Você sabia que existe um animal cujo DNA é 30 vezes o nosso? Mas não se trata de nenhum gigante ou criatura mais avançada, mas um bicho aquático que mais parece ser do período jurássico.

Trata-se do peixe pulmonado, um vertebrado de água doce cujas características se refletem em código genético colossal. Como explica o Science Alert, ele consegue respirar tanto ar, quanto água, tem nadadeiras similares a membros e design esquelético bem desenvolvido.

publicidade

Trata-se de uma criatura estranha, que, para os cientistas, compartilham um ancestral comum com todos os vertebrados de quatro membros, os tetrápodes. Seu nome comum (pulmonado) remete ao fato de eles terem um ou até dois pulmões para respirar ar, algo inexistente na maioria das espécies de peixes.

Entender o que existe neste longo genoma pode dar informações sobre como nossos ancestrais vieram do mais profundo oceano para a terra firme. Nessa linha, cientistas acabaram de realizar uma descoberta ao sequenciar o maior dos genomas dos peixes-pulmão, o sul-americano, de nome científico Lepidosiren paradoxa.

“Com mais de 90 gigabases (ou seja, 90 bilhões de bases), o DNA da espécie sul-americana é o maior de todos os genomas animais e mais que o dobro do genoma do recordista anterior, o peixe pulmonado australiano”, explica o biólogo evolucionista Axel Meyer, da Universidade de Konstanz (Alemanha), ao EurekAlert.

“18 dos 19 cromossomos do peixe pulmonado sul-americano são individualmente maiores que todo o genoma humano, com seus quase três bilhões de bases”, continua o biólogo.

Como dito, esse animal tem genoma que equivale a cerca de 30 vezes o nosso, só para se ter uma ideia. Quando falamos das sequências codificadoras de proteínas do DNA desse peixe pulmonado em particular, foram contados apenas 20 mil.

Representação do DNA
DNA dos peixes pulmonados pode ser importante para elucidar evolução (Imagem: aycan balta/Shutterstock)

Peixe pulmonado tem grande genoma e pode nos ajudar na Teoria da Evolução

  • Outra espécie sequenciada pelos pesquisadores foi a africana (Protopterus annectens);
  • Ela apresentou quantidade de genes individuais similares às de seu primo sul-americano. Ambas as contagens de codificação estão quase no mesmo patamar da biblioteca genética humana;
  • O Science Alert explica que isso deixa muito DNA “estranho” para os pesquisadores analisarem e atribuírem um propósito a eles;
  • O sequenciamento dessas duas espécies se assemelha ao sequenciamento de outro primo: o peixe pulmonado australiano (Neoceratodus forsteri), feito há três anos;
  • Combinando essas sequências genéticas, os pesquisadores podem ter novos pontos de vista sobre como esses animais se diversificaram e evoluíram nos últimos 100 milhões de anos.

Como podemos imaginar, a característica do peixe pulmonado (possuir um ou dois pulmões e respirar ar) poderia ser essencial para realizar a transição para a vida de tetrápode.

Hoje em dia, apenas as três linhagens estudadas existem. Por conta disso, são consideradas fósseis vivos. Comparar como mudaram desde o surgimento dos primeiros tetrápodes (há cerca de 390 milhões de anos, algo discutível) pode auxiliar aos cientistas a entender como se deu esse ponto de virada na evolução das espécies, inclusive a nossa.

Leia mais:

Pesquisa

Meyer, o co-bioquímico Manfred Schartl, da Universidade de Würzburg (Alemanha) e o restante da equipe (formada por cientistas de vários países) descobriram que o motivo pelo qual genoma do Lepidosiren é gigante tem a ver com enorme quantidade de “genes saltadores”, conhecidos como elementos transponíveis, ou transposons.

Tais sequências conseguem se duplicar e se mover pelo genoma, podendo ser prejudicial ao organismo onde se encontra. Contudo, também podem desencadear rápidas mudanças genéticas.

Outra pesquisa, realizada com outro fóssil vivo e que tem relação com o peixe pulmonado, o celacanto, apontou que os transposons podem ter tido importante papel na evolução dos tetrápodes.

Por sua vez, o Lepidosiren pode dar pistas sobre isso. Nos últimos 100 milhões de anos, a cada dez milhões, o genoma cresceu no tamanho do genoma humano.

Segundo os pesquisadores do estudo atual, publicado na Nature, isso é provável, pois o piRNA (RNA que costuma suprimir a atividade do transposon) é bem baixo nos peixes pulmonados, o que teria provocado o inchaço do genoma desse animal. “E continua a crescer”, afirma Meyer. “Encontramos evidências de que os transposons responsáveis ainda estão vivos.”

Como esses genes seguem vivos e se movendo no genoma do Lepidosiren, os cientistas acharam que seria muito difícil de realizar sua análise. Todavia, eles descobriram que o genoma desse peixe é bem estável e que o arranjo dos genes é bem conservador, o que mantém o animal magro.

Isso também permitiu aos pesquisadores realizarem engenharia reversa da arquitetura cromossônica dos ancestrais peixes com nadadeiras lobadas, não somente das três espécies analisadas, mas, sim, de ancestrais de todos os tetrápodes.

A ancestralidade foi confirmada pela nova pesquisa, dando mais ferramentas para o entendimento da evolução dos seres humanos.

Além disso, eles conseguiram contabilizar certas diferenças entre cada espécie. Os peixes pulmonados australianos têm somente um pulmão e conseguem usar suas guelras, além de terem mantido suas nadadeiras semelhantes a membros que eles utilizavam para emergir e andar na terra.

Peixe pulmonado sul-americano
Espécie é considerada fóssil vivo (Imagem: Katherine Seghers/Louisiana State University)

Já os africanos e sul-americanos possuem guelras atrofiadas e um par de pulmões, além de que seus membros evoluíram de volta às nadadeiras filamentosas.

A equipe também realizou testes com camundongos modificados para carregar genes do peixe pulmonado. A partir daí, mostrou que a reversão de membro sofrida pelas espécies sul-americana e africana tinha a ver com mudanças em via de sinalização denominada Shh, que guia o desenvolvimento embrionário. E mais coisas devem ser descobertas.

Os genomas de todas as três linhagens de peixes pulmonados, devido à sua posição filogenética crucial, são a chave para melhor compreensão de como os processos moleculares e de desenvolvimento e as mudanças evolutivas genômicas contribuíram para a conquista de terras e a evolução dos tetrápodes, uma das principais transições durante a evolução dos vertebrados.

Pesquisadores, no artigo da pesquisa publicada na Nature

“O recurso de genomas ao nível de cromossomo para todas as linhagens vivas de peixes pulmonados, agora, permitirá pesquisas futuras sobre ancestrais com nadadeiras lobadas de tetrápodes que conquistaram terras no Devoniano”, explicam os autores.