A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) convocou uma reunião para esta sexta-feira (19). O assunto: risco de apagão no Brasil. O motivo: a rápida expansão da energia solar em pequenas e médias usinas (casas, comércios, empresas) num modelo conhecido como geração distribuída. Em determinados horários, elas têm produzido mais eletricidade do que o sistema consegue absorver.
O avanço desordenado desse modelo já preocupa o Operador Nacional do Sistema (ONS), responsável por equilibrar a oferta e a demanda de energia no país. Nos últimos meses, a sobrecarga chegou a quase provocar um colapso na rede em horários de pico de produção solar. Isso obrigou operações emergenciais para evitar apagões.
Expansão da energia solar pressiona o sistema elétrico do país
A reunião da Aneel acontece em meio a um crescimento acelerado da geração distribuída de energia. Ela já responde por mais de 43 gigawatts de capacidade instalada no Brasil, dos quais 95% vêm de painéis solares.

Esse avanço, sem controle direto do ONS, tem pressionado a rede e levantado dúvidas sobre como garantir a segurança do abastecimento diante de uma matriz cada vez mais descentralizada, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
O que é geração distribuída e como cresceu no Brasil
A chamada geração distribuída (GD) é o modelo no qual consumidores produzem a própria energia a partir de fontes renováveis, como painéis solares em telhados de residências, comércios, indústrias ou propriedades rurais.
A ideia inicial era incentivar pequenos produtores, mas o modelo ganhou escala em fazendas solares e condomínios. Hoje em dia, existem até cotas de energia por assinatura.
Risco de apagão e operações emergenciais do ONS
O rápido avanço da energia solar distribuída trouxe benefícios para a matriz renovável, mas também criou riscos.
Como a produção depende da intensidade do sol e não pode ser controlada pelo ONS, em certos horários há uma enxurrada de eletricidade entrando na rede ao mesmo tempo. Quando isso acontece, outros geradores precisam ser desligados às pressas para evitar sobrecarga, o que coloca em risco a estabilidade do fornecimento.

Nos últimos meses, o ONS precisou intervir diversas vezes em operações emergenciais. Um dos episódios mais críticos ocorreu no Dia dos Pais, quando quase 40% da energia gerada no Brasil vinha de painéis solares – a maioria de geração distribuída. Sem uma ação rápida, o país poderia ter enfrentado um apagão em plena hora do almoço.
Esse tipo de manobra, chamado de curtailment (corte forçado de geração), já se tornou comum e tem efeitos colaterais. Além de criar instabilidade nos preços da energia, provoca prejuízos para empresas que precisam desligar suas usinas.
Em alguns casos, também aumenta a necessidade de acionar termelétricas quando não há sol. Além de encarecer a conta de luz, isso eleva as emissões de carbono.
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Críticas de entidades contrárias e favoráveis à GD
Entidades do setor elétrico enviaram uma carta conjunta ao Congresso para alertar sobre os riscos da política atual de incentivos à geração distribuída.
O grupo afirma que os subsídios – que somaram quase R$ 10 bilhões apenas entre janeiro e julho de 2025 – geram distorções econômicas, ampliam a desigualdade entre consumidores e aumentam a chance de colapso no sistema.

Segundo as associações, quem instala painéis solares, em geral consumidores de maior renda, se beneficia dos descontos, enquanto os custos são repassados a quem não tem acesso à tecnologia, especialmente famílias de baixa renda.
Por outro lado, entidades ligadas à geração solar disseram que apontar a GD como “vilã” é um erro. Para elas, o problema está na incapacidade dos modelos tradicionais de lidar com a inovação e com a descentralização da matriz.
Em carta, destacaram que a transição energética é um processo inevitável e que resistir a ele significa preservar privilégios antigos. O grupo defende mais investimentos, digitalização e democratização do setor, com o consumidor no centro das decisões.
O que pode causar um apagão
O maior desafio é equilibrar oferta e demanda ao longo do dia. Quando há sobra de energia, parte dela é desperdiçada. Mas nos horários de maior consumo, o sistema opera muito próximo do limite.
“É essa contradição que aumenta o risco de falhas, especialmente em dias de calor intenso ou quando as condições climáticas reduzem a produção das renováveis”, explica Raphael Ruffato, CEO da Lead Energy. Ele defende que a realidade é mais complexa e novas tecnologias ajudam a reduzir o risco de blecautes.
Apesar dos riscos, a tecnologia ajuda a manter tudo sob controle. Baterias em larga escala e o já popular hidrogênio verde podem armazenar energia excedente e liberá-la nos momentos críticos. Redes inteligentes e digitalização também permitem prever falhas e redirecionar eletricidade de forma mais eficiente.
“Não dá para falar em apagão iminente sem considerar as transformações em curso”, reforça Ruffato. “A digitalização, o avanço das baterias e até a resposta da demanda já estão mudando a forma como lidamos com os horários de pico. O risco existe, mas não é inevitável”, diz.
“A pergunta ‘o apagão está próximo?’ não tem resposta simples. O futuro depende de investimentos em transmissão, inovação em armazenamento e políticas que incentivem um consumo mais equilibrado. Até lá, os riscos existem, mas os avanços tecnológicos ajudam a afastar o cenário de blecaute generalizado”, conclui.