Normalmente, entendemos que a África é o chamado berço da humanidade, ou seja, onde a vida humana surgiu. Contudo, segundo a Dra. Katie Spalding, doutora em matemática, com especialização na intersecção de sistemas dinâmicos e teoria dos números, esta informação é vaga, mas não errada.

O grupo de macacos que, posteriormente, passariam a ser humanos, antes, divergiu dos chimpanzés, há cerca de seis ou sete milhões de anos. Isso teria ocorrido no continente africano. Um estudo da Universidade de Oxford (Inglaterra), de 2022, realizado no Sudão, tenta provar tal teoria.

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Mas a história da evolução humana não para aí e, talvez, de forma incrível, também não começa aí. Conforme pesquisas e análises novas e mais bem elaboradas sobre nossas origens continuam surgindo, podemos nos perguntar se entendemos o “berço da humanidade” equivocadamente.

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Grupo de humanos da espécie Homo sapiens durante caçada numa floresta
Homo sapiens: onde surgiram? (Imagem: Gorodenkoff/Shutterstock)

Berço da humanidade pode não ser na África

  • “Não há muitos primatas o bastante para viverem nas partes mais frias da Terra, além de nós”, diz a doutora;
  • Portanto, quando cientistas dizem acreditar que os macacos originais vieram da Europa e não de África, Ásia ou outro lugar mais agradável e quente onde são encontrados hoje, parece ser algo estranho;
  • Mas tudo indica ser verdade, conforme o estudo, publicado na Nature;
  • “Nossas descobertas […] sugerem que os hominídeos não apenas evoluíram na Europa ocidental e central, mas passaram mais de cinco milhões de anos evoluindo lá”, disse, ao Phys, David Begun, professor do Departamento de Antropologia da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Toronto (Canadá), em 2023;
  • O grupo que se tornaria macacos africanos – e, posteriormente, nós – então, “[espalhou-se] para o Mediterrâneo oriental, antes de eventualmente se dispersar para a África, provavelmente como consequência de mudanças ambientais e diminuição de florestas”, indicou Begun.

Claro que a teoria segue as demais ideias da ciência e não é universalmente aceita, mas restos fossilizados do mesmo período encontrados na Grécia e nos Bálcãs dão crédito à ideia de que nossos ancestrais macacos mais antigos vieram da atual Europa, derrubando nossa visão clássica de que eles partiram da África.

Embora os restos dos primeiros hominídeos sejam abundantes na Europa e na Anatólia, eles estavam completamente ausentes da África até que o primeiro hominídeo apareceu lá há cerca de sete milhões de anos.

David Begun, professor do Departamento de Antropologia da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Toronto (Canadá)

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Vida nova

Tendo finalmente chegado à África, dali em diante, houve mais de uma migração para fora do continente. Basta olharmos para os neandertais, que, mesmo sendo nossos parentes ancestrais, eram uma espécie diferente da nossa, divergindo de ancestral em comum há pelo menos 800 mil anos.

No entanto, quando os grupos de Homo sapiens que nos originariam deixaram a África há cerca de 60 mil anos, encontrando outra espécie espalhada por Europa e Ásia: o Homo erectus.

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“Foi […] o Homo erectus que parece ter migrado pela primeira vez para fora da África há cerca de dois milhões de anos”, aponta a PBS em documentário, “eventualmente se espalhando para grande parte da Eurásia”.

Foram esses primeiros Homo que dariam origem aos neandertais, bem como aos denisovanos, e talvez ao Homo floresiensis. E às vezes, ao longo das várias gerações originadas entre eles, outras populações de Homo sapiens apareceram, permaneciam certo tempo com os locais e, então, desapareciam. 

“Há vestígios de genes do Homo sapiens introduzidos nos neandertais há pelo menos 220 mil anos, então, as duas espécies devem ter interagido e se reproduzido em algum momento anterior”, pontua o Museu de História Natural britânico.

Várias ondas de migração do Homo sapiens deixaram a África antes […], mas foram amplamente malsucedidas em comparação com a onda de cerca de 60 mil anos atrás. Suas linhas de descendência devem ter eventualmente morrido ou foram sobrepostas por ondas posteriores, pois contribuíram pouco ou nada para nossa atual constituição genética.

Museu de História natural da Inglaterra

Imagem de um neandertal
DNA de neandertais tem traços dos primeiros humanos, mostrando que nossos antepassados deixaram a África bem antes do que se imaginava (Imagem: Esin Deniz/Shutterstock)

Dessa forma, parece que nossos ancestrais tinham viajado bastante quando começaram a se parecer conosco, de modo que podemos apontar que não há bem um berço da humanidade (longe então de ser a África).

Nesse processo, é possível dizer que nossos ancestrais cruzavam bastante, podendo gerar nosso genoma moderno único. Muitos de nós sabe da existência de DNA neandertal que vive em nossos corpos (apesar de ser bem pouco), mas os humanos antigos estavam espalhando seus genes muito antes disso, muito provavelmente.

Uma série de estudos recentes usando DNA de povos modernos e antigos, bem como evidências arqueológicas e ambientais, começaram a pintar quadro muito mais complexo de nossas origens africanas. Um em que não evoluímos de fato em única população em único lugar.

Em vez disso, podemos traçar nossa emergência a múltiplas populações antigas que estavam espalhadas pela África. Quando as condições ambientais permitiam, eles, ocasionalmente, se encontravam e misturavam seus genes, todos contribuindo diretamente para a eventual ascensão de nós, humanos ‘modernos’, há cerca de 300 mil anos.

PBS, em documentário

Sendo assim, temos um berço da humanidade? Onde ele fica? A doutora aponta que é complicado dizer, mas a melhor resposta poderia ser, portanto, “qual deles?”

Dependendo do recorte histórico, pode ser Europa, África ou Ásia; dependendo de quão detalhado se quer analisar, pode ser um continente ou muitas tribos díspares.

“Em vez de pensar sobre nossas origens como uma árvore com único tronco, talvez a visão mais precisa seja um riacho trançado complexo. Uma história entrelaçada de migrações, transições e trocas entre várias populações antigas que se desenrolaram ao longo de vasto tempo e espaço”, sugere o documentário da emissora estadunidense.