Pedras deslizantes inspiram criação de gelo que se move sozinho

Se você estiver se perguntando que utilidade teria um gelo que se move sozinho, saiba que são várias, inclusive na geração de energia limpa
Flavia Correia19/08/2025 14h16, atualizada em 19/08/2025 14h19
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Experimento cria plataforma onde gelo se move sozinho – descoberta pode ajudar a produzir energia limpa. Crédito: Jonathan B. Boreyko et. al./Virginia Tech
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Pesquisadores do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Virginia Tech), nos EUA, desenvolveram uma superfície que faz o gelo se mover sozinho. A inspiração veio de rochas que deslizam misteriosamente sobre o leito seco de lago Racetrack Playa, no Parque Nacional Vale da Morte, na Califórnia. Um artigo descrevendo o estudo foi publicado este mês na revista ACS Applied Materials & Interfaces.

A descoberta tem aplicações práticas em diferentes áreas. Técnicas de degelo rápido poderiam se beneficiar dessa superfície, evitando acúmulo de gelo em equipamentos e estradas. Além disso, ela pode ser usada para captação de energia: o movimento do gelo sobre canais direcionais poderia gerar eletricidade de forma eficiente, mostrando que ciência básica pode inspirar soluções tecnológicas criativas.

Em resumo:

  • Uma superfície inovadora que faz o gelo deslizar sozinho foi desenvolvida por uma equipe de cientistas;
  • Nela, o gelo se move sobre água derretida, simulando propulsão natural;
  • Ranhuras direcionam fluxo de água, controlando o movimento do gelo;
  • Inspirada em “pedras deslizantes”, a tecnologia pode acelerar o degelo e produzir energia limpa.
Pedras que deslizam sobre o leito seco de lago Racetrack Playa, no Parque Nacional Vale da Morte, na Califórnia. Crédito: liseykina – Shutterstock

Relação entre o gelo autopropulsionado e as pedras do Vale da Morte

A ideia surgiu quando Jack Tapocik, estudante de doutorado na Virginia Tech, observava um disco de gelo sobre uma placa metálica. Ao derreter, a água formava uma poça sob o gelo, mas o disco permanecia parado por alguns segundos. De repente, ele deslizou sozinho, impulsionado pela água derretida, como se tivesse propulsão própria.

O estudante de doutorado Jack Tapocik instala gelo em uma superfície projetada no laboratório do professor Jonathan Boreyko, na Virginia Tech. Crédito: Alex Parrish / Virginia Tech.

O fenômeno lembra as “pedras deslizantes” do Vale da Morte, que deixam trilhas longas no solo seco. Em 2014, o motivo do movimento, até então atribuído a forças sobrenaturais, foi descoberto pelo professor Richard Norris, do Instituto Scripps de Oceanografia da Universidade da Califórnia em San Diego (UC San Diego). Ele demonstrou que a combinação de solo duro, chuva, gelo e vento fazia as rochas flutuarem sobre finas camadas de água congelada, permitindo que se movessem.

Buscando replicar o conceito, a equipe orientada pelo professor Jonathan Boreyko, coordenador do Laboratório de Fluidos e Interfaces Inspirados pela Natureza da Virginia Tech, decidiu testar superfícies que impulsionassem o gelo por conta própria. Para isso, cortaram ranhuras assimétricas em placas de alumínio, formando um padrão em espinha de peixe. Esses canais direcionam o fluxo da água derretida, carregando o gelo com ela, como se navegasse em um rio criado artificialmente.

Experimentos posteriores revelaram um efeito ainda mais interessante. Ao revestir as placas com spray repelente, esperava-se apenas acelerar o movimento, mas o gelo acabou aderindo à superfície. Isso levou à descoberta do “efeito estilingue”: a água derretida que escapa da borda frontal cria uma poça que gera tensão superficial desigual, projetando o disco de gelo à frente sem auxílio externo.

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Fenômenos naturais estimulam tecnologias para energia sustentável

Comparado ao movimento das rochas do Vale da Morte, o gelo das placas da Virginia Tech é muito mais rápido, tornando o efeito mais controlável e previsível. A equipe acredita que essa tecnologia pode ter impacto significativo, especialmente em sistemas de geração de energia.

“Se a estrutura da superfície tivesse um padrão circular em vez de uma linha reta, o objeto em derretimento giraria continuamente”, disse Boreyko em um comunicado. “Agora imagine colocar ímãs sobre o gelo, em vez de pedras. Esses ímãs também girariam, o que poderia ser usado para gerar energia.”  

O desenvolvimento completo levou cinco anos de pesquisa, incluindo testes de modelos e aperfeiçoamento das ranhuras. A aplicação prática do estudo ainda está em fase experimental, mas o conceito demonstra como fenômenos naturais aparentemente misteriosos podem inspirar inovações tecnológicas eficientes e sustentáveis.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.