo S, composto por silicatos ricos em olivina e piroxênio, minerais comuns em meteoritos encontrados na Terra. As análises também revelaram que Itokawa é um binário de contato, ou seja, formado pelos destroços de dois outros asteroides que se chocaram no passado. Este é o mesmo processo de acresção pelo qual já passaram todos os grandes corpos do Sistema Solar, mas aquela era a primeira vez que estávamos olhando de perto um binário de contato. A descoberta reforçou a teoria de que os asteroides são verdadeiros fósseis, que preservam a história da formação do Sistema Solar!

Apesar de todos os desafios enfrentados, a missão Hayabusa foi um marco na história da exploração espacial. O sucesso da missão inspirou a JAXA a desenvolver a Hayabusa-2, uma missão ainda mais audaciosa que, em 2020, coletou amostras de outro asteroide, o Ryugu. As amostras do Ryugu já chegaram à Terra e estão sendo analisadas por cientistas do mundo todo, e trazem pistas, até mesmo sobre a origem da vida aqui na Terra. 

[ Concepção artística da sonda Hayabusa junto ao asteroide Itokawa – Créditos: JAXA ]

Tudo isso, graças à ousadia, à determinação e à competência dos engenheiros japoneses, que encheriam de orgulho o próprio Hideo Itokawa, demonstrando que, movida pela ciência, a humanidade é capaz de voar ainda mais longe e expandir as fronteiras da exploração espacial!