Imaginem o Universo como um vasto oceano cósmico, repleto de ondas invisíveis que se propagam pelo espaço-tempo, carregando consigo os ecos de fenômenos cataclísmicos. Essas são as ondas gravitacionais, mensageiras cósmicas que nos trazem informações sobre os eventos mais extremos do Universo, como a colisão de buracos negros e a explosão de supernovas. Tais eventos sacodem o espaço-tempo provocando verdadeiros tsunamis gravitacionais, mas após percorrer milhões, ou até bilhões, de anos-luz de distância, chegam até a Terra como “marolinhas” imperceptíveis. Mas já tem muito cientista surfando nessa nova onda da astronomia!
Para entendermos o que são as ondas gravitacionais, precisaremos voltar ao início do Século XX, quando Albert Einstein publicou sua Teoria da Relatividade Geral. Ele propôs que a gravidade não é uma força, como Newton havia descrito séculos atrás, mas sim uma curvatura no espaço-tempo causada pela presença de massa. Imaginem uma bola de boliche colocada sobre um colchão macio. A bola cria uma depressão no colchão, fazendo com que qualquer bolinha de gude próxima role em direção a ela. Assim como a bola de boliche distorce o colchão, grandes massas distorcem o espaço-tempo, atraindo outras massas para essa depressão.

Einstein também previu que eventos violentos no Universo, como a colisão de objetos massivos, criam ondulações no espaço-tempo, que se propagam em todas as direções na velocidade da luz. Essas são as ondas gravitacionais, semelhantes às ondulações criadas por uma pedra jogada em um lago, mas em vez de água, elas distorceriam o próprio tecido do espaço-tempo.
A princípio, a ideia foi recebida com ceticismo pela comunidade científica. E nem mesmo Einstein acreditava que, um dia, teríamos tecnologia capaz de comprovar a existência das ondas gravitacionais. Isso porque eventos como colisão de buracos negros ou explosões de supernovas ocorrem muito distantes daqui. Então as ondas gravitacionais geradas por eles se dispersam e chegam muito fracas aqui na Terra. Detectá-las seria como tentar ouvir o bater de asas de uma borboleta em meio a um show do Iron Maiden! Comprovar as ondas gravitacionais parecia uma missão impossível… até 2016, quando uma equipe de pesquisadores americanos anunciou a descoberta que provaria que Einstein estava certo… mais uma vez.
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Tal descoberta só foi possível graças ao LIGO, o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser, um projeto de 200 milhões de dólares anuais, que consiste em dois detectores gigantescos construídos nos Estados Unidos, um no Estado de Washington e outro em Louisiana. Cada detector é composto por dois tubos, de 4 km de comprimento, em forma de “L”. Um feixe de laser é dividido em dois por um espelho divisor. Os dois feixes resultantes percorrem os tubos até o final, onde são refletidos de volta e se juntam novamente no mesmo ponto. O sistema é ajustado para que as ondas eletromagnéticas do feixe de laser se anulem no final do trajeto, mas se houver qualquer mínima variação no comprimento de um dos tubos, uma diferença de fase é percebida, ou seja, as ondas luminosas se desencontram gerando uma detecção.

A expectativa era detectar as ondas gravitacionais atingindo a Terra e provocando ondulações no espaço, comprimindo um dos tubos e esticando o outro. Essas variações são incrivelmente pequenas, exigindo uma sensibilidade extrema, e no caso do LIGO, cada sensor é capaz de detectar variações de comprimento de até um décimo de milionésimo do diâmetro de um único próton. Com esta sensibilidade, não é difícil imaginar que ele possa sofrer interferência de um monte de ruído terrestre. E de fato, os sensores do LIGO detectam, desde pequenos tremores de terra, até vibrações provocadas por um carro freando numa rodovia próxima.
Para ter certeza de que detectaram mesmo uma onda gravitacional, os cientistas do LIGO precisam observar o mesmo padrão de sinal nos dois sensores em Washington e Louisiana. A diferença de horário entre a detecção nos dois sensores não pode ser superior a 10 milissegundos, o equivalente ao tempo em que a onda gravitacional, viajando na velocidade da luz, levaria para percorrer os 3 mil km de distância entre as duas localidades. Com isso, o único fenômeno conhecido capaz de produzir essas vibrações e que se propaga na velocidade da luz é aquele previsto por Albert Einstein há mais de um século: as ondas gravitacionais.
E, pela primeira vez, em 14 de setembro de 2015, o LIGO detectou um sinal com todas essas características. Eram as primeiras ondas gravitacionais detectadas diretamente, e foram geradas pela colisão de dois buracos negros, há mais de um bilhão de anos! Foi como se estivéssemos escutando, pela primeira vez, os sussurros do Cosmos, revelando segredos de eventos cataclísmicos que jamais poderíamos observar, nem com nossos melhores telescópios. A descoberta foi tão revolucionária que rendeu o Prêmio Nobel de Física, em 2017, a Rainer Weiss, Barry Barish e Kip Thorne por suas contribuições para a detecção das ondas gravitacionais.

A partir de então, dezenas de eventos de ondas gravitacionais foram detectados, a maioria deles provenientes da fusão de buracos negros. Mas não apenas buracos negros colidem no universo. O LIGO e o Virgo, um detector similar localizado na Itália, também detectaram ondas gravitacionais da colisão de estrelas de nêutrons, objetos extremamente densos que são o resultado da explosão de supernovas. Essas colisões, além de gerar ondas gravitacionais, também produzem luz e outros tipos de radiação, incluindo raios gama e raios X. Isso permite aos astrônomos observar o mesmo evento com diferentes “olhos”, o que chamamos de astronomia multi-mensageira.

A astronomia de ondas gravitacionais abriu uma nova janela para o Universo. Ela nos permite observar eventos que são invisíveis para os telescópios tradicionais, como a colisão de buracos negros, e nos dá informações sobre a natureza da gravidade e a evolução do Cosmos. É como se tivéssemos ganhado um novo sentido, além da visão, para explorar o Universo.
Futuramente, novas missões, como o LISA (Laser Interferometer Space Antenna), um detector de ondas gravitacionais espacial, nos ajudarão “escutar” esses fenômenos em frequências mais baixas a partir do espaço, o que nos permitirá detectar eventos ainda mais distantes e massivos no universo.
A astronomia de ondas gravitacionais é uma fronteira em constante expansão, prometendo revolucionar nossa compreensão do Cosmos. Cada nova detecção não é apenas uma descoberta, mas um verso adicional em um poema épico, narrado aos sussurros pelo próprio Universo. Como Einstein havia previsto, estamos navegando através das ondas deste imenso oceano cósmico, e a cada onda, estamos mais próximos de compreender os mistérios mais profundos do espaço e do tempo.