Na quarta-feira (28), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, deu prazo de 24 horas para que Elon Musk, dono de SpaceX, X e outras empresas, indique novo representante legal de sua rede social no Brasil, sob pena de suspendê-la no País.

Até agora, este foi o episódio mais recente deste embate entre Musk e Moraes, que já dura um bom tempo. Mas, você sabe como tudo isso começou?

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Para entender como a situação chegou a este nível, precisamos retroceder aos anos de 2020 e 2021, quando a Suprema Corte passou a investigar a disseminação de conteúdos falsos e o possível financiamento de organizações que atuam contra a democracia brasileira.

Logo do X, preto, em fundo branco, mostrado em um smartphone
X poderia ser bloqueado no Brasil após descumprir mais recente ordem do STF (Imagem: Michele Ursi/Shutterstock)

Já no início de 2023, a Suprema Corte abriu investigação sobre as atividades de apoiadores e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que culminaram na tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro do ano passado.

No STF, Moraes é o relator dos inquéritos que investigam as fake news, as milícias digitais e os atos golpistas. No âmbito dessas três investigações, o ministro determinou, entre outras, o bloqueio de uma série de perfis em redes sociais administrados por pessoas acusadas de atentar contra a democracia brasileira e o processo eleitoral.

As decisões de Moraes foram recebidas com críticas e insatisfação por direitistas e políticos ligados a Bolsonaro, que o acusam de censura e de cerceamento da liberdade de expressão nas redes sociais. Por sua vez, Moraes tem respaldo dos demais ministros do STF, que alegam que a liberdade de se expressar não pode ser confundida com permissão para desrespeitar leis e agir contra a ordem democrática.

O ministro já disse, algumas vezes (e até já colocou em seus despachos), que as redes sociais não são terra sem lei, nem terra de ninguém. Em abril deste ano, Musk fez coro aos direitistas insatisfeitos com Moraes e utilizou o X para atacar o magistrado e ameaçar não mais cumprir suas ordens judiciais.

Com a postagem na rede, o bilionário sul-africano deu início a briga pública com Moraes, além de ter sido incluído no inquérito das milícias digitais e de ser alvo de nova investigação.

A novela seguiu com várias multas impostas ao X por Moraes, apresentação de recursos, as decisões de Musk de fechar o escritório do X no Brasil e retirar o representante legal da plataforma do Brasil. Vale ressaltar que a lei brasileira obriga que as empresas estrangeiras tenham representantes legais por aqui.

Nesta quarta-feira (28), a forma que Moraes e o STF encontraram para intimar Musk, já que o X não tem mais representante brasileiro, foi pela própria rede social.

Na intimação, Moraes exige a indicação do representante, além de requerer o pagamento de multas passadas não pagas, sob pena de bloqueio da rede social no País. Musk reagiu com um meme.

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Alexandre de Moraes em pé gesticulando
Moraes é o responsável, no STF, por três inquéritos que envolvem Musk e X (Imagem: casa.da.photo/Shutterstock)

Musk respondeu a intimação de Moraes com ataques

  • Após várias ordens de Moraes para bloqueio de perfis do X, Musk fez postagem com ataques ao ministro e ameaçou não cumprir suas decisões, além de reativar os perfis bloqueados judicialmente;
  • Isso aconteceu em 6 de abril de 2024, um sábado;
  • Na sua própria plataforma, respondendo postagem feita por Alexandre de Moraes sobre outro tema, Musk perguntou, em inglês: “Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?”;
  • Horas depois, ele voltou a atacar Moraes;
  • Também no X, ameaçou reativar outros perfis bloqueados, desrespeitando as decisões do Supremo, mesmo que isso causasse o fechamento do escritório da empresa no Brasil e prejudicasse os lucros.

“Estamos levantando as restrições. Esse juiz aplicou penas massivas, ameaçou prender nossos funcionários e cortar os acessos ao X no Brasil”, afirmou o empresário. No dia seguinte, um domingo, novos ataques de Musk ao ministro.

No dia seguinte aos primeiros ataques de Musk, Moraes deu seu tom à contenda. O ministro determinou que a conduta do empresário sul-africano fosse investigada em novo inquérito e o incluiu entre os investigados no inquérito das milícias digitais.

Na ocasião, o magistrado também ordenou que o X não desobedecesse nenhuma ordem da Justiça brasileira e estipulou multa de R$ 100 mil para cada perfil reativado sem permissão. Moraes justificou dizendo que viu visto indícios de obstrução de Justiça e incitação ao crime nas atitudes de Musk.

Na sequência, Musk chamou Moraes de “ditador brutal” e disse que o ministro tem o presidente Lula “na coleira”. O clima tenso entre empresário e ministro continuou nos meses que vieram, até que, em 17 de agosto, o X anunciou o fechamento de seu escritório no Brasil. Cerca de 40 funcionários foram demitidos.

A plataforma tomou a medida alegando que Moraes “ameaçou” multar e prender a responsável pelo X no Brasil, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, por descumprimento de decisões judiciais. O perfil de assuntos globais da empresa publicou mensagem sobre a decisão:

Estamos profundamente tristes por termos sido forçados a tomar essa decisão. A responsabilidade é exclusivamente de Alexandre de Moraes. Suas ações são incompatíveis com um governo democrático. O povo brasileiro tem uma escolha a fazer – democracia ou Alexandre de Moraes.

Perfil de assuntos globais do X, em publicação no X

Apesar de o escritório ter sido fechado, o X continuou funcionando e descumprindo decisões do STF quanto ao bloqueio de perfis acusados de ilegalidades. Em razão disso, o ministro aumentou a multa diária pelo desobediência para R$ 200 mil, até que as determinações fossem cumpridas.

Dada a falta de um representante legal, o magistrado expediu nova ordem nesta quarta-feira (28), determinando que o X indicasse novo representante. Na ausência deste, o STF decidiu intimar Musk no próprio X, por meio de seu perfil.

Na intimação, Moraes deu prazo de 24 horas para que Musk nomeie novo representante, podendo tirá-la do ar no Brasil. Na publicação, foram marcados os perfis de Musk e o de assuntos globais. Foi a primeira vez que o Supremo utilizou a plataforma para intimar alguém.

Em resposta, o dono da rede social publicou imagem produzida por inteligência artificial (IA) ironizando o ministro do STF. Na postagem, ele compara o ministro a vilões de Star Wars e Harry Potter.

Já nesta quinta-feira (29), Moraes bloqueou contas da Starlink, provedora de internet via satélite, que também pertence ao bilionário por meio da SpaceX. Essa decisão também gerou reações de Musk. Em outra publicação, o empresário chamou o ministro de “ditador do Brasil”.

“O tirano Alexandre [de Moraes] é o ditador do Brasil. Lula é seu cachorrinho”, escreveu Musk, em tradução livre.

elon musk
Musk costuma revidar as decisões do magistrado com ataques em sua rede social (Imagem: Alessia Pierdomenico/Shutterstock)

Episódios similares com outras plataformas

Os episódios com X e Musk não são os únicos envolvendo Moraes e big techs desde que tomou posse como ministro do STF, em 2017. Em 2023, ele determinou que o Telegram indicasse, também em 24 horas, seu representante legal no Brasil.

O ministro tomou a decisão após o Supremo ter encontrado dificuldades para notificar o mensageiro (cujo CEO, Pavel Durov, foi preso, solto pouco depois e indiciado) sobre medidas judiciais. Na ocasião, o Telegram cumpriu a determinação e indicou como representante um escritório de advocacia brasileiro.

O que diz a lei

De acordo com o Código Civil brasileiro, para operar por aqui, uma empresa estrangeira precisa de autorização do Executivo. Ainda, entre outras obrigações, ela precisa ter representante legal no País, conforme prevê o artigo 1.138 da lei:

A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade.

Art. 1.138 do Código Civil brasileiro

Por sua vez, o Marco Civil da Internet define as regras para remoção de conteúdos por parte das plataformas. No caso do X, os perfis que o STF os fez bloquear, por exemplo.

E, ainda nesta quinta-feira (29), teremos novo capítulo nessa disputa, pois as 24 horas estabelecidas por Moraes estão se esgotando (a rede social tem até às 20h07, no horário de Brasília), e o X pode mesmo ser tirado do ar. Só nos resta aguardar o desfecho.