Um artigo publicado recentemente no periódico científico Journal of High Energy Physics relata que um novo detector de partículas passou por um teste decisivo e mostrou estar pronto para investigar o “plasma de quarks e glúons” – um estado exótico da matéria que existiu logo após o Big Bang.
Denominado sPHENIX (sigla para “Super Experimento Pioneiro de Interação Nuclear de Alta Energia”), o detector faz parte do Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC), que fica no Laboratório Nacional de Brookhaven, em Nova York, EUA.

Atualmente, o RHIC é o segundo acelerador de partículas mais poderoso do mundo, ficando atrás apenas do Grande Colisor de Hádrons (LHC), operado na Europa. Nessas instalações, íons de ouro e prótons são lançados em colisões a velocidades próximas à da luz.
Esses choques violentos recriam o plasma de quarks e glúons, uma espécie de “sopa primordial” formada por partículas fundamentais. Esse estado só aparece em temperaturas e pressões inimagináveis, trilhões de vezes maiores que as encontradas no Sol. Quando surge, o plasma não se comporta como um conjunto de partículas soltas, mas como um fluido perfeito, no qual tudo se move de forma coordenada.
O interesse dos cientistas é entender como, ao esfriar, esse plasma deu origem a prótons e nêutrons, os blocos básicos de tudo que existe. Em outras palavras, ao estudar esse estado efêmero, os pesquisadores podem recriar em laboratório as condições dos primeiros microssegundos do Universo. É como abrir uma janela para a infância do cosmos, um período impossível de ser observado diretamente.

Teste garante funcionamento preciso do detector de partículas
De acordo com um comunicado do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), para garantir que estava pronto, o sPHENIX passou pelo chamado teste da “vela padrão”, usado para medir a precisão de detectores de partículas. Nesse procedimento, o equipamento precisa registrar grandezas já conhecidas e comparar os resultados com valores de referência. O sucesso do teste confirmou que o detector está calibrado para começar a coletar dados científicos de forma confiável.
“Isso mostra que o detector funciona como deveria”, afirmou Gunther Roland, professor de física no MIT, membro da Colaboração sPHENIX (que reúne mais de 300 cientistas de diversas instituições ao redor do mundo). “É como se você enviasse um novo telescópio ao espaço depois de passar 10 anos construindo-o e ele tirasse a primeira foto. Não é necessariamente a foto de algo completamente novo, mas prova que agora ele está pronto para começar a fazer ciência nova.”
Segundo Roland, os primeiros resultados foram animadores. O sPHENIX mostrou-se capaz de medir tanto a quantidade quanto a energia das partículas liberadas nas colisões entre íons de ouro. Ele também distinguiu o que acontece em choques frontais, quando os núcleos se encontram de frente, e em colisões rasantes, quando o contato é parcial. Nas colisões diretas, foram geradas 10 vezes mais partículas e com energia 10 vezes maior.

Leia mais:
- Por que não conseguimos ver o Big Bang? A resposta está na luz (ou na falta dela)
- Com os átomos se formam? Veja a origem das partículas do Universo
- Como surgiu o termo “Big Bang”?
O que são as “cinzas” do Big Bang
Apesar desses avanços, o plasma de quarks e glúons não pode ser observado diretamente. Ele dura apenas um sextilionésimo de segundo antes de esfriar e se transformar novamente em prótons e nêutrons. Por isso, os físicos falam em analisar as “cinzas” do Big Bang: partículas resultantes da rápida decomposição do plasma. A função do sPHENIX é registrar esses fragmentos e, a partir deles, reconstruir as propriedades desse estado extremo da matéria.
O detector impressiona também pelo tamanho e pela tecnologia. Com dimensões equivalentes a uma casa de dois andares e pesando cerca de mil toneladas, o sPHENIX substitui o antigo detector PHENIX (Experimento Pioneiro de Interação Nuclear de Alta Energia). Ele é capaz de registrar até 15 mil colisões por segundo, funcionando como uma imensa câmera 3D que acompanha o movimento das partículas e suas trajetórias.
Segundo os pesquisadores, esse desempenho só é possível graças aos avanços acumulados ao longo de 25 anos de funcionamento do RHIC. O sPHENIX reúne sensores modernos e sistemas de leitura ultrarrápidos, capazes de detectar fenômenos raríssimos, que acontecem apenas uma vez a cada bilhão de colisões. Essas ocorrências podem revelar novos detalhes sobre como as partículas interagem em ambientes de densidade extrema.
Conduzido no fim de 2024, o teste de certificação abriu caminho para os próximos experimentos. Mais do que validar a tecnologia, agora o sPHENIX passa a ser a principal ferramenta do RHIC para investigar como a matéria se comporta em condições extremas – um passo essencial para aproximar a física atual das origens do Universo.