A Receita Federal está criando uma plataforma tecnológica inédita para recolher os futuros impostos sobre consumo no Brasil. O sistema será a base da reforma tributária e, segundo o Fisco, vai ter um porte gigantesco: deve processar 70 bilhões de notas fiscais por ano, um volume 150 vezes maior que o do Pix.
“No Pix, você tem pouca informação. Você tem quem manda, quem recebe e o valor. Na nota, tem um monte de outras informações sobre o produto, sobre quem emite, sobre o crédito”, disse o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, ao G1.
“O número de documentos é o mesmo, mas o volume de cada documento é em torno de 150 vezes do Pix. Por isso que a gente fala que é 150 vezes [maior que o PIX]”, explicou.
Nova plataforma da Receita vai ser a engrenagem da reforma tributária
A ideia da plataforma é centralizar os pagamentos de tributos sobre produtos e serviços em tempo real, com cálculos automáticos e menos margem para erros ou fraudes. Na prática, a plataforma vai funcionar como o “motor” dos novos impostos previstos na reforma.
Os objetivos são: simplificar a vida das empresas, reduzir a sonegação e até devolver parte dos tributos para a população de baixa renda.

A nova ferramenta nasce para viabilizar os dois impostos sobre valor agregado (CBS e IBS), que vão substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. Ela também dará suporte ao imposto seletivo, também chamado de “imposto do pecado”, voltado para produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas.
Como a plataforma vai funcionar
A plataforma da Receita Federal vai centralizar os pagamentos dos novos impostos sobre consumo e automatizar boa parte do processo. Cada nota fiscal emitida passará por ela, que fará os cálculos de quanto deve ser recolhido e para quem – União, estados ou municípios.
Um dos módulos principais é o chamado “split payment”. Com ele, assim que a transação acontece, a parte dos impostos já é separada e direcionada para o governo em tempo real. Isso diminui erros, reduz a chance de fraude e dá mais segurança às empresas.
O sistema também permitirá que as companhias façam o abatimento rápido dos tributos pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva. Além disso, terá uma calculadora oficial para evitar equívocos e avisar o empresário antes de uma eventual autuação.
Outra funcionalidade prevista é o cashback de impostos, que vai devolver parte da carga tributária para a população de baixa renda.
Por que a Receita está criando o sistema
A criação da plataforma está diretamente ligada à reforma tributária do consumo, aprovada em 2024 e sancionada no início de 2025.

A mudança substitui cinco tributos atuais – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – por dois novos impostos sobre valor agregado: a CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal). Além disso, haverá o imposto seletivo, voltado para produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
A nova regra estabelece que esses tributos serão não cumulativos – ou seja, não incidem sobre valores já pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva. E determina que serão cobrados no destino, onde o produto ou serviço é consumido.
Para que isso funcione na prática, é preciso uma estrutura tecnológica capaz de organizar cálculos e repasses de forma ágil e transparente. É esse o papel da plataforma que a Receita agora desenvolve.
Como ela pode reduzir a sonegação
O governo aposta que a plataforma será uma arma contra a sonegação fiscal. Isso porque o “split payment” – recolhimento imediato dos impostos quando a transação acontece – dificulta práticas comuns de fraude. Com o dinheiro dos tributos indo direto para União, estados e municípios, deixa de existir a brecha para atrasar pagamentos ou manipular valores.
Outro ponto é o combate às chamadas “noteiras”, empresas de fachada criadas apenas para emitir notas fiscais falsas e encobrir operações ilegais. Como o sistema vai cruzar os dados em tempo real, esse tipo de golpe perde espaço.
Segundo o secretário da Receita, não se trata de ampliar a fiscalização, mas de torná-la mais precisa. “Não vai aumentar a fiscalização pelo seguinte: eu não consigo fiscalizar quem não emite nota hoje em dia. Quem tem nota, já tem a informação. Quem não emite nota, vai continuar não emitindo do mesmo jeito”, disse, ao G1.
“Vai ter uma redução do volume de fiscalização com uma melhor qualidade. Aumento de qualidade, não é aumento de fiscalização”, acrescentou.
Vai aumentar imposto?
A Receita Federal diz que a reforma tributária não tem como objetivo elevar a carga tributária, já considerada alta no Brasil em comparação com outros países. A ideia é apenas reorganizar os tributos para torná-los mais simples e transparentes.

Mesmo assim, alguns setores – principalmente o de serviços – temem aumento na cobrança. Isso porque eles têm menos despesas passíveis de abatimento ao longo da cadeia produtiva, diferente da indústria, que deve se beneficiar com o novo modelo.
A definição final dependerá da alíquota de referência, ainda em discussão, que deve ser uma das mais altas do mundo. O governo promete ajustar esse percentual para manter o peso total dos impostos no mesmo nível atual.
Ao mesmo tempo, a reforma prevê desoneração completa de exportações e investimentos, o que reduzirá a arrecadação em outras frentes.
Quem vai usar a plataforma
O novo sistema será usado principalmente pelas empresas que compram e vendem entre si – o chamado modelo business to business (B2B). Nessas operações, o “split payment” vai funcionar de forma direta: o imposto será calculado e repassado automaticamente no momento do pagamento eletrônico.
No varejo, a lógica será diferente. O recolhimento será feito por estimativa, com um ajuste no fim do mês. Para o consumidor comum, portanto, a mudança não será visível no dia a dia, mas terá impacto indireto. Isso porque o sistema pretende reduzir erros, simplificar processos e diminuir o custo da sonegação para a sociedade.
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Quando começa a operar
A plataforma já está em fase de testes com quase 500 empresas selecionadas pela Receita. A previsão é que em 2026 o sistema entre no ar com uma alíquota simbólica de 1% – valor que poderá ser abatido em outros tributos, sem gerar cobrança efetiva.
O uso real começa em 2027, quando PIS e Cofins serão extintos e dará lugar à CBS. Nesse primeiro momento, o foco estará nas operações entre empresas.
Entre 2029 e 2032, ocorrerá a transição do ICMS e do ISS para o IBS, de forma gradual. A cada ano, a participação dos tributos antigos diminui, enquanto a alíquota do novo imposto aumenta. Só ao fim desse período o sistema estará plenamente em operação para todos os tributos previstos na reforma.