Escândalo de dados: braço de saúde da dona do Google enfrenta processo nos EUA

Em ação judicial nos EUA, ex-executivo acusa a Verily de usar dados médicos de 25 mil pacientes sem consentimento e de esconder violações
Pedro Spadoni11/09/2025 15h29, atualizada em 11/09/2025 15h37
Ilustração de enfermeira acessando dados de saúde protegidos em celular
(Imagem: PeopleImages/Shutterstock)
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A Verily, braço de tecnologia em saúde da Alphabet (dona do Google), é acusada de usar informações médicas de mais de 25 mil pacientes sem autorização e de ter encoberto violações da HIPAA, lei que protege dados de saúde nos Estados Unidos. As denúncias foram feitas por Ryan Sloan, ex-diretor comercial da empresa, em uma ação judicial em andamento na Justiça Federal de São Francisco.

De acordo com o processo, a companhia teria usado dados sensíveis em pesquisas, campanhas de marketing e até conferências – tudo sem consentimento dos pacientes. Além disso, a Verily é acusada de ter atrasado a comunicação obrigatória sobre as falhas e de ter enganado parceiros comerciais em contratos firmados entre 2017 e 2021.

O alcance das acusações contra a Verily, braço de saúde da Alphabet

O caso joga luz sobre como grandes empresas de tecnologia lidam com informações médicas sensíveis. As denúncias não se limitam a falhas administrativas: apontam para um padrão de uso indevido de dados e de decisões internas voltadas a proteger contratos e imagem pública, mesmo diante de riscos à privacidade de milhares de pacientes.

Fachada da Verily, braço de saúde da Alphabet, dona do Google
Verily teria usado dados sensíveis em pesquisas, campanhas de marketing e até conferências – tudo sem consentimento dos pacientes, segundo processo (Imagem: Michael Vi/Shutterstock)

O que diz a denúncia

Segundo Sloan, ele foi demitido em janeiro de 2023 depois de relatar à chefia que a Verily usava dados protegidos em pesquisas, campanhas de marketing, comunicados de imprensa e conferências nacionais. As violações, de acordo com ele, ocorreram entre 2017 e 2021 no programa de diabetes da subsidiária Onduo.

Uma investigação interna da própria Verily teria confirmado várias falhas. O processo afirma que foram identificadas 14 violações de contratos de confidencialidade (BAAs, na sigla em inglês) com grandes clientes. Entre eles, estavam Walgreens Boots Alliance, Highmark Health, Quest Diagnostics e Delta Air Lines.

Notificação atrasada e contratos renovados

A HIPAA determina que empresas notifiquem pacientes e parceiros em até 60 dias após descobrirem uma falha de segurança. Mas, segundo a ação, a Verily optou por atrasar a comunicação e, nesse período, renovou contratos sem informar parceiros sobre os incidentes.

O processo cita, por exemplo, que em agosto de 2022 a companhia declarou estar em conformidade com a lei durante uma negociação com a Highmark Health – mesmo sabendo que violações haviam ocorrido.

Retaliações internas

Sloan também alega que colegas que tiveram conhecimento das falhas sofreram retaliações. Em agosto de 2022, a empresa teria demitido a conselheira jurídica da Onduo, Julia Feldman, e outro funcionário que estava a par da situação. Ele próprio acabou desligado meses depois, enquanto estava de licença para cuidar da mãe, em estado grave de saúde.

Fachada de prédio da Verily, braço de saúde da Alphabet, dona do Google
Ex-executivo da Verily alega que ele e colegas que tiveram conhecimento das falhas sofreram retaliações na empresa (Imagem: JHVEPhoto/Shutterstock)

O ex-diretor afirma ainda que executivos da Verily consideraram que divulgar publicamente as violações poderia gerar danos de imagem. Por isso, optaram por não revelar os problemas.

O processo menciona ainda que, em novembro de 2022, a Verily suprimiu um comunicado à imprensa por receio de que ele chamasse atenção para estudos de marketing anteriores que tinham violado acordos de confidencialidade. O texto foi retirado do site da empresa e funcionários foram instruídos a não mencioná-lo novamente.

Posição da empresa e impacto

Em nota enviada à CNBC, a Verily afirmou que as acusações “são completamente infundadas” e que irá se defender “até o limite da lei”. A companhia disse também que cumpre as normas de forma rigorosa, mas não deu mais detalhes por se tratar de um processo em andamento.

Entre os clientes citados, as reações foram diferentes. A Delta declarou que valoriza a segurança das informações de seus funcionários. A Quest disse não ter conhecimento das alegações. A Highmark se recusou a comentar. Já a Walgreens não respondeu aos pedidos.

Verily e Alphabet

Criada em 2015 no laboratório de inovação da Alphabet, a Verily nasceu como um dos projetos experimentais e ambiciosos da empresa – chamados de “moonshots” no Vale do Silício. Desde então, já levantou mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,4 bilhões) em investimentos. Mas enfrenta dificuldades para lançar produtos de sucesso.

Celular com logotipo do Google na tela colocado na frente de uma tela exibindo letreiro escrito Alphabet
Verily nasceu em 2015 como um dos projetos experimentais e ambiciosos da Alphabet, dona do Google (Imagem: IgorGolovniov/Shutterstock)

Nos últimos anos, a empresa mudou de foco algumas vezes: deixou os dispositivos de monitoramento de glicose, atuou em programas de testagem e rastreamento durante a pandemia de Covid-19 e, depois, passou a investir em cuidados de saúde personalizados, que usam dados e tecnologia para adaptar tratamentos a cada paciente. 

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Em 2023, lançou a plataforma de cuidados crônicos com inteligência artificial (IA) Verily Lightpath e anunciou a venda da subsidiária Granular Insurance, focada em seguros.

Agora, a companhia está trocando seu modelo jurídico nos EUA – de uma estrutura mais simples, usada por startups, para um formato societário mais tradicional, pensado para grandes corporações, segundo a Business Insider. Essa mudança facilita a entrada de novos investidores e prepara a Verily para uma nova rodada de captação.

Pedro Spadoni
Redator(a)

Pedro Spadoni é jornalista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Já escreveu para sites, revistas e até um jornal. No Olhar Digital, escreve sobre (quase) tudo.