Relatório mostra precariedade no trabalho por aplicativos no Brasil

Estudo conduzido em parceria com Oxford aponta persistência de baixos padrões trabalhistas em empresas de aplicativos no Brasil
Ana Luiza Figueiredo23/09/2025 16h20, atualizada em 23/09/2025 17h33
mochila entragador
(Imagem: nirat / iStock)
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A terceira edição da pesquisa Fairwork Brasil, divulgada nesta terça-feira (23), mostra que a maior parte das plataformas digitais que atuam no país ainda não assegura padrões mínimos de trabalho decente. O estudo foi conduzido por universidades brasileiras em parceria com a Universidade de Oxford e o Centro de Ciências Sociais de Berlim, avaliando dez empresas entre agosto de 2023 e agosto de 2025.

Entre as plataformas analisadas estão 99, Ame Flash (Americanas), iFood, Lalamove, Loggi, Parafuzo, Rappi, Uber, InDrive e Superprof. Apenas duas delas — InDrive e Superprof — receberam pontuação positiva, com um ponto cada no critério de remuneração justa, ao garantir ganhos acima do salário mínimo após os custos relacionados ao trabalho. As demais não obtiveram nenhum ponto na avaliação.

Projeto garante melhorias no trabalho a entregadores de aplicativo
Ao todo, 10 plataformas foram analisadas e apenas duas obtiveram pontos (Imagem: Tricky_Shark/Shutterstock.com)

Como funciona a avaliação da Fairwork Brasil

  • O projeto Fairwork analisa as condições de trabalho em plataformas digitais com base em cinco princípios: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação.
  • Cada critério pode somar até dois pontos, totalizando um máximo de dez.
  • Para esta edição, a pesquisa envolveu 88 entrevistas com trabalhadores em 26 cidades e 13 estados, além de análise documental e contato com representantes das empresas.
  • As informações foram revisadas por especialistas independentes antes da definição das notas finais.

Principais conclusões

Segundo o relatório, as plataformas seguem apresentando baixa remuneração, ausência de garantias contratuais, riscos elevados de acidentes, processos de gestão opacos e desativações arbitrárias. Além disso, trabalhadores relataram atrasos ou alterações nos pagamentos, falta de repasse de gorjetas e promoções não pagas.

Notas de R$ 100 na mão de uma pessoa; abaixo, em uma mesa, notas de R$ 50
Relatório aponta baixa remuneração e problemas nos repasses feitos pelas plataformas (Imagem: Alexandre Zorek/Shutterstock.com)

Outro ponto destacado foi a necessidade de recorrer ao chamado “trabalho em múltiplas plataformas”: 62 dos 88 entrevistados afirmaram depender de mais de um aplicativo para garantir ganhos mínimos, o que reforça a instabilidade e a vulnerabilidade dessa forma de ocupação.

Contexto e impacto

O relatório também critica a transferência dos riscos da atividade para os trabalhadores, o que amplia o endividamento e reduz sua autonomia. Para os pesquisadores, a ausência de garantias reforça a urgência de regulamentações que assegurem direitos básicos.

O Fairwork Brasil 2025 integra uma rede internacional que já avaliou plataformas em 41 países. No Brasil, a pesquisa é conduzida por equipes da UFRGS, UFRJ, UnB e UFPR, em colaboração com sindicatos, associações e formuladores de políticas públicas.

Leia mais:

Posicionamentos de órgãos e plataformas citadas

Apesar de alguns posicionamentos já constar no relatório, entramos em contato com todas as plataformas avaliadas, além da ANEA (Associação Nacional dos Entregadores de Aplicativos) e do Ministério do Trabalho e Emprego.

Até o momento da publicação:

  • A Uber respondeu com a nota já presente no relatório (abaixo).
  • A Americanas informou que o Ame Flash foi descontinuado há anos e avalia se enviará um posicionamento.
  • A 99, o iFood e a Lalamove declararam que responderiam como setor por meio da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), da qual fazem parte. A associação enviou nota sobre a pesquisa (abaixo).
  • Ainda não obtivemos retorno das demais empresas nem dos órgãos consultados. Vamos atualizar esta publicação à medida que novos posicionamentos cheguem.

Amobitec (representante de 99, iFood e Lalamove)

A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) considera que o documento divulgado pelo Fairwork Brasil adota metodologia que apresenta limitações por não refletir integralmente os dados e utilizar critérios discricionários que impedem comparações precisas. A metodologia tem falhas que comprometem os resultados e impedem que a iniciativa seja usada na construção de melhorias aos maiores interessados: quem usa aplicativos para trabalhar.   

O relatório sobre o trabalho em plataformas digitais parte de premissas equivocadas, com um modelo de pontuação baseado em avaliações discricionárias e influenciado por concepções ideológicas sobre o setor e sobre a natureza da relação entre as empresas e os parceiros, ao invés de critérios objetivos e baseado em dados. Além disso, a metodologia declarada pelo Fairwork não foi efetivamente cumprida no processo. Por exemplo, entre as associadas da Amobitec, nem todas as empresas foram contatadas nem tiveram a oportunidade de apresentar evidências durante a avaliação, contrariando o processo estipulado pela própria entidade.

É importante destacar que as premissas do relatório desconsideram os princípios de flexibilidade e autonomia, características fundamentais da atividade que são as mais valorizadas pelos profissionais. Outro ponto crítico que descredibiliza os resultados divulgados é a ausência de representatividade estatística. Segundo o relatório, ao longo de dois anos foram realizadas, via internet, apenas 88 entrevistas. Esta amostragem representa apenas 0,004% do universo de trabalhadores por aplicativos no Brasil considerando pesquisa do Centro Brasileiro de Análise Planejamento (Cebrap), que contabilizou 2.177.235 motoristas e entregadores no país.

A Amobitec e suas associadas têm como prioridade as iniciativas e políticas de valorização da atividade e dos profissionais parceiros, por isso, participam das discussões com o Poder Público para contribuir na regulamentação do trabalho em plataformas tecnológicas e reforçam o seu interesse na construção de um modelo regulatório equilibrado, que busque ampliar a proteção social dos profissionais e garantir a segurança jurídica da atividade.

Amobitec em nota enviada ao Olhar Digital

Parafuzo

A Parafuzo é um marketplace de serviços domésticos ativo desde 2014, com cerca de 2 milhões de serviços já intermediados em mais de 200 municípios. A plataforma conecta dezenas de milhares de profissionais autônomos e clientes na contratação de limpeza, engomadoria de roupas e montagem de móveis, oferecendo condições de trabalho de qualidade, reconhecidas por avaliações positivas contínuas e por um NPS (Net Promoter Score) de 95 em 100 entre os profissionais, um índice de satisfação e lealdade que pode ser considerado notavelmente alto. Lamentamos que a metodologia Fairwork, ao desconsiderar as realidades locais e as evidências apresentadas, não tenha reconhecido as vantagens da Parafuzo em relação ao mercado tradicional, marcado pela informalidade e baixa remuneração. Na plataforma, todos os profissionais recebem mais de R$ 15 líquidos por hora e 97,5% recebem mais de R$ 18 líquidos por hora, após descontar custos, com total flexibilidade e autonomia. Em viagens comerciais, o rendimento mensal ultrapassa R$ 3.300, podendo ultrapassar R$ 6.000. Operamos com termos de uso justos e transparentes, alinhados com a legislação e a proteção do usuário. Os serviços não envolvem riscos relevantes e todos os profissionais contam com seguro de acidentes pessoais gratuito, comunicação transparente, protocolos seguros e canais de atendimento dedicados, reafirmando nosso compromisso com condições adequadas, autonomia e impacto social positivo.

Parafuzo em nota ao Fairwork Brasil

Uber

A Uber não participou do estudo deste ano, assim como nas edições anteriores, porque entende que o princípio norteador da pesquisa parte de premissas derivadas de modelos tradicionais de emprego, sem considerar a necessidade de conciliar a flexibilidade e a autonomia — aspectos centrais e amplamente valorizados por motoristas e entregadores, como apontam diversas pesquisas independentes. Desde o início, temos sinalizado limitações relevantes que, em nossa visão, comprometem a utilidade do estudo para orientar melhorias reais para os trabalhadores. No entanto, tais considerações nunca foram incorporadas ou sequer receberam abertura para diálogo construtivo.

Além das falhas metodológicas — como o uso de amostras sem representatividade estatística — o relatório de 2023 apresentou afirmações infundadas, como a extrapolação de casos pontuais para todas as plataformas, a generalização incorretas de que o setor é resistente a uma regulação pelo governo federal, ou ainda a crítica a pesquisas sérias apoiadas pelo setor, substituídas por reportagens baseadas em fontes frágeis. A Uber tem apresentando uma proposta global clara em defesa de uma regulação que amplie benefícios e proteções aos trabalhadores autônomos e adotamos essa mesma postura no Brasil. Nossa participação ativa no Grupo de Trabalho Tripartite convocado pelo governo federal e a contribuição concreta para a construção do PLP 12/2024 são evidências desse compromisso.

Ao insistir em uma linha desconectada dos desafios práticos de proteções e preferências dos trabalhadores, sem reconhecer avanços ou debater soluções viáveis, o relatório perde a oportunidade de contribuir de maneira efetiva para a formulação de políticas públicas equilibradas e sustentáveis.

Uber em nota ao Fairwork Brasil e ao Olhar Digital
uber
A Uber afirma que o estudo parte de premissas de emprego tradicionais e defende regulamentação que preserve autonomia e flexibilidade (Imagem: JHVEPhoto / Shutterstock.com)

99

A 99 refuta os resultados das entrevistas porque a metodologia utilizada pela Fairwork não foi seguida: a empresa não foi contatada para participar da etapa de entrevistas com os gestores prevista no processo de avaliação. De acordo com a própria Fairwork, essas entrevistas são uma parte central do procedimento, pois permitem que as plataformas apresentem evidências e esclareçam políticas que nem sempre estão disponíveis publicamente. A ausência desse diálogo limitou a capacidade da 99 de compartilhar informações relevantes, o que impactou o rating atribuído à empresa. Solicitamos respeitosamente que esse contexto seja registrado no relatório final, para que os leitores entendam que 99 não tiveram a oportunidade de apresentar evidências durante o processo de avaliação.

99 em nota ao Fairwork Brasil

Ana Luiza Figueiredo é repórter do Olhar Digital. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), foi Roteirista na Blues Content, criando conteúdos para TV e internet.