O vulcão Cumbre Vieja, localizado na ilha de La Palma, na Espanha, entrou em erupção pela última vez em 2021. A explosão liberou grandes quantidades de lava, além de nuvens de fumaça.
Recentemente, o local virou tema de ficção.
Inferno em La Palma, uma série da Netflix, conta a história de uma família norueguesa que passava férias na ilha, quando o vulcão entra em erupção e gera um tsunami gigantesco, capaz de chegar até mesmo à América do Sul.
A série se embasa em fatos reais? Não. Mas há um ponto de partida.
Essa hipótese aparece em um estudo de 2001, publicado pelo especialista em tsunami Simon Day e pelo geofísico Steven Ward na revista Geophysical Research Letters. Segundo a pesquisa, uma futura erupção no lado oeste de Cumbre Vieja poderia causar um imenso deslizamento de terra.
Assim, o vulcão levaria uma enorme quantidade de rochas para o oceano, gerando um tsunami que atingiria até o litoral brasileiro, como a série da Netflix retrata.
Será que o vulcão Cumbre Vieja ameaça mesmo o Brasil?
O vulcão fica bem longe de nós: a noroeste da África, próximo da costa do Marrocos e do Saara Ocidental. Como você verá a seguir, essa hipótese é muito, muito distante. E, cientificamente, um tanto rejeitada.
Por exemplo: um estudo do pesquisador estadunidense George Parara-Carayannis, presidente da Tsunami Society International, apontou que um colapso dessa magnitude é “extremamente raro e nunca ocorreu na história registrada“.
Parara-Carayannis ainda disse que as pesquisas mais recentes que preveem tsunamis originados por uma erupção do Cumbre Vieja têm base em suposições equivocadas.
“[Uma] atenção e publicidade inapropriadas da mídia a tais resultados probabilísticos têm criado ansiedade desnecessária de que megatsunamis poderiam ser iminentes e devastar populações costeiras em localidades distantes da origem – nos oceanos Atlântico e Pacífico”, continuou.

Mais questionamentos
Como mostrou reportagem da VEJA, uma série de pesquisas mostra que a chance de um megatsunami é quase impossível e não se sustenta em evidências científicas. A matéria cita a avaliação do Serviço Geológico dos Estados Unidos de que é altamente improvável um cenário do tipo. Provavelmente, levaria centenas de milhares de anos para um deslizamento de terra tão grande no vulcão Cumbre Vieja.
A modelagem de tsunamis também avançou consideravelmente desde 2001. Estudos sobre ondas induzidas por deslizamentos mostram que elas se propagam em velocidades diferentes e interagem mais ao longo de grandes distâncias, resultando em alturas de onda menores longe de suas fontes. Um melhor conhecimento da batimetria oceânica, da topografia de ilhas e costas, e da transferência de energia entre blocos de deslizamento e a água também contribuiu para uma modelagem mais precisa.
Essas novas simulações sugerem que a altura máxima da onda ao longo da costa leste das Américas, em um “cenário de pior caso” de colapso de La Palma, seria da ordem de 1 a 2 metros — ainda perigosa, mas semelhante a uma maré de tempestade comum.
Serviço Geológico dos Estados Unidos, em comunicado
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Falta informação sobre como se proteger de tsunamis, alerta pesquisador brasileiro
Apesar de um tsunami no Brasil ser algo quase impossível, alguns especialistas destacam que a população brasileira deveria ser conscientizada. É o que defende o geólogo Mauro Gustavo Reese Filho, da Universidade Federal do Paraná. O assunto foi tema de uma reportagem da Agência Brasil.
O pesquisador brasileiro aponta a falta de cuidados preventivos na costa do nosso país. E afirma, em estudo, que deveriam existir sistemas de alarme que possibilitassem a evacuação de áreas atingidas por ondas gigantes ou outros desastres relacionados.
Segundo ele, a simples possibilidade de ocorrência deste evento, mesmo que remota, deveria mobilizar as autoridades. “Estudos mais recentes dizem que as chances de ocorrência são remotas e longínquas, no entanto, o estabelecimento de sistemas de alarme que possibilitam a evacuação de áreas é justificável quando se trata de vidas humanas”, afirmou.
O Brasil já passou por um tsunami?
Apesar de os pesquisadores apontarem que a chance de esse fenômeno chegar ao Brasil é remota, isso já aconteceu por aqui. Uma pesquisa de 2020, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), liderada pelo professor Francisco Dourado, do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Desastres (Cepedes), diz que, em 1755, o país enfrentou um tsunami.
Só que esse não foi um fenômeno “comum”: ele teria sido causado por um forte terremoto que assolou Lisboa (Portugal) no mesmo ano. Vale lembrar que os países estão separados por um Oceano Atlântico.
#TsunamiNoBrasil 🌊
— Rede Sismográfica Brasileira (@RSBR_Oficial) November 1, 2020
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No dia 1o de novembro de 1755, um #tsunami atingiu o litoral do Nordeste brasileiro, destruindo habitações modestas e desaparecendo com duas pessoas. O #maremoto nasceu do #TerremotodeLisboa, que hoje cumpre o seu 265 aniversário. pic.twitter.com/RLTW53NfpL
Como visto na publicação acima, a Rede Sismográfica Brasileira tratou do tema no X, na qual há um vídeo do professor aposentado do Instituto de Geociências e ex-chefe do Observatório Sismológico da UnB José Alberto Vivas Veloso falando sobre o assunto.
As informações do estudo dão conta de que o terremoto de 1755 foi o maior que a Europa já viu, atingindo 8,7 graus na escala Richter. Lisboa foi destruída, bem como grande parte do sul de Espanha e Marrocos. Foi por conta dele que um tsunami atingiu Irlanda e Caribe.
Poucos são os registros, mas estima-se que entre 20 mil e 30 mil pessoas faleceram; contudo, outros dados dão conta de que as mortes chegaram a 100 mil. Como diz a BBC, O ocorrido deu início à era moderna nos estudos sismológicos.
O trabalho de Dourado e sua equipe baseou-se em levantamento histórico do professor Alberto Veloso, que escreveu o livro “Tremeu a Europa e o Brasil também“. Foram estudados 270 quilômetros e 22 praias localizadas entre Rio Grande do Norte e o sul de Pernambuco.
Veloso diz: “No início da tarde de 1º de novembro de 1755, um tsunami atingiu o litoral do Nordeste. Ele penetrou terra adentro, destruiu habitações modestas e desapareceu com duas pessoas. Isso é desconhecido da maioria dos brasileiros.”
Além disso, foram deixadas quatro cartas da época que relatam o fenômeno, escritas pelo arcebispo da Bahia, pelos governadores de Pernambuco e da Parayba e por um militar. Elas estão sob a guarda do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa.

Uma carta de 10 de maio de 1756 retrata o acontecimento, registrado em 1 de novembro de 1755. “As águas transcenderam os seus limites e fizeram fugir os habitantes das praias.”
Outra que também aparece no estudo e foi escrita em 4 de março de 1756, diz que, “em Lucena e Tamandaré, a enchente do terremoto entrou pela terra adentro coisa de uma légua (4 a 5 km) terra adentro e levou algumas casas de palhoça e falta um rapaz e uma mulher”.
Os pesquisadores documentaram evidências de que o tsunami provocado pelo terremoto de Lisboa chegou às costas brasileiras. Análises revelaram microorganismos e elementos químicos em praias brasileiras que só poderiam ter sido transportados por grandes ondas. O estudo começou com simulações matemáticas do possível trajeto do tsunami antes de prosseguir com investigações de campo.
Na praia de Pontinhas (PB), pesquisadores identificaram camada de areia grossa contendo vestígios do fenômeno. Segundo a pesquisa da UERJ, as ondas que atingiram a praia de Lucena (PB) alcançaram entre 1,7 e 1,8 metro de altura, enquanto em Tamandaré (PE), as ondas chegaram a 1,8-1,9 metro, com volume substancial de água.
Estas ondas penetraram significativamente no continente: até quatro quilômetros em áreas próximas a rios e na região da Ilha de Itamaracá (PE), 800 metros em Tamandaré e 300 metros em Lucena.
Em publicação na Revista da USP (2018), o professor Veloso examina a classificação de ondas gigantes registradas no Brasil como possíveis “tsunamis”. Ele observa que tsunamis são raros, mas podem ocorrer em qualquer oceano ou mar, variando em tamanho e impacto.
O artigo questiona: “Já ocorreu, ou poderá acontecer, um tsunami no Brasil?” A resposta não é simples. A explicação tradicional para a ausência de tsunamis no Brasil é a raridade de terremotos submarinos de grande magnitude na região. Contudo, Veloso adverte que a falta de registros históricos não exclui a possibilidade futura, mesmo que remota, de um tsunami significativo.
“O desconhecimento de abalos significativos no passado e o não registro de sismos fortes na atualidade não asseguram situação similar para o futuro.” Veloso analisa cinco casos de “manifestações marinhas incomuns” no litoral brasileiro:
- São Vicente (SP), em 1541;
- Salvador, em 1666;
- Cananeia (SP), em 1789;
- Baía de Todos os Santos (BA), em 1919;
- Arquipélago de São Pedro e São Paulo (PE), em 2006.
A maioria destes eventos não foi precedida por atividade sísmica ou vulcânica, descaracterizando-os como tsunamis genuínos. Os incidentes em Cananeia e na Baía de Todos os Santos tiveram origem em terremotos de baixa magnitude.
O estudo identificou um tremor que gerou ondas semelhantes a um pequeno tsunami. Embora modesto, este caso é significativo por representar a validação de um “minitsunami” brasileiro.