Animais se beijam? A Ciência explica

Por que humanos beijam na boca, mas não os animais? Entenda por que beijar parece ser tão natural para nós humanos, mas não para os animais
Por João Velozo, editado por Bruno Capozzi 26/08/2025 01h00, atualizada em 26/08/2025 08h56
Um homem e uma mulher se beijando
Ato existe há, pelo menos, 4,5 mil anos (Imagem: PeopleImages.com - Yuri A/Shutterstock)
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Beijo na boca é coisa do passado, e do presente! Beijar na boca parece um gesto natural para muitos de nós, quase um idioma do afeto que atravessa filmes, músicas e rituais sociais, mas basta ampliar o olhar para perceber que não é tão universal assim, e que a comparação com outras espécies costuma confundir mais do que explicar.

A pergunta que guia esta conversa é: por que humanos beijam na boca, mas não os animais, e o que essa diferença revela sobre nossos sentidos, nossos vínculos e as regras que aprendemos para expressar desejo e cuidado?

Por que humanos beijam na boca, mas não os animais?

Beijar na boca parece natural para quem cresceu em sociedades que valorizam esse gesto como prova de afeto e desejo. A prática, porém, está longe de ser universal entre povos humanos e tampouco é um comportamento padronizado no restante do reino animal.

A pergunta carrega uma armadilha que a ciência ajuda a desfazer. Quando se compara humanos e outras espécies, nem sempre se está falando do mesmo ato. O que chamamos de beijo mistura contato físico de lábios e língua, troca de sinais químicos, leitura de cheiros, códigos de vínculo e rituais culturais.

Em outras espécies existem contatos equivalentes que cumprem funções parecidas, mas que não se encaixam no formato que associamos a humanos beijam boca animais.

Mulher de cabelos molhados beija um homem mascarado pendurado de cabeça para baixo, enquanto a chuva cai ao redor.
Divulgação/Columbia Pictures

Se a definição de beijo for restrita ao toque de lábios com intenção afetiva ou sexual, poucos animais passam no teste. Se a definição for ampliada para incluir contato de boca com boca ou trocas próximas de olfato e sabor que funcionam como sinais de vínculo, o cenário muda.

Primatas como chimpanzés e bonobos realizam contatos de boca que ajudam a fazer as pazes depois de conflitos e a reforçar alianças. Elefantes encostam as pontas das trombas em momentos de saudação e conforto. Aves alimentam parceiros e filhotes encostando bicos e trocando alimento. Peixes que parecem se beijar, como os chamados kissing gouramis, na verdade, travam disputas por território ao pressionar as bocas.

Esses exemplos mostram que muitos animais usam o rosto e a região oral para comunicar intenções e cimentar relações, embora a forma e o significado variem.

Entre humanos, o beijo na boca ganhou status de linguagem afetiva porque reúne sinais biológicos e códigos culturais em uma mesma cena. Há liberação de hormônios e neurotransmissores ligados a prazer, apego e redução de estresse. Há leitura de cheiros e gostos sutis que informam sobre higiene, dieta e compatibilidade, pistas que o cérebro avalia sem esforço consciente. Há ainda o aprendizado social que diz quando, onde e com quem esse gesto é apropriado.

Com o tempo, diferentes sociedades cristalizaram regras de etiqueta, significados românticos e rituais públicos que elevaram o beijo a marcador de compromisso e sedução. Essa camada cultural ajuda a explicar por que o ato está presente em cerimônias, narrativas e artes, mesmo não sendo universal entre todos os povos.

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Um traço que a ciência discute é a ideia de que o beijo funciona como uma triagem rápida de compatibilidade. Quando duas pessoas se aproximam, trocam pistas químicas que incluem compostos presentes na saliva e no hálito. O cérebro compara essas pistas com preferências aprendidas e com sinais que, ao longo da evolução, podem ter servido como atalhos para avaliar saúde e potencial reprodutivo.

Nada disso acontece de forma deliberada. A experiência subjetiva é de atração ou de perda de interesse após o primeiro contato. Nos animais essa triagem ocorre por outras vias. Muitos mamíferos cheiram glândulas ou regiões do corpo que concentram sinais químicos. A função é semelhante, embora a forma seja diferente.

O lugar dos outros animais nessa história

(Imagem: Globo FIlmes)

Dizer que animais não beijam é uma simplificação. O que existe é uma coleção de comportamentos que ocupam para eles o lugar que o beijo ocupa para nós. Chimpanzés realizam contatos de boca em reconciliação e cuidado social. Bonobos chegam a usar língua em encontros afetuosos. Cães lambem rostos de pessoas queridas e fazem trocas de cheiro no focinho para reconhecer emoções e estabelecer calma. Gatos encostam focinhos e testam o cheiro do outro para marcar confiança.

A função de baixar tensões, reforçar alianças, reconhecer parceiros e consolar indivíduos aparece em muitas espécies. O que muda é a forma, guiada pela anatomia de cada grupo, pelo ambiente e pelos riscos e custos de ficar com o rosto muito perto do outro.

A confusão nasce do costume de traduzir o mundo animal para a nossa gramática. Quando se busca o beijo fora de humanos, espera-se encontrar lábios que se tocam e a mesma intenção que vemos em casais. Isso estreita o foco e apaga gestos análogos.

Melhor é fazer a pergunta de outro modo: que tipos de contato íntimo entre indivíduos de uma espécie cumprem as funções de acolher, reconciliar, selecionar parceiros e sinalizar compromisso? Com essa lente, o beijo humano deixa de ser um ponto fora da curva e passa a ser uma versão nossa de um repertório mais amplo de contatos sociais.

O que a ciência ainda quer descobrir

(Imagem: Sergey Uryadnikov / Shutterstock.com)

Pesquisadores seguem mapeando a distribuição de beijos românticos entre povos, medindo respostas fisiológicas em casais e comparando espécies que usam contato de boca em contextos sociais. Há interesse em separar o que depende de aprendizagem do que depende de predisposições biológicas, e em entender por que alguns grupos humanos adotam o beijo com centralidade enquanto outros preferem outras formas de intimidade.

Ao mesmo tempo, estudos com primatas e outros mamíferos ajudam a decifrar o papel de cheiros e sabores na comunicação social. A convergência dessas linhas de pesquisa sugere que o beijo é uma tecnologia social construída sobre uma base sensorial antiga que compartilhamos com muitos animais, mas que ganhou trajetória própria na nossa espécie.

Com informações de Live Science.

João Velozo
Colaboração para o Olhar Digital

João Velozo é um jornalista e fotógrafo freelancer com base em Pernambuco, Brasil.

Bruno Capozzi é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, tendo como foco a pesquisa de redes sociais e tecnologia.