Quando os romanos chegaram às Ilhas Britânicas, encontraram comunidades governadas por rainhas guerreiras e outras mulheres de elevado estatuto. Ou, pelo menos, foi assim que Júlio César e diversas testemunhas descreveram a situação neste novo e diferente território.
Embora os historiadores atuais tenham tendência a desconfiar da veracidade desses relatos, considerados exagerados e imprecisos, uma nova análise de DNA sugere algo diferente. O exame do material genético demonstrou que as mulheres eram dominantes na Grã-Bretanha de 2.000 anos atrás.
A hipótese de que figuras femininas comandavam essas sociedades antigas teve apoio anteriormente por descobertas em cemitérios celtas. Principalmente em Dorset, sul da Inglaterra, onde uma tribo conhecida como Durotriges viveu entre 100 a.C. e 100 d.C.
Nestes locais, os enterros femininos contêm normalmente bens funerários luxuosos. Isso sugere que as mulheres podem ter ocupado cargos de influência política, militar e social nessas sociedades.

Leia mais
- Esqueleto da Idade do Ferro apresenta evidência de sacrifício humano
- Colecionador encontra artefatos da Idade do Ferro e da era romana em ilha galesa
- Milhares de ossos revelam detalhes de ritual da Idade do Ferro
DNA revela uma linhagem materna dominante
Na nova pesquisa, a equipe sequenciou o DNA de 55 indivíduos. O local escolhido foi o cemitério Duotrigiano de Winterborne Kingston, além de outras necrópoles ao redor.
Para propor como essas comunidades eram estruturadas, os pesquisadores analisaram o nível de diversidade do material genético mitocondrial, herdado apenas da mãe. Também coletaram o cromossomo Y, transmitido de pai para filho.
Estas duas porções do genoma podem ser usadas para traçar as genealogias maternas e paternas de um indivíduo. Os resultados revelaram que mais de dois terços dos enterrados em Winterborne Kingston descendem de uma única linhagem materna, até então desconhecida.

“Em contraste, as relações através da linha paterna estavam quase ausentes”, explicou a Dra. Lara Cassidy, autora do estudo. Isso foi evidenciado pelos elevados níveis de diversidade do cromossomo Y entre os homens do cemitério, o que sugere que todas as figuras masculinas analisadas vieram de outros lugares. Enquanto isso, as mulheres eram locais.
“Isto diz-nos que os maridos passaram a juntar-se às comunidades das suas esposas após o casamento, com a terra potencialmente transmitida através da linha feminina”, diz a doutora.
O arranjo familiar descoberto é conhecido como matrilocalidade. Ele contrasta com as sociedades patrilocais, até então consideradas a norma durante a maior parte da pré-história.

Uma Grã-Bretanha governada por mulheres
A equipe se perguntou até que ponto as sociedades nessa configuração poderiam ter se difundido no mundo antigo. Então, examinaram os genomas de indivíduos de 156 cemitérios em toda a Europa, desde o Neolítico até a Idade do Ferro.
O grupo encontrou evidências de matrilocalidade em seis áreas diferentes, todos da Idade do Ferro na Inglaterra. “Em Yorkshire, por exemplo, uma matrilinhagem dominante se estabeleceu antes de 400 a.C. Para nossa surpresa, este foi um fenômeno generalizado e com raízes profundas na ilha.”, comenta Cassidy
Os pesquisadores dizem que as descobertas dão maior credibilidade aos relatos de Júlio Cesar e outros autores. De acordo com as histórias registradas, os governos da ilha eram comandados por mulheres guerreiras, como as lendárias rainhas Boudicca e Cartimandua, responsáveis por dar grande dor de cabeça ao Império Romano e suas ambições.
“Tem sido sugerido que os romanos exageraram as liberdades das mulheres britânicas para pintar um quadro de uma sociedade indomada”, explica o diretor da escavação, Dr. Miles Russell. “Mas a arqueologia, e agora a genética, implica que as mulheres foram influentes em muitas esferas da vida na Idade do Ferro.”