A busca por uma higiene íntima mais “profunda” ou a tentativa de eliminar odores podem levar as mulheres a praticarem a ducha vaginal. No entanto, o que parece ser um hábito de limpeza é, na realidade, um procedimento desencorajado veementemente por ginecologistas e por organizações de saúde em todo o mundo porque pode causar riscos significativos para a flora vaginal.
Só que embora as recomendações médicas e ginecológicas atuais desaconselhem a prática, a ducha vaginal ainda é utilizada por uma parcela de mulheres. A frequência pode variar bastante dependendo de fatores como idade, nível socioeconômico e cultural.
Um estudo com universitárias no Brasil, por exemplo, mencionou que 13,9% relataram fazer ducha vaginal após a relação sexual. Em comparação, estudos com grupos de mulheres com menor nível sociocultural em outras pesquisas já encontraram índices maiores.
Ao contrário do sabonete íntimo, que age externamente, a ducha vaginal interfere em um ecossistema interno delicado e equilibrado, podendo causar mais malefícios do que benefícios. A seguir vamos entender melhor essa questão e como esse hábito pode ser prejudicial.
O que é uma ducha vaginal?

A ducha vaginal é a prática de lavar o interior da vagina com uma solução líquida. Essas soluções podem ser água pura, mas frequentemente contêm uma mistura de água com vinagre, bicarbonato de sódio, ou produtos comerciais que incluem fragrâncias, antissépticos e outros compostos químicos.
A aplicação é feita com um dispositivo, como um irrigador ou uma bisnaga, que introduz o líquido sob pressão na cavidade vaginal. É crucial entender que a vagina é um órgão autolimpante. Ela possui um equilíbrio natural de bactérias benéficas (a flora vaginal, dominada pelos lactobacilos) que mantêm o pH ácido, protegendo-a contra agentes infecciosos. A ducha vaginal perturba diretamente esse equilíbrio fundamental.
A ducha vaginal não é recomendada, no entanto, pode ser indicada em situações específicas sob orientação médica, como para aplicação de medicamentos (soluções terapêuticas ou limpeza pré-tratamento) ou preparação para procedimentos (cirurgias ou exames), visando reduzir a carga bacteriana e o risco de infecção. E nunca deve ser autoprescrita.
7 danos à saúde provocados pelo uso da ducha vaginal
A ciência é clara e consistente ao associar a ducha vaginal a uma série de problemas de saúde íntima. Conhecer esses riscos é o primeiro passo para abandonar o hábito e priorizar a saúde vaginal.
Aumento do risco de infecções vaginais

A vaginose bacteriana ocorre quando há um desequilíbrio na flora vaginal, com a redução dos lactobacilos protetores e a proliferação de bactérias nocivas. A ducha vaginal é um dos principais fatores de risco para desenvolver essa condição. Ao lavar o interior da vagina, a ducha remove mecânica e quimicamente as bactérias benéficas que defendem o ambiente.
Um estudo publicado no Journal of Women’s Health confirma que mulheres que realizam duchas vaginais têm uma probabilidade significativamente maior de desenvolver vaginose bacteriana quando comparadas àquelas que não praticam.
Em Protocolos da Atenção Básica: Saúde das Mulheres, a FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) aborda implicitamente e explicitamente os riscos da ducha vaginal ao discutir causa e fatores de risco para infecções vaginais, como a vaginose bacteriana e a candidíase.
Maior probabilidade de contrair Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs)

A mucosa vaginal saudável é uma barreira eficaz contra vírus e bactérias. Quando a ducha altera o pH e a flora, essa barreira fica comprometida, tornando o tecido mais vulnerável a infecções. Pesquisas demonstraram que a prática está associada a um risco aumentado de contrair DSTs (ou ISTs, Infecções Sexualmente Transmissíveis) como clamídia, gonorreia e HIV.
Um relatório dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA alerta que a ducha vaginal pode facilitar a subida de patógenos para o trato genital superior.
A vagina é protegida por uma flora vaginal saudável (principalmente os lactobacilos), que mantém o pH ácido. O ácido (baixo pH) cria um ambiente inóspito para a sobrevivência de muitas bactérias e vírus patogênicos.
Quando a ducha é realizada, ela remove ou desequilibra essa flora protetora e altera o pH, tornando o canal vaginal um ambiente mais favorável para a colonização e o crescimento de agentes infecciosos, incluindo aqueles que causam ISTs.
Risco elevado de Doença Inflamatória Pélvica (DIP)

A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é uma infecção grave que afeta os órgãos reprodutivos superiores, como o útero, as trompas e os ovários. Frequentemente, é uma complicação de DSTs não tratadas. A ducha vaginal facilita que as bactérias causadoras de infecções no colo do útero migrem para os órgãos superiores, desencadeando a DIP.
Essa condição pode causar dor crônica e é uma das principais causas de infertilidade tubária e gravidez ectópica. A American Sexual Health Association destaca a forte correlação entre o hábito de duchas e a ocorrência de DIP.
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Complicações na gravidez

Devido ao aumento do risco de DIP e outras infecções, a ducha vaginal está ligada a complicações na gravidez. Mulheres que ducham regularmente têm maior probabilidade de enfrentar gravidez ectópica (quando o embrião se implanta fora do útero) e parto prematuro.
Um estudo de coorte publicado no Journal of Obstetrics and Gynaecology Canada encontrou uma associação entre a ducha e resultados adversos na gravidez, reforçando a recomendação para que as gestantes evitem totalmente a prática.
Aumento do risco de câncer do colo do útero

Algumas pesquisas sugerem uma ligação entre a ducha vaginal e um risco aumentado de desenvolver câncer do colo do útero. Acredita-se que, ao interferir na flora vaginal e no pH, a ducha possa tornar o colo do útero mais suscetível à persistência do vírus HPV (Papilomavírus Humano), o principal causador desse tipo de câncer.
Uma investigação publicada no Journal of the National Cancer Institute observou que mulheres que usam a ducha vaginal apresentavam uma maior prevalência de infecção por HPV de alto risco.
Irritação e ressecamento vaginal

Os produtos químicos presentes nas soluções de ducha comercial, como perfumes e conservantes, podem ser agressivos para o delicado tecido vaginal. Isso pode levar a irritações, alergias, sensação de queimação e ressecamento. A própria água, sob pressão, pode remover a lubrificação natural, causando desconforto, especialmente durante as relações sexuais.
Mascaramento de problemas de saúde existente

Um odor ou corrimento vaginal anormal são sinais de que algo não está bem. Ao usar a ducha vaginal para “disfarçar” temporariamente esses sintomas, a mulher pode estar adiando a busca por um diagnóstico médico adequado. Isso permite que uma infecção subjacente, como tricomoníase, potencialmente agravando o quadro.
Portanto, a vagina foi projetada para se manter limpa sozinha. A higiene íntima adequada consiste na limpeza externa da vulva com água e um sabonete íntimo de pH adequado. Se existe um odor forte, corrimento incomum ou desconforto persistente, a solução não é uma ducha, mas sim uma consulta com um ginecologista para identificar e tratar a causa correta. Abandonar a ducha vaginal é uma das atitudes mais simples e eficazes para preservar a saúde íntima a longo prazo.