O ano era 1994. O dia? 1º de julho. Foi nesta data que o Real, nossa atual moeda, entrou em vigor no Brasil, sucedendo ao Cruzeiro Real. Nesta segunda-feira (1), a moeda completa 30 anos de implantação.

Ao longo de sua existência, o Real viveu muita coisa: variação cambial, inflação, mudança do design de algumas notas (e descontinuação e criação de outras), até chegarmos ao Pix e o futuro Drex. A seguir, o Olhar Digital faz uma recapitulação dos principais acontecimentos em torno da atual moeda brasileira.

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Surgimento do Real

O Real, como conhecemos hoje, foi criado ainda durante o governo de Itamar Franco (1992-1994), visando acabar com uma das maiores crises inflacionárias já vistas no mundo, herdada do tempo da ditadura militar (1964-1985). Antes dele, os preços dos produtos chegavam a subir incríveis 3.000%.

Como contamos no começo do texto, a moeda em atividade na época era o Cruzeiro Real. No início de 1994, a inflação estava em 40% ao mês (os 3.000% ao ano citados anteriormente) e, enquanto a gasolina, alimentos, etc., subiam à toda, nossa então moeda se desvalorizava cada vez mais em relação ao Dólar.

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Nota de R$ 1 foi descontinuada há anos, estando disponível apenas em moedas atualmente (Imagem: Mehaniq/Shutterstock)

Como relembra a Câmara dos Deputados, o esboço do Real começou quando o ministro da Fazenda de Itamar Franco (que assumiu após o impeachment de Fernando Collor), Fernando Henrique Cardoso (presidente do Brasil de 1995 a 2002), junto ao então presidente, reuniu grupo de economistas e, no fim de 1993, apresentaram o plano de ação econômica que continha a futura nova moeda.

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Em fevereiro de 1994, os economistas criaram uma espécie de Dólar virtual, chamada de Unidade Real de Valor (URV), que não era atingida pelo sobe-e-desce dos preços.

Em julho, ela tornou-se apenas Real e virou a moeda oficial do Brasil. Com sua implantação, as coisas se acalmaram: R$ 1 passou a valor o mesmo que US$ 1, ou seja, a nova moeda tinha o mesmo poder de compra que a moeda-base mundial.

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Em quatro anos, sem apelar para o congelamento de preços, a inflação chegou a patamares bem aceitáveis, ao nível de países desenvolvidos: 1,5%. Na contramão, os juros ainda eram altíssimos. A taxa básica foi bem-elevada pelo Banco Central (BC), desestimulando o comércio, mas atraindo investidores para equilibrar as contas externas.

Essa combinação não trouxe grande crescimento econômico, que se valia, sobretudo, das exportações. O Produto Interno Bruto (PIB) crescia quase 6% quando o Real foi lançado, mas, praticamente, estagnou em 1998.

No início de 1999, o governo desvalorizou fortemente a moeda brasileira. Dessa forma, o Dólar, que valia R$ 1, passou a custar mais de R$ 2 e, posteriormente, recuou, para R$ 1,75. Na época, o BC optou por adotar o câmbio flutuante e sistema de metas para controlar a inflação.

Quando o Real foi lançado, em 1994, R$ 1 equivalia a US$ 1 (Alison Nunes Calazans/Shutterstock)

30 anos de Real: como está agora?

Desde então, o Real passou por muitas mudanças, mas há muito tempo que não é tão forte quanto o Dólar.

  • Para se ter uma ideia, na sexta-feira (28), o Dólar fechou a R$ 5,58. Ou seja, mais de cinco vezes do que quando o Real foi lançado;
  • E não é só isso. O poder de compra da moeda caiu muito, segundo o Cointelegraph, já que, nos últimos 30 anos, acumulou inflação de mais de 677,5%, o que faz com que R$ 1 em 1994 valha, atualmente, R$ 0,12, enquanto R$ 100 vale apenas R$ 12;
  • Já a inflação está maior do que em 1998, mas, nem de longe, faz frente ao que já foi até 1993. Na quinta-feira (27), o BC projetou que ela ficará em 4% em 2024;
  • Já o PIB está cotado para subir 2,3% este ano.

Nestes 30 anos, o Real acompanhou a tecnologia e só se modernizou. Passou dos famosos talões de cheques e do Documento de Ordem de Crédito (DOC, criado em 1995), para a Transferência Eletrônica Disponível (TED, criado em 2002).

Até meados de 1996, inclusive, o Real só podia ser movimentado entre contas diretamente nos bancos, tanto por caixas humanos, como por caixas eletrônicos (que foram implementados na década de 1970). Mas, naquele mesmo ano, a situação começou a mudar de figura, pois alguns bancos passaram a implementar o Internet Banking. Em 1997, já eram nove os bancos que detinham a tecnologia. Ou seja, realizar DOCs e TEDs se tornou mais fácil e prático, no conforto de casa (se a pessoa tivesse computador e internet, claro).

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No século XXI, mais especificamente na década de 2010, começaram a surgir os aplicativos móveis das instituições financeiras, facilitando ainda mais as transações entre contas. Atualmente, é um dos principais meios de acesso dos clientes às suas contas bancárias.

Coma popularização deste sistema, começaram a surgir os bancos digitais, ou seja, que não possuem agências físicas, permitindo que uma pessoa que queira abrir uma conta possa fazer tudo pela tela do celular. Consequentemente, quaisquer questões relacionadas à conta da pessoa só são resolvidas via telefone, e-mail ou aplicativo do banco.

Os bancos tradicionais, que contam com agências físicas, também entraram na onda e passaram a permitir a abertura de contas online. No processo, a pessoa precisa validar sua biometria facial e enviar alguns documentos para análise. Isso também causou o fechamento de várias agências bancárias no Brasil.

No período, surgiram, ainda, o câmbio de moedas de forma digital (ou seja, você pode trocar reais por dólares de forma online, não precisando mais ir a uma casa de câmbio física) e as criptomoedas, que apareceram em 2008 com o Bitcoin, a mais famosa de todas. Hoje, várias instituições bancárias permitem a compra de criptomoedas com reais.

Em 2020, durante a pandemia de Covid-19, o Real sofreu sua maior modernização até aqui: a implementação do Pix, tipo de transferência eletrônica que, diferentemente do DOC e do TED, cai instantaneamente na conta de destino, podendo ser utilizado 24 horas por dia, sete dias por semana.

Para se ter uma ideia, o dinheiro transferido via DOC, caso feito até às 22h em dia útil, cai, na conta destinatária, no próximo dia útil. Mas se for realizada após este horário, ou em finais de semana e feriados, o prazo aumenta para dois dias úteis.

Já o TED é um pouco mais rápido. Se realizado até às 17h em dia útil, cai entre minutos a horas na conta do beneficiário. Caso feito após este horário, ou em finais de semana e feriados, a compensação acontecerá no próximo dia útil.

Desde 2020, o Pix revolucionou a maneira como pagamos e transferimos dinheiro (Imagem: Marciobnws/Shutterstock)

Drex: o futuro do Real

Futuramente, o Real dará seu mergulho final na inovação tecnológica ao receber sua versão derivada em formato digital, o Drex, que está em testes desde o ano passado. Oficialmente, o Drex é a moeda digital de banco central (CBDC) do BC brasileiro.

Ainda não há data definida para sua implantação oficial, mas o BC reforça que o ele tem mesmo valor e aceitação do Real tradicional, é regulado pelo BC e só é emitido em sua plataforma, tem as mesmas garantias e segurança do Real comum e vai depender de um banco ou outra instituição para que o cidadão possa utilizá-lo.

O Drex vai permitir que vários tipos de transações financeiras seguras com ativos digitais e contratos inteligentes estejam à sua disposição. Esses serviços financeiros inteligentes serão liquidados pelos bancos dentro da Plataforma Drex do Banco Central (BC), que é um ambiente em desenvolvimento utilizando a tecnologia de registro distribuído (em inglês Distributed Ledger Technology – DLT).

Banco Central (BC), na página oficial do Drex

O BC explica, ainda, que o acesso à Plataforma Drex dependerá de um intermediário, como um banco, que fará a transferência do dinheiro depositado em conta para a carteira digital do Drex, podendo realizar transações com ativos digitais.

Drex é a versão digital do Real (Imagem: Sidney de Almeida/Shutterstock)

Análise da evolução do Real nestes 30 anos

Para entendermos a importância da evolução tecnológica do Real nestes 30 anos, bem como ela foi conduzida, o Olhar Digital entrevistou Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação.

Para o especialista, o avanço tecnológico durante o Real é “extraordinário, não só pelo que o Banco Central fez, especialmente, no caso do Pix e também com o projeto do Real Digital. O Plano Real se mescla com todo esse período da chegada da internet, da mobilidade”, destacou.

“É um plano que pegou um mundo analógico e acompanhou a chegada de Internet Banking, dos primeiros aplicativos móveis, das primeiras possibilidades de transação eletrônica, de investimentos, que são temas hoje tão abordados. Porém, tudo ocorreu no Plano Real. A possibilidade de se fazer câmbio e aplicações em outros países, trocar Real por bitcoins”, prosseguiu Igreja.

O especialista também falou sobre o Pix, que considera “uma revolução, um case para inúmeros outros países”.

O Banco Central liderou esse movimento de transações 24 [horas] por sete [dias] instantâneas e gratuitas, ferramenta que auxiliou muito os prestadores de serviço e comerciantes, e eliminou uma série de tarifas que só penalizavam as pessoas e o seu dinheiro.

Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação, em entrevista ao Olhar Digital

Para Igreja, o Drex vai além e é “muito vanguardista”, sendo ligado a outros modelos de moedas digitais fiduciárias. Portanto, ele não é uma criptomoeda, mas, sim, tem lastro na moeda oficial brasileira.

“[O Drex] é projeto que enfrenta alguns atrasos, mas, justamente, para poder ganhar mais robustez”, continuou Igreja, que também afirmou que a moeda digital do Brasil “permitirá atividades interessantíssimas no âmbito dos contratos inteligentes” e “promete trazer ainda mais celeridade e menos taxas, pois entrará em um mundo de títulos”.

O Real Digital pode estar para os contratos assim como o Pix já esteve para as transferências. Quando o Real surgiu, essas transferências aconteciam dentro das agências, o que demandavam deslocamento físico das pessoas, taxas e tempo para que fossem consolidadas. É interessante esse aspecto das inovações que o Real trouxe durante o seu período, mas também das inovações que enquanto moeda ela acompanhou no mundo todo.

Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação, em entrevista ao Olhar Digital