O luto é uma das experiências emocionais mais intensas e desafiadoras que os seres humanos podem enfrentar. Quando perdemos alguém ou algo importante, nosso cérebro de certa forma fica de luto e passa por uma série de alterações complexas, que afetam não apenas nosso estado emocional, mas também nosso funcionamento cognitivo e físico.

Vamos entender juntos o que acontece no cérebro de luto, como ele processa essa dor emocional e quais são as alterações químicas e estruturais que ocorrem durante e após o período de luto, além de entender ainda o que é conhecido como “as fases do luto”.

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O que acontece no cérebro quando estamos de luto

O luto é uma resposta natural à perda, caracterizada por sentimentos de tristeza profunda, saudade, desespero e, muitas vezes, uma sensação de vazio. Esse processo envolve várias áreas do cérebro, que trabalham juntas para processar a perda e nos ajudar a lidar com a dor emocional.

Alterações no sistema de recompensa do cérebro

Uma das primeiras áreas afetadas durante o luto é o sistema de recompensa do cérebro, que inclui estruturas como o núcleo accumbens e o circuito de dopamina. A dopamina é um neurotransmissor que desempenha um papel crucial na regulação do prazer e da recompensa. Quando experimentamos algo positivo, como comer nosso prato favorito ou receber um abraço, nosso cérebro libera dopamina, gerando uma sensação de prazer.

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Vício digital pode nos deixar dependentes da dopamina
Imagem: MilletStudio (Shutterstock)

No entanto, durante o luto, há uma queda significativa na liberação de dopamina. Isso ocorre porque o objeto ou pessoa perdida estava associado a experiências prazerosas que não estão mais disponíveis. Essa diminuição na dopamina contribui para a sensação de anedonia, que é a incapacidade de sentir prazer nas atividades cotidianas. Como resultado, o indivíduo em luto pode sentir-se apático, desinteressado em atividades que antes lhe traziam alegria.

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Ativação da amígdala e do sistema de estresse

A amígdala é uma pequena estrutura no cérebro que desempenha um papel fundamental na regulação das emoções, especialmente as relacionadas ao medo e à ansiedade. Durante o luto, a amígdala se torna hiperativa, resultando em sentimentos intensificados de tristeza, ansiedade e, muitas vezes, desespero.

Essa ativação da amígdala também está associada à liberação de hormônios do estresse, como o cortisol. O cortisol é conhecido como o “hormônio do estresse” e, em níveis elevados, pode ter efeitos prejudiciais no corpo e no cérebro, incluindo problemas de memória, distúrbios do sono e enfraquecimento do sistema imunológico.

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O Papel do Hipocampo

O hipocampo é uma região do cérebro associada à memória e ao aprendizado também prejudicada durante o luto. Durante esse período, o hipocampo é afetado de duas maneiras principais: pela influência do cortisol e pela alteração no processamento de memórias.

A liberação prolongada de cortisol pode danificar o hipocampo, afetando negativamente a memória e a capacidade de aprendizado. Isso explica por que muitas pessoas enlutadas experimentam dificuldades de concentração e lapsos de memória.

Além disso, o hipocampo é responsável por integrar memórias novas e antigas. Durante o luto, essa função é interrompida, levando a uma “repetição” constante de memórias relacionadas à perda, que podem perpetuar a dor emocional.

Imagem: Mega Curioso/Reprodução

Alterações na Conectividade Cerebral

O luto também provoca alterações na conectividade entre diferentes áreas do cérebro. Estudos de neuroimagem mostram que, durante o luto, há uma diminuição na conectividade entre o córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio lógico e planejamento, e as áreas emocionais, como a amígdala. Isso pode levar a uma menor capacidade de regular emoções, resultando em reações emocionais intensas e, às vezes, irracionais.

Essa desconexão entre as regiões do cérebro pode fazer com que as pessoas enlutadas se sintam emocionalmente “sobrecarregadas” e incapazes de lidar de forma eficaz com a vida cotidiana.

Imagem: Profissional de Sucesso/Reprodução

Alterações na Atividade do Córtex Pré-Frontal

O córtex pré-frontal é a parte do cérebro responsável pelo pensamento racional, planejamento e tomada de decisões. Durante o luto, essa área pode se tornar menos ativa, o que ajuda a explicar por que muitas pessoas experimentam dificuldade em tomar decisões e problemas com a resolução de problemas durante esse período.

Além disso, o córtex pré-frontal desempenha um papel na regulação das emoções, ajudando-nos a controlar sentimentos negativos e manter um equilíbrio emocional. A diminuição da atividade nessa região pode levar a uma exacerbação dos sentimentos de tristeza e desespero.

Fases do luto e como elas ocorrer no cérebro

O luto não é um estado estático; é um processo dinâmico que evolui com o tempo. O modelo das cinco fases do luto, proposto por Elisabeth Kübler-Ross, descreve as diferentes etapas que uma pessoa pode passar ao lidar com a perda. Vamos ver como o cérebro é afetado em cada uma dessas fases:

1. Negação

Na fase de negação, a pessoa pode ter dificuldade em aceitar a realidade da perda. O cérebro de luto, tenta proteger o indivíduo do impacto emocional total, limitando a conscientização do que realmente aconteceu. Durante essa fase, o córtex pré-frontal tenta “racionalizar” a situação, buscando explicações que possam minimizar a dor.

A negação é uma forma de mecanismo de defesa, onde o cérebro temporariamente bloqueia informações dolorosas para evitar uma sobrecarga emocional. A atividade cerebral durante essa fase pode ser caracterizada por uma “desconexão” entre a percepção consciente e a realidade emocional, o que resulta em sentimentos de incredulidade ou confusão.

2. Raiva

A fase de raiva é marcada por sentimentos de frustração e injustiça. Nesse estágio, a amígdala, que regula emoções como medo e raiva, torna-se altamente ativa. A raiva pode ser direcionada a várias fontes, incluindo a própria pessoa, outras pessoas envolvidas ou até mesmo a situação em si.

Durante essa fase, a liberação de neurotransmissores como a norepinefrina pode aumentar, intensificando a resposta emocional e resultando em comportamentos impulsivos ou agressivos. A raiva é uma forma de tentar recuperar o controle sobre a situação, mas também pode levar a uma maior sensação de isolamento.

3. Barganha

Na fase de barganha, a pessoa tenta encontrar maneiras de reverter ou minimizar a perda. O cérebro de luto busca formas de negociar com a realidade, muitas vezes recorrendo a pensamentos mágicos ou a esperança de que algo possa ser feito para alterar a situação.

O córtex pré-frontal, que desempenha um papel importante no pensamento racional, pode tentar criar cenários “e se” que permitem ao indivíduo imaginar alternativas à realidade atual. Isso pode proporcionar um breve alívio emocional, mas também pode perpetuar a sensação de impotência diante da perda.

4. Depressão

A fase de depressão é caracterizada por sentimentos profundos de tristeza e desespero. Durante essa fase, o cérebro experimenta uma diminuição na produção de neurotransmissores como a serotonina, que está associada ao humor e ao bem-estar emocional.

Imagem: mrmohock / Shutterstock.com

A redução na atividade do sistema de recompensa do cérebro leva à anedonia, onde atividades que antes eram prazerosas perdem seu apelo. O indivíduo pode sentir-se desmotivado, fatigado e emocionalmente esgotado. Essa fase é frequentemente marcada por uma profunda introspecção, onde o enlutado processa a realidade da perda em um nível mais profundo.

5. Aceitação

Na fase de aceitação, a pessoa começa a encontrar formas de seguir em frente. O cérebro começa a restabelecer a conectividade entre o córtex pré-frontal e as áreas emocionais, permitindo uma melhor regulação das emoções e um maior equilíbrio emocional.

A aceitação não significa esquecer ou minimizar a perda, mas sim encontrar uma maneira de integrá-la à vida cotidiana. O cérebro, através de processos, começa a criar novos caminhos e redes que ajudam a pessoa a encontrar sentido e propósito após a perda.

O luto é uma experiência emocional complexa que envolve profundas alterações no cérebro e no funcionamento emocional. Desde a queda na produção de dopamina até a ativação da amígdala e a diminuição na conectividade cerebral, o cérebro de luto passa por uma série de desafios que afetam nosso bem-estar mental e físico.

No entanto, apesar dessas dificuldades, o cérebro humano tem uma notável capacidade de adaptação e recuperação. Através da neuroplasticidade, apoio social e resiliência emocional, as pessoas podem encontrar maneiras de superar o luto e seguir em frente com suas vidas.

Compreender o que acontece no cérebro durante o luto não só nos ajuda a empatizar com aqueles que estão sofrendo, mas também nos fornece insights valiosos sobre como apoiar efetivamente os outros e a nós mesmos durante esses momentos difíceis.