EUA: Trump avisa Lula que vai investigar ações do Brasil contra big techs

Declaração foi dada em carta enviada ao presidente brasileiro; líder estadunidense também ameaçou com outras sanções
Rodrigo Mozelli09/07/2025 19h21, atualizada em 09/07/2025 21h58
Fotos de Donald Trump e Lula lado a lado
(Imagem: bella1105/Shutterstock)
Compartilhe esta matéria
Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Nesta quarta-feira (9), o presidente dos EUA, Donald Trump, enviou carta ao presidente Lula, na qual comunicou, entre outras coisas, que vai investigar condutas do Brasil contra as big techs estadunidenses.

Trump afirma, na carta, que seu governo busca uma retaliação formal por conta das medidas judiciais brasileiras impostas a essas empresas, como, por exemplo, a suspensão do X, pedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

O presidente dos EUA afirmou, ainda, que pediu a um de seus principais auxiliares na taxação mundial para investigar as supostas ações do Brasil contra as atividades comerciais digitais das companhias dos EUA, bem como “outras práticas desleais“.

“Além disso, devido aos contínuos ataques do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas, bem como a outras práticas comerciais injustas, estou ordenando ao Representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer, que inicie imediatamente uma investigação com base na Seção 301 sobre o Brasil”, informou, no texto (leia-o na íntegra no fim desta reportagem).

Donald Trump
Trump acusa Brasil de abusar nas condutas relacionadas às big techs estadunidenses (Imagem: Chip Somodevilla/Shutterstock)

Como Trump quer investigar o Brasil

  • A Seção 301 citada na carta está na Lei de Comércio dos Estados Unidos (Trade Act), de 1974. Essa regulamentação é a base de Trump para realizar as recentes taxações a vários países;
  • Ela diz que o governo dos EUA pode, via Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) impor sanções e retaliações comerciais a outras nações;
  • Isso pode acontecer se, após uma investigação, for comprovado que houve práticas desleais, injustas, discriminatórias ou ilegais que prejudiquem sua economia;
  • Essa medida está sendo usada, por exemplo, contra a China, que é acusada de apropriação indevida de propriedade intelectual estadunidense, como lembra O Globo;
  • Vale destacar que entram, nesse bojo, subsídios a produtos concorrentes dos EUA e restrições à atividade de empresas locais.

Ainda nesta quarta-feira (9), Lula disse, em reunião com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que irá adotar estratégias e infraestruturas indianos para proteger o Brasil das big techs. Leia mais aqui.

Outros temas da carta do presidente dos EUA ao presidente brasileiro

Tarifaço de 50%

Outra temática abordada no documento é a taxação de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os EUA, que deve entrar em vigor em 1º de agosto.

O republicano informou, sem apresentar provas, que a decisão de aplicar o tarifaço se deu “devido aos ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos”.

“[Isso ocorreu] como demonstrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro”, prosseguiu.

Essa tarifa será aplicada sobre “todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os EUA, separada de todas as tarifas setoriais existentes”. A siderurgia brasileira poderá ser o setor mais afetado, pois produtos, como aço e alumínio, já estão com 50% de taxas estadunidenses.

Trump também cita barreiras comerciais impostas a seus produtos, que considera “injusta” e enxerga déficit comercial entre EUA e Brasil. Contudo, como colocam O Globo e g1, tal déficit pende para o lado do Brasil. Logo, a “injustiça” vista pelo presidente estadunidense é inexistente.

Dados do Ministério do Desenvolvimento apontam que, há 16 anos seguidos, o Brasil tem déficits comerciais em relação à superpotência. Sendo assim, analistas ouvidos pelo g1 entendem que as taxas de Trump possuem forte componente geopolítico, visando aumento de poder de barganha e influência em relações com as demais nações.

“Caso o senhor deseje abrir seus mercados comerciais até agora fechados aos Estados Unidos, e eliminar suas políticas tarifárias, não tarifárias e barreiras comerciais, nós poderemos, talvez, considerar um ajuste a esta carta. Essas tarifas poderão ser modificadaspara cima ou para baixo — dependendo do relacionamento com seu país. Os senhores nunca se decepcionarão com os Estados Unidos da América”, prossegue.

“Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os EUA. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional“, justificou o presidente estadunidense.

Mas o republicano disse que, caso as empresas brasileiras optem por “construir ou fabricar produtos dentro dos EUA”, a taxação poderá ser revista e que, caso haja retaliação, ele afirmou que devolverá na mesma medida.

“Se por qualquer razão o senhor [presidente Lula] decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos“, frisou.

Montagem com bandeira dos Estados Unidos sobreposta em imagem de porto e linhas de ações financeiras para ilustrar tarifas
Tarifação do Brasil também foi tema da carta (Imagem: Bigc Studio/Shutterstock)

Relação da balança comercial Brasil-Estados Unidos

Enquanto há verdadeiro déficit entre outros países e os EUA, a nação experimenta um superávit ante o Brasil, ou seja, brasileiros adquirem mais produtos dos EUA do que os estadunidenses do Brasil.

A Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham) diz que são 51 itens industriais que compõem 70% das exportações brasileiras ao país. É algo bem diversificado, pois são produtos de aviões a maquinas e, inclusive, produtos químicos.

Os produtos mais exportados pelo Brasil são os industrializados, de maior valor agregado. Isso, relembra O Globo, torna essa relação comercial ainda mais importante.

Em 2024, foram exportados cerca de US$ 40 bilhões (R$ 223,30 bilhões, na conversão direta). Já a corrente de comércio foi de US$ 81 bilhões (R$ 452,19 bilhões), representando 8,2%, conforme informações da FGV colhidas em junho.

Em abril, as exportações brasileiras para os EUA somaram US$ 3,57 bilhões (R$ 19,92 bilhões), alta de 21,9% antes o mesmo período em 2024, conforme dados do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

Já as importações tiveram valor de US$ 3,79 bilhões (R$ 21,15 bilhões), 14% de aumento ante abril do ano passado. As exportações de aço — produtos semiacabados, lingotes e outras formas primárias de ferro ou aço —, que já sofrem tarifação dos EUA de 25% desde março, sofreram queda de 23,2%, bem como as de alumínio (73%), se comparadas a 2024, no mêsmo mês de referência.

Entre janeiro e abril de 2025, o Brasil viu as exportações para os estadunidenses crescerem em 3,7%, além de ter aumentado as importações em 14,6%, conforme dados preliminares do governo brasileiro.

Defesa de Bolsonaro

Trump também reforçou, na carta, sua defesa ao ex-presidente Jair Bolsonaro, réu de inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) que apura a tentativa de golpe de Estado e os atos criminosos que aconteceram na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Inclusive, Trump também usou, como justificativa para os novos 50% de taxa, as investigações contra Bolsonaro, afirmando que a conduta brasileira com o ex-presidente é “uma vergonha internacional“. O republicano também acusou o governo brasileiro de estar realizando “caça às bruxas” ao julgar Bolsonaro, que “deve acabar imediatamente“.

“Conheci e tratei com o ex-Presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei muito, assim como a maioria dos outros líderes de países. A forma como o Brasil tem tratado o ex-Presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, falou, sobre o caso.

Leia mais:

Extra: ameaça dos EUA ao Brics

Na terça-feira (8), Trump anunciou que os países do Brics serão tarifados em 10%muito em breve“. O presidente estadunidense alega que o bloco estaria querendo prejudicar os EUA e substituir o dólar como moeda padrão global.

“Se eles quiserem jogar esse jogo, tudo bem, mas eu também sei jogar. Qualquer país que fizer parte do Brics terá uma tarifa de 10%, apenas por esse motivo”, afirmou Trump em entrevista coletiva na Casa Branca realizada na terça-feira (8).

“O que eles estão tentando fazer é destruir o dólar para que outro país assuma a posição e torne sua moeda o novo padrão. Perder o padrão mundial do dólar seria como perder uma grande guerra mundial. Não seríamos mais o mesmo país. E não vamos deixar isso acontecer“, finalizou.

Trump cita “políticas antiamericanas“, mas não explicou o termo. Ainda, autoridades estadunidenses garantem não haver decreto em elaboração e que os próximos passos seguidos pelos EUA se balizarão nas decisões futuras tomadas pelo Brics.

Jair Bolsonaro
Trump defende Bolsonaro na carta enviada a Lula (Imagem: Salty View/Shutterstock)

Lula já respondeu ao presidente dos EUA

O presidente Lula já emitiu resposta aos temas da carta enviada a ele nesta quarta-feira (9) a fala do presidente estadunidense sobre o Brics.

Na terça-feira (8), Lula disse que os países do Brics são soberanos e “não aceitamos intromissão de quem quer que seja. Nós defendemos o multilateralismo”.

Já sobre a carta, o presidente brasileiro, em nota enviada pelo Palácio do Planalto à imprensa, ressaltou que o Brasil é “um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém“, em referência à nova taxação.

Ainda nessa temática, fez coro ao fato trazido por O Globo e g1, que não existe déficit dos EUA em relação ao Brasil. “É falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos“, frisou.

Quanto ao tema Bolsonaro, Lula foi enfático, dizendo que o processo contra o suposto golpe de Estado “é de competência apenas da Justiça Brasileira“, e que não tolera “nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais“.

O presidente também comentou a investigação contra o Brasil sobre atitudes contra as big techs estadunidenses. Lula afirmou que “liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. Para operar em nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira”.

Íntegra dos documentos

Leia, abaixo, a nota de Lula na íntegra:

Tendo em vista a manifestação pública do presidente norte-americano Donald Trump apresentada em uma rede social, na tarde desta quarta-feira (9), é importante ressaltar:

O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém.

O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais.

No contexto das plataformas digitais, a sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a liberdade democrática.

No Brasil, liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. Para operar em nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira.

É falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos.

Neste sentido, qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica.

A soberania, o respeito e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro são os valores que orientam a nossa relação com o mundo.

Lula sorrindo
Presidente Lula já respondeu Trump (Imagem: casa.da.photo/Shutterstock)

A seguir, leia a carta de Trump a Lula na íntegra:

9 de julho de 2025

Sua Excelência

Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente da República Federativa do Brasil

Brasília

Prezado Sr. Presidente:

Conheci e tratei com o ex-Presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei muito, assim como a maioria dos outros líderes de países. A forma como o Brasil tem tratado o ex-Presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!

Em parte devido aos ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos (como demonstrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos, separada de todas as tarifas setoriais existentes. Mercadorias transbordadas para tentar evitar essa tarifa de 50% estarão sujeitas a essa tarifa mais alta.

Além disso, tivemos anos para discutir nosso relacionamento comercial com o Brasil e concluímos que precisamos nos afastar da longa e muito injusta relação comercial gerada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Nosso relacionamento, infelizmente, tem estado longe de ser recíproco.

Por favor, entenda que os 50% são muito menos do que seria necessário para termos igualdade de condições em nosso comércio com seu país. E é necessário ter isso para corrigir as graves injustiças do sistema atual. Como o senhor sabe, não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas dentro do seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos e, de fato, faremos tudo o possível para aprovar rapidamente, de forma profissional e rotineira — em outras palavras, em questão de semanas.

Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!

Além disso, devido aos ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas, bem como outras práticas comerciais desleais, estou instruindo o Representante de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma investigação da Seção 301 sobre o Brasil.

Se o senhor desejar abrir seus mercados comerciais, até agora fechados, para os Estados Unidos e eliminar suas tarifas, políticas não tarifárias e barreiras comerciais, nós poderemos, talvez, considerar um ajuste nesta carta. Essas tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo do relacionamento com seu país. O senhor nunca ficará decepcionado com os Estados Unidos da América.

Muito obrigado por sua atenção a este assunto!

Com os melhores votos, sou,
Atenciosamente,

DONALD J. TRUMP

PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Primeira parte da carta enviada por Trump
Carta cita investigação contra o Brasil por conta das condutas ante as big techs dos EUA (Imagem: Reprodução)

Segunda parte da carta enviada por Trump
Documento também fala de nova taxação em 50% ao Brasil e julgamento de Bolsonaro (Imagem: Reprodução)

Rodrigo Mozelli é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e, atualmente, é redator do Olhar Digital.