O cenário que mais da metade do Brasil vem enfrentando graças à pior seca dos últimos 44 anos é desolador, com as queimadas (algumas criminosas), baixa incidência de água, ar seco e prejudicial, entre outros.

A informação foi divulgada pelo Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) a pedido do g1. Das 27 unidades da federação, são 16 estados, além do Distrito Federal, que enfrentam o pior período seco, nos períodos de maio e agosto, desde os anos 1980. São eles:

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  • Amazonas;
  • Acre;
  • Rondônia;
  • Mato Grosso;
  • Pará;
  • Mato Grosso do Sul;
  • Goiás;
  • Minas Gerais;
  • São Paulo;
  • Paraná;
  • Rio de Janeiro;
  • Espírito Santo;
  • Bahia;
  • Piauí;
  • Maranhão;
  • Tocantins.

Nunca tínhamos visto, de forma tão expandida pelo País, fora dos estados do semiárido, uma seca tão longa. Já são 12 meses de duração. Isso é um cenário muito preocupante.

Ana Paula Cunha, especialista em secas e pesquisadora do Cemaden, em entrevista ao g1

Reprodução de queimadas
Seca, combinada com outros fatores (inclusive o humano), vem provocando queimadas (Imagem: Reprodução/Redes sociais)

Como a seca avançou

  • Os primeiros registros são de junho de 2023, com a chegada do El Niño, que mudou os ciclos de chuva;
  • Esperava-se que o período chuvoso em outubro de 2023 amenizasse o impacto do El Niño, mas não foi o que aconteceu;
  • Com muitos bloqueios atmosféricos, impedindo o avanço das frentes frias, o índice ficou abaixo da média em quase todo o país, salvo o Rio Grande do Sul. A região Norte foi a que mais sofreu;
  • No começo deste ano, especialistas esperavam redução no quadro, mas não aconteceu. O El Niño acabou, mas o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, por conta do aquecimento global, fez com que o padrão de chuvas seguisse diferente, permanecendo-a abaixo da média;
  • Enquanto o tempo agia contra por todas essas razões, o Brasil bateu recorde de temperaturas máximas;
  • A seca piorou, pois a evapotranspiração, movimento das águas dos rios evaporando, aumentou. Normalmente, se transformam em umidade e, depois, voltam ao rio com chuva, o que não estava acontecendo.

Agora, são 12 meses sob seca na maior parte do País. O ranking do Cemaden aponta que, em vários trechos, 16 estados registraram o pior índice no período em 44 anos, mas a estiagem está em quase todo o lugar, com exceção do Rio Grande do Sul, mas com intensidade menor.

Hoje, mais de 3,8 mil cidades têm alguma classificação de seca (de fraca a excepcional). O índice é calculado baseado no índice de chuva e varia conforme a proximidade ou distância da média e período. Para se ter uma ideia, o número de cidades nessa situação aumentou quase 60% entre julho e agosto. De acordo com o Cemaden, os números de agosto ainda são prévia e, até o fim deste mês, o cenário pode ficar pior. No Sudeste, por exemplo, das 1.668 cidades existentes, 1.666 estão em situação de seca.

Quanto mais tempo esse cenário durar, mais impactos ele causa, mas mais que isso, é mais difícil ainda de recuperar. A situação é tão grave que é preciso ciclos de chuva acima da média para ajudar a amenizar e isso não vai acontecer no próximo ciclo. Não vai ser o suficiente.

Ana Paula Cunha, especialista em secas e pesquisadora do Cemaden, em entrevista ao g1

E como estão os rios e reservatórios?

A falta de chuva, mesclada com o aumento da temperatura, afetou os rios Brasil afora. A maioria das bacias está sob classificação de seca, conforme o Cemaden, que também monitora nossos rios.

A hidróloga e pesquisadora do órgão, Adriana Cuertas, explica que a estiagem prolongada está fazendo a água desaparecer mais rápido que antes, principalmente na região Norte, além de dificultar a recuperação e sobrevivência dos rios.

Esses ciclos de seca são preocupantes para as bacias. O rio sobrevive com a água do lençol freático, que passa abaixo dele. Se não tem chuva, esse lençol não é alimentado e com tanto tempo sem repor água, isso dificulta a recuperação. Já estamos vendo rios menores, de cabeceiras, desaparecerem com o tempo em alguns pontos.

Adriana Cuertas, hidróloga e pesquisadora do Cemaden, em entrevista ao g1

A descida dos rios também estão sentindo o peso desses problemas. No Norte, há dezenas de cidades em alerta e as autoridades estão pedindo estocagem de alimentos pelos moradores. A navegação em algumas áreas onde é o principal meio de transporte se tornou difícil.

Além das comunidades locais, a economia nacional sofre também, por exemplo, com o escoamento de produtos da zona franca de Manaus. Em 2023, as empresas gastaram R$ 1,4 bilhão pela falta de água, impactando no preço dos produtos distribuídos Brasil afora.

Ainda, a geração de energia também acaba sendo afetada. Na semana passada, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) disse que, com a baixa nos rios do Norte, seria necessário diminuir o uso das usinas hidrelétricas, e acionar as termelétricas mais cedo do que o esperado, como o Olhar Digital noticiou aqui.

Outro problema recai sobre as bacias do Sudeste que alimentam o sistema hidrelétrico, que também estão em situação extrema, conforme o estudo do Cemaden. Por sua vez, o governo diz que há energia suficiente de várias fontes para abastecer o País e não há risco de apagão, mas especialistas em energia alertam a energia pode acabar encarecendo em todos os estados.

Medidas emergenciais acabam impactando no custo da geração da energia, que termina no bolso do consumidor. E não estamos falando só na conta de luz, mas em toda a produção, que impacta até no preço dos alimentos da cesta básica. É preciso olhar para as mudanças climáticas e começar a pensar em maneiras de impedir que isso avance.

Luiz Eduardo Barata Ferreira, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia e do Instituto dos Consumidores de Energia (ICEN) e ex-diretor do ONS, em entrevista ao g1

Imagem aérea de Brasília esfumaçada
Fumaça tomou conta de várias localidades, como Brasília (DF) (Imagem: Joédson Alves/Agência Brasil)

Outras ações negativas causadas pela seca

A seca deixa a vegetação, vítima da ação humana, ressecada e mais vulnerável ao fogo. É por isso que o mínimo foco de incêndio consegue se alastrar por quilômetros a fio.

Em 2024, com a seca, a temporada de queimadas começou antes do esperado – e mais grave do que antes, algo preocupante. Geralmente, o fogo começa a surgir em setembro, mês pico do período seco. Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de focos de incêndio registrados no Brasil é o pior em 14 anos.

Nós nunca vimos esses índices de incêndio no país dessa forma, principalmente nessa época do ano. Isso acontece pela seca, mas se soma ao fator humano. Sabendo que estamos mais vulneráveis, é preciso impedir o fogo, proibir seu uso para manejo da terra com o país tão vulnerável.

Luiz Aragão, pesquisador do Inpe que atua no monitoramento de queimadas, em entrevista ao g1

Até julho, o Pantanal passou dos 800 mil hectares queimados pelo fogo neste ano, digno de recorde, segundo o Inpe. Já a Amazônia Legal registrou, até julho, o maior índice de focos de incêndio em 19 anos. Na última semana, a fumaça da queimada na região chegou ao Sul do Brasil e se espalhou por mais de dez estados (leia mais sobre suas consequências aqui e aqui).

No fim de semana, a onda de incêndios destruiu mais de 20 mil hectares em São Paulo e obrigou mais de 800 pessoas a saírem de casa, segundo o governo do Estado.

O Cerrado também sofre com a chamas. Nesta segunda-feira (26), havia focos ativos no bioma nos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Tocantins. O levantamento do Inpe aponta que, no mês de agosto, até agora, o cenário é pior que o mês todo em 2023, passando de 3,9 mil focos de fogo para 5,5 mil.