Caso milenar de canibalismo descoberto em sítio arqueológico

A descoberta reforça a hipótese de que a espécie Homo antecessor praticava canibalismo não apenas como fonte de alimento
Por Bruna Barone, editado por Lucas Soares 29/07/2025 00h30, atualizada em 01/08/2025 19h22
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Detalhe da vértebra cervical de uma criança entre 2 e 5 anos, com marcas de corte que evidenciam práticas canibais (Imagem: Maria D. Guillén/IPHES-CERCA)
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Uma criança com idade entre dois e quatro anos foi vítima do caso mais antigo já conhecido de canibalismo no mundo, segundo uma pesquisa do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social (IPHES).

A equipe analisou uma vértebra cervical humana, datada de 850.000 anos atrás, que apresenta marcas de corte nítidas. Os restos mortais foram encontrados em julho no sítio de Gran Dolina (Serra de Atapuerca), na Espanha.

Segundo Dra. Palmira Saladié, codiretora da escavação, há evidências diretas de que a criança “foi processada como qualquer outra presa”

Na mesma escavação, a equipe encontrou uma latrina de hiena com mais de 1.300 fezes fossilizadas (Imagem: Maria D. Guillén/IPHES-CERCA)

Caso pode envolver controle territorial

A descoberta reforça a hipótese de que a espécie Homo antecessor praticava canibalismo não apenas como fonte de alimento, mas também como forma de controle territorial, de acordo com a pesquisa.

Os ossos analisados apresentam marcas de descarnação e fraturas intencionais, seguindo padrões usados em ossos de animais consumidos por esses primeiros humanos. As técnicas são semelhantes àquelas identificadas no primeiro caso conhecido de canibalismo humano no mundo, há trinta anos, na mesma região.

“O que estamos documentando agora é a continuidade desse comportamento: o tratamento dos mortos não era excepcional, mas sim repetido”, explica a especialista, uma dos maiores especialistas em tafonomia e canibalismo pré-histórico.

Sítio de Gran Dolina abrange 284.119 hectares de cavernas que datam desde a Pré-história (Imagem: Laura Berdejo/UNESCO)

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Ambiente hostil

Na mesma escavação, a equipe encontrou uma latrina de hiena com mais de 1.300 coprólitos (fezes fossilizadas), o que ajudou a reconstruir a dinâmica da caverna ocupada por carnívoros e humanos — sugerindo também que se tratava de um ambiente hostil, de disputa.

O sítio de Gran Dolina abrange 284.119 hectares e tem ajudado a contar a história dos primeiros seres humanos que viveram na Europa. A mesma região abriga painéis com gravuras de cenas de caça e figuras antropomórficas e zoomórficas.

Segundo a UNESCO, as linhas evolutivas dos ancestrais africanos da humanidade moderna estão amplamente documentadas nas jazidas que datam desde a Pré-história (Paleolítico, Neolítico, Idade do Bronze, Idade do Ferro) até a Idade Média e posteriores.

Momento da descoberta de um dente do Homo antecessor com mais de 850.000 anos na mesma região (Imagem: Maria D. Guillén/IPHES-CERCA)

“A cada ano, descobrimos novas evidências que nos obrigam a repensar como eles viveram, como morreram e como os mortos eram tratados há quase um milhão de anos”, conclui Saladié.

Bruna Barone
Colaboração para o Olhar Digital

Bruna Barone é formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Atuou como editora, repórter e apresentadora na Rádio BandNews FM por 10 anos. Atualmente, é colaboradora no Olhar Digital.

Lucas Soares
Editor(a)

Lucas Soares é jornalista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e atualmente é editor de ciência e espaço do Olhar Digital.