A terceira edição da pesquisa Fairwork Brasil, divulgada nesta terça-feira (23), mostra que a maior parte das plataformas digitais que atuam no país ainda não assegura padrões mínimos de trabalho decente. O estudo foi conduzido por universidades brasileiras em parceria com a Universidade de Oxford e o Centro de Ciências Sociais de Berlim, avaliando dez empresas entre agosto de 2023 e agosto de 2025.
Entre as plataformas analisadas estão 99, Ame Flash (Americanas), iFood, Lalamove, Loggi, Parafuzo, Rappi, Uber, inDrive e Superprof. Apenas duas delas — inDrive e Superprof — receberam pontuação positiva, com um ponto cada no critério de remuneração justa, ao garantir ganhos acima do salário mínimo após os custos relacionados ao trabalho. As demais não obtiveram nenhum ponto na avaliação.

Como funciona a avaliação da Fairwork Brasil
- O projeto Fairwork analisa as condições de trabalho em plataformas digitais com base em cinco princípios: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação.
- Cada critério pode somar até dois pontos, totalizando um máximo de dez.
- Para esta edição, a pesquisa envolveu 88 entrevistas com trabalhadores em 26 cidades e 13 estados, além de análise documental e contato com representantes das empresas.
- As informações foram revisadas por especialistas independentes antes da definição das notas finais.
Principais conclusões
Segundo o relatório, as plataformas seguem apresentando baixa remuneração, ausência de garantias contratuais, riscos elevados de acidentes, processos de gestão opacos e desativações arbitrárias. Além disso, trabalhadores relataram atrasos ou alterações nos pagamentos, falta de repasse de gorjetas e promoções não pagas.

Outro ponto destacado foi a necessidade de recorrer ao chamado “trabalho em múltiplas plataformas”: 62 dos 88 entrevistados afirmaram depender de mais de um aplicativo para garantir ganhos mínimos, o que reforça a instabilidade e a vulnerabilidade dessa forma de ocupação.
Contexto e impacto
O relatório também critica a transferência dos riscos da atividade para os trabalhadores, o que amplia o endividamento e reduz sua autonomia. Para os pesquisadores, a ausência de garantias reforça a urgência de regulamentações que assegurem direitos básicos.
O Fairwork Brasil 2025 integra uma rede internacional que já avaliou plataformas em 41 países. No Brasil, a pesquisa é conduzida por equipes da UFRGS, UFRJ, UnB e UFPR, em colaboração com sindicatos, associações e formuladores de políticas públicas.
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Posicionamentos de órgãos e plataformas citadas
Apesar de alguns posicionamentos já constar no relatório, entramos em contato com todas as plataformas avaliadas, além da ANEA (Associação Nacional dos Entregadores de Aplicativos) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Até o momento da publicação:
- A Uber respondeu com a nota já presente no relatório, que pode ser lida abaixo.
- A Parafuzo enviou uma segunda nota além da reproduzida pela pesquisa.
- A Americanas informou que o Ame Flash foi descontinuado há anos e avalia se enviará um posicionamento.
- O Rappi afirmou que se posicionará via MID (Movimento de Inovação Digital). O Olhar Digital entrou em contato com o órgão e aguarda retorno.
- A 99, o iFood e a Lalamove declararam que responderiam como setor por meio da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), da qual fazem parte. A associação enviou nota sobre a pesquisa.
- O InDrive enviou nota ao Olhar Digital, celebrando o ponto recebido no critério de remuneração.
- A ANEA, o MTE, a Loggi e o Superprof ainda não responderam ao pedido de posicionamento. Vamos atualizar esta publicação à medida que novos retornos cheguem.
Amobitec (representante de 99, iFood e Lalamove)
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) considera que o documento divulgado pelo Fairwork Brasil adota metodologia que apresenta limitações por não refletir integralmente os dados e utilizar critérios discricionários que impedem comparações precisas. A metodologia tem falhas que comprometem os resultados e impedem que a iniciativa seja usada na construção de melhorias aos maiores interessados: quem usa aplicativos para trabalhar.
O relatório sobre o trabalho em plataformas digitais parte de premissas equivocadas, com um modelo de pontuação baseado em avaliações discricionárias e influenciado por concepções ideológicas sobre o setor e sobre a natureza da relação entre as empresas e os parceiros, ao invés de critérios objetivos e baseado em dados. Além disso, a metodologia declarada pelo Fairwork não foi efetivamente cumprida no processo. Por exemplo, entre as associadas da Amobitec, nem todas as empresas foram contatadas nem tiveram a oportunidade de apresentar evidências durante a avaliação, contrariando o processo estipulado pela própria entidade.
É importante destacar que as premissas do relatório desconsideram os princípios de flexibilidade e autonomia, características fundamentais da atividade que são as mais valorizadas pelos profissionais. Outro ponto crítico que descredibiliza os resultados divulgados é a ausência de representatividade estatística. Segundo o relatório, ao longo de dois anos foram realizadas, via internet, apenas 88 entrevistas. Esta amostragem representa apenas 0,004% do universo de trabalhadores por aplicativos no Brasil considerando pesquisa do Centro Brasileiro de Análise Planejamento (Cebrap), que contabilizou 2.177.235 motoristas e entregadores no país.
A Amobitec e suas associadas têm como prioridade as iniciativas e políticas de valorização da atividade e dos profissionais parceiros, por isso, participam das discussões com o Poder Público para contribuir na regulamentação do trabalho em plataformas tecnológicas e reforçam o seu interesse na construção de um modelo regulatório equilibrado, que busque ampliar a proteção social dos profissionais e garantir a segurança jurídica da atividade.
Amobitec em nota enviada ao Olhar Digital
99
Além da nota da Amobitec ao Olhar Digital, a 99 também respondeu ao Fairwork Brasil. Ali, a 99 contestou oficialmente os resultados do relatório Fairwork Brasil, alegando falhas no processo de avaliação. Segundo a empresa, não foi contatada para participar da etapa de entrevistas com gestores, prevista na metodologia do estudo. Esse procedimento, de acordo com a própria Fairwork, é considerado essencial para que as plataformas apresentem evidências e detalhem políticas internas que nem sempre são públicas.
A ausência desse diálogo, afirma a 99, impediu que informações relevantes fossem compartilhadas e acabou impactando negativamente a nota atribuída à empresa. A companhia solicitou ainda que esse contexto seja incluído no relatório final, de modo a esclarecer aos leitores que não teve oportunidade de apresentar suas evidências durante o processo de avaliação.
Parafuzo
No relatório Fairwork Brasil sobre as condições de trabalho em plataformas digitais, consta uma nota enviada pela Parafuzo direcionada à própria organização responsável pelo estudo. Nesse primeiro posicionamento, a empresa destacou seus indicadores internos, como um NPS (Net Promoter Score) de 95 em 100 entre os profissionais, ganhos líquidos acima de R$ 15 por hora — sendo que a grande maioria recebe mais de R$ 18 líquidos — e a possibilidade de rendimentos mensais que, segundo a empresa, superam em média R$ 3.300, podendo ultrapassar R$ 6.000.
A Parafuzo também ressaltou que oferece seguro de acidentes pessoais gratuito, condições de trabalho com autonomia e flexibilidade, e argumentou que a metodologia do Fairwork não teria considerado de forma adequada as especificidades locais e as evidências apresentadas.
Posteriormente, já em resposta à reportagem publicada pelo Olhar Digital, a empresa enviou uma segunda manifestação, mais detalhada e voltada ao público em geral. O texto foi reproduzido na íntegra abaixo:
Parafuzo, plataforma de serviços domésticos operando no Brasil desde 2014, manifesta-se em relação ao relatório recentemente divulgado pelo Fairwork sobre plataformas digitais no país. Reconhecemos e respeitamos iniciativas que promovem melhores práticas no setor e reafirmamos nosso compromisso com ambientes de trabalho dignos, remuneração justa, autonomia dos profissionais e impacto social positivo. Contudo, expressamos discordância quanto à metodologia empregada pelo Fairwork, pois
entendemos que os critérios e processos de avaliação utilizados resultam em conclusões incorretas sobre a realidade das condições de trabalho na nossa plataforma.Em onze anos, a Parafuzo já intermediou cerca de 2 milhões de serviços em mais de 200 municípios, tendo atualmente um NPS (Net Promoter Score) de 95/100 na avaliação dos profissionais que utilizam a plataforma. Nosso modelo de intermediação proporciona aos prestadores de serviço ganhos líquidos superiores a R$ 15 por hora, sendo que mais de 97% deles recebem acima de R$ 18 por hora, já descontados todos os custos — valores que excedem o salário mínimo nacional. Com flexibilidade total de agenda e autonomia, os ganhos mensais normalmente superam R$ 3.300, podendo ultrapassar R$ 6.000.
Nossa operação é pautada por termos de uso claros, respeito à legislação e mecanismos de proteção para todos os usuários, incluindo seguro gratuito contra acidentes, canais contínuos de diálogo, ações de apoio à saúde mental e uma plataforma digital de educação com foco em temas de interesse dos profissionais. Mantemos consultas frequentes com os prestadores de serviço para ajustes de preços, investimos em melhorias na usabilidade do aplicativo e realizamos encontros online para escuta ativa, consolidando boas práticas de gestão e participação, muitas delas alinhadas aos próprios princípios do Fairwork.
Continuamos abertos ao diálogo e à evolução de nossas políticas, ressaltando a importância de que avaliações desse tipo adotem métodos confiáveis, que considerem os contextos locais e utilizem amostragens adequadas, a fim de promover avanços concretos no setor e valorizar experiências que retratem fielmente a realidade de plataformas como a Parafuzo.
Parafuzo em nota ao Olhar Digital
Uber
A Uber não participou do estudo deste ano, assim como nas edições anteriores, porque entende que o princípio norteador da pesquisa parte de premissas derivadas de modelos tradicionais de emprego, sem considerar a necessidade de conciliar a flexibilidade e a autonomia — aspectos centrais e amplamente valorizados por motoristas e entregadores, como apontam diversas pesquisas independentes. Desde o início, temos sinalizado limitações relevantes que, em nossa visão, comprometem a utilidade do estudo para orientar melhorias reais para os trabalhadores. No entanto, tais considerações nunca foram incorporadas ou sequer receberam abertura para diálogo construtivo.
Além das falhas metodológicas — como o uso de amostras sem representatividade estatística — o relatório de 2023 apresentou afirmações infundadas, como a extrapolação de casos pontuais para todas as plataformas, a generalização incorretas de que o setor é resistente a uma regulação pelo governo federal, ou ainda a crítica a pesquisas sérias apoiadas pelo setor, substituídas por reportagens baseadas em fontes frágeis. A Uber tem apresentando uma proposta global clara em defesa de uma regulação que amplie benefícios e proteções aos trabalhadores autônomos e adotamos essa mesma postura no Brasil. Nossa participação ativa no Grupo de Trabalho Tripartite convocado pelo governo federal e a contribuição concreta para a construção do PLP 12/2024 são evidências desse compromisso.
Ao insistir em uma linha desconectada dos desafios práticos de proteções e preferências dos trabalhadores, sem reconhecer avanços ou debater soluções viáveis, o relatório perde a oportunidade de contribuir de maneira efetiva para a formulação de políticas públicas equilibradas e sustentáveis.
Uber em nota ao Fairwork Brasil e ao Olhar Digital

inDrive
A inDrive valoriza o debate público sobre o futuro do trabalho e reconhece a importância de estudos realizados dentro do tema. Celebramos o reconhecimento da plataforma no critério de Remuneração Justa, pois ele valida a essência do nosso modelo de negócio: desafiar as injustiças do mercado através da liberdade e da transparência.
Nosso propósito se materializa em uma plataforma onde motoristas parceiros e passageiros negociam livremente os valores das corridas, com as taxas de serviço mais baixas do setor e sem a imposição de tarifas dinâmicas. Acreditamos que este é o caminho mais justo, garantindo que os motoristas parceiros tenham total controle sobre seus ganhos e autonomia para escolher as viagens que desejam, sem qualquer tipo de penalização.
Este compromisso com um ecossistema mais justo se reflete, ainda, em iniciativas como o Pacto de Segurança, que reforça a proteção de toda a comunidade; o inDrive.Money, uma ferramenta de apoio à saúde financeira dos parceiros; e nosso engajamento ativo nas discussões sobre a regulamentação do setor no Brasil.
inDrive em nota ao Olhar Digital